Acórdão nº 167/22.7GAMNC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA SANCHES
Data da Resolução12 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.

Nos autos de inquérito com o NUIPC167/22.7GAMNC, a correr termos na Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Competência Genérica de Monção, foi o arguido R. M.

, detido e presente à Exma. Juiz para primeiro interrogatório, findo o qual foi proferido despacho, em 15-07-2022, a considerar que a matéria de facto fortemente indiciada consubstancia a prática pelo arguido em autoria material de um crime de incêndio florestal, previsto e punido pelo artigo 274º nºs 1 e 2 do Código Penal.

Por ter igualmente considerado estarem preenchidos os pressupostos previstos na alínea c) do artigo 204º Código de Processo Penal (1), decidiu aplicar ao identificado arguido, a medida de coação de prisão preventiva.

  1. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, concluindo assim a respetiva motivação (transcrição): «1) O recorrente entende que foram violados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que o Tribunal deve obedecer no momento da aplicação da medida de coação e que se encontram previstos nos artigos 193 e seguintes do CPP.

    2) O recorrente entende que com aplicação da medida de coação de permanência na habitação, sendo utilizados meios técnicos de controlo a distância, nos termos do artigo 201 do CPP, seria necessária e adequada às exigências cautelares que o presente caso requer e proporcionais a gravidade do crime e às sanções que venham a ser aplicadas.

    3) O recorrente entende que poder-se-ia fazer com que o arguido permanecesse em uma instituição adequada a prestar apoio social e de saúde (tendo em vista a grande dependência do álcool que o mesmo sofre), ficando assim assegurado o controlo efetivo da medida de coação, não permitindo assim que o arguido pudesse incumprir a referida medida de coação.

    4) O recorrente entende que não estão cumpridos os requisitos para aplicação da medida de coação de prisão preventiva, tendo em vista que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação é suficiente para acautelar os princípios previstos no artigo 193 e seguintes do CPP.

    5) Não foi observado o princípio da subsidiariedade, consagrado, ainda, no artigo 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, determina que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.

    6) O recorrente entende que a presente decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que aplique a medida de coação de obrigação de permanência na habitação.

    7) No caso que assim não entenda, sempre se dirá que dever-se-ia realizar um exame pericial (realizado pelo Instituto de Medicina Legal) para verificar se o recorrente padece de anomalia psíquica (tendo em vista que o recorrente consome álcool de forma reiterada e excessiva, como ficou provado nos presentes autos), 8) Caso isso se verifique, deve-se aplicar o disposto no artigo 202, nº 2 do CPP, 9) Pelo que recorrente deve ser internado de forma preventiva em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, 10) Adotando as cautelas necessárias para prevenir os perigos da fuga e do cometimento de novos crimes.

    11) A sentença recorrida violou os artigos 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201 e 202 do CPP e artigo 28, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.» 3.

    A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, resumindo a sua posição nas seguintes conclusões (transcrição): «I. A aplicação da medida de coação prisão preventiva não tem uma função de antecipação da pena, mas de verdadeira medida cautelar, não sendo incompatível com a presunção de inocência.

    1. Em concreto, a aplicação da medida de coação considerou os perigos das medidas de coação, nomeadamente, o de continuação da atividade perigosa.

    2. Importa ter presente que sobre o arguido recai um juízo de suspeição, fundamentado em factos que indiciam o cometimento de crime de séria gravidade e tal como resulta do douto despacho de aplicação da prisão preventiva, no caso, não se trata de um perigo hipotético, virtual ou longínquo. Existem perigos reais e concretos.

    3. O arguido único não revelou possuir crítica nem quanto ao seu comportamento (relativamente aos factos que lhe foram comunicados em sede de primeiro interrogatório judicial), nem afirmou qualquer necessidade de tratamento.

    4. Os factos pelos quais o arguido foi já indiciado trata-se de episódio de heteroagressividade, com desmandos de conduta e utilização de objeto comum, de fácil e permitida portabilidade, uso e aquisição, para execução/consumação do crime em presença no âmbito do circunstancialismo tão severo das condições atmosféricas (veja-se Declaração Governamental de Situação de Contingência em todo o território do Continente) que importava a mais absoluta proibição de acendimento de fogo.

      1. Nem é conhecido projeto de vida ou familiares próximos que o apoiem na tarefa de ressocialização.

      2. Por outro lado. mesmo que, por mera hipótese teórica, se verificasse patologia alegada pela Defesa, a mesma encontra importante associação com a criminalidade.

      3. O perigo é atual e o eventual tratamento sem encarceramento potenciaria a colocação em perigo os bens jurídicos tutelados pela norma jurídica violada e acima enunciada.

    5. A Mm.º Juiz do Tribunal a quo ancorou-se, diga-se que louvavelmente, em princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade e de atualidade. Afigura-se-nos, sem desdouro para a posição assumida pela Defesa. com a qual, porém não concordamos, que o arguido não padece de comorbilidade clinicamente comprovada, existindo, inarredavelmente, a potencialidade de tal patologia, por qualquer incontrolável recidiva, colocar em perigo, designadamente, a floresta e a vida ou integridade física dos seus habitantes, revelando-se, portanto, a prisão preventiva, medida coativa necessária, adequada e proporcional ao acautelamento da reiteração de comportamentos idênticos aos indiciados, tal como referido no artigo 204º alínea c) do Código de Processo Penal.

    6. Em suma, o elenco dos factos indiciados merece a nossa adesão e bem assim a motivação da decisão recorrida, por ser elara. suficiente objetiva e assente numa valoração racional e coerente.» 4.

      Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, pelas razões com base nas quais o Ministério Público na primeira instância sustentou o decidido, salientando, porém, que: “Ora, desde logo é apodítico que a moldura penal de tal ilícito permite a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

      Por outro lado, constata-se que se encontram também preenchidos os requisitos da alínea c) do art.º 204.º do Código de Processo Penal, já que se verifica um “perigo concreto de continuação da atividade criminosa”, sendo também evidente o “perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”.

      Na verdade, o arguido revela algum desequilíbrio emocional que, associado à ingestão frequente de bebidas alcoólicas, potencia um perigo concreto de continuação da atividade criminosa, agravado ainda pela circunstância de não ter interiorizado o desvalor da sua conduta, na medida em que o seu discurso foi sempre direcionado para a versão de que foi incriminado pelos vizinhos com quem terá quezílias.

      Por outro lado, como bem se evidencia no douto despacho recorrido, é também evidente o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pelas trágicas consequências que este tipo de ilícito provoca, ceifando vidas e destruindo impiedosamente em poucos minutos o património que gerações de muitas famílias ajudaram a edificar. De resto, o local onde se deu o sinistro é um meio rural, ladeado de habitações, onde vive uma pequena comunidade.

      (…) É notório que a medida de coação alternativa que o recorrente pretende ver aplicada – obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica – não acautela devidamente as finalidades da punição.

      (…) Acontece, como se disse, que no caso em análise não existe uma garantia mínima de que o arguido, se submetido à medida de obrigação de permanência na habitação, não voltasse a praticar atos da mesma natureza, tanto mais que revela um comportamento altamente instável, perturbado e desequilibrado.

      Por último, importa realçar que estamos ainda no período crítico de fogos, sendo que este Verão o nosso país voltou a ser assolado com particular intensidade por incêndios, o ponto de ter sido recentemente decretada a Declaração da Situação de Contingência em todo o território de Portugal Continental para evitar combustões.

      Neste contexto, a prisão preventiva revela-se a única medida adequada às exigências cautelares do caso, sendo certo que o despacho recorrido fundamentou corretamente a necessidade da sua aplicação.” 5.

      O recorrente apresentou resposta a este parecer, reafirmando a posição assumida nas suas alegações de recurso.

  2. Foi proferida decisão sumária nos seguintes termos: «Pelo exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em rejeitar o recurso interposto porque manifestamente improcedente (art.ºs 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do C. P. Penal).» 7.

    O recorrente reclamou para a conferência transcrevendo-se, naquilo que se mostra relevante, o seguinte trecho do requerimento apresentado: «5) Pois nas alegações de recurso foi referido que dever-se-ia aplicar o disposto no artigo 201, nº 1 do CPP, 6) Pelo que o arguido deveria cumprir a medida de coação de obrigação de permanência na...

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