Acórdão nº 629/17.8T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. K. intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra: X - Unipessoal, Ld.ª, e Y – Companhia de Seguros, S.A..

A fls. 92 e segs. o sinistrado veio requerer a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora e a entidade empregadora, pedindo a condenação daquelas na proporção das respetivas responsabilidades, no pagamento de: Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 2.175,61; € 2.914,06, título de indemnização por ITA; € 25,00 de despesas com transportes obrigatórios; juros de mora vencidos e vincendos à taxa de legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações até integral pagamento; bem como das despesas médicas, técnicas e medicamentosas que o autor tenha de suportar.

O Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, I.P. veio a fls. 119 e segs. deduzir contra as rés pedido de reembolso, entretanto ampliado nos termos da respetiva ata, da quantia de € 4.232,36, acrescida de juros de mora a contar da respetiva citação, relativo a subsídio de doença pago ao autor no período de 01.03.2017 a 20.11.2017.

As rés contestaram invocando não se tratar de acidente de trabalho.

Realizado o julgamento foi proferida sentença julgando a ação improcedente, bem como o pedido deduzido pelo ISS, IP, absolvendo-se as rés do pedido.

Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões: 1.- A Recorrente não se conforma com a decisão do seguinte quesito da decisão da matéria de facto, em concreto, o facto provado n.º 10, porquanto entende que esse facto provado deveria ter sido declarado não provado.

2.- Existem meios probatórios constantes do processo…que impunham decisão diversa da recorrida sobre tal matéria… O autor não estava no efetivo gozo de um período de descanso semanal obrigatório.

4.- Com o devido respeito (que é muito pelo tribunal recorrido) a douta sentença recorrida ao decidir declarar como provado o quesito n.º 10 da base instrutória, violou assim o artigo 607 n.º do Código de Processo Civil, o n.º 1 do artigo 8 da Lei n.º 98/2009 de 04 de setembro, o n.º 1 do artigo 197 e o artigo 199, ambos do Código de Trabalho e o n.º 1 e 2 do artigo 2.º da Diretiva n.º 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04 de novembro de 2003.

Sem prescindir e por mera cautela 5.- Ainda que V.Ex.as considerem que a matéria de facto provada e não provada não deve ser alterada, tal (sem prejuízo de melhor entendimento) não obsta a que se proceda à revogação da douta sentença recorrida com a consequente condenação das rés no pedido formulado pelo autor, uma vez que em rigor, a matéria indicada na decisão da matéria de fato (quesito provado n.º 10 e restantes) não impede que se entenda e decida que a situação que vitimou o autor seja qualificada como um acidente de trabalho nos termos definidos no artigo 8 n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 04 de setembro.

6.- Com efeito refere a douta sentença colocada aqui em escrutínio que o momento limite entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso é aquele em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada (ver segundo paragrafo da sexta página da douta sentença recorrida). Decorre do teor da douta sentença recorrida que esta concluiu que na data e local da situação que vitimou o autor/sinistrado este tinha o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada. Ora (com o devido respeito pelo tribunal a quo) o recorrente não concorda com este entendimento uma vez que há que distinguir se o descanso semanal de 45 horas do respetivo motorista é efetuado na pendência de uma viagem internacional estando o motorista retido no estrangeiro ou se o dito descanso semanal de 45 horas do respetivo motorista é efetuado no final da viagem internacional em questão, em concreto, na área da residência do motorista, podendo assim só neste último caso o motorista proceder ao gozo efetivo deste período de descanso, ou seja, usufruir do mesmo, junto do seu lar, na companhia da sua família e dos seus amigos.

7. - Destarte, se o autor detém a categoria profissional de motorista TIR, se está em trânsito no estrangeiro, no âmbito de uma viagem internacional, e se está retido por imperativos de legislação rodoviária (ver artigo 4 alínea h), e artigos 6 a 8 do Regulamento n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006 relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CEE) n.º 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho), por obrigatoriamente ter de parar para efetuar um descanso semanal obrigatório … não se deve entender que o autor adquiriu nesse período temporal o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada… sendo ainda certo que a jurisprudência dos tribunais superiores quanto a esta matéria tem vindo a entender (entendimento que o recorrente acompanha) que a atividade de um motorista TIR compreende além da condução da viatura, também a sua guarda e manutenção em boas condições e particularmente no estrangeiro, a permanente disponibilidade ao serviço do empregador… (conferir Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 22 de novembro de 2007, 4.ª Secção, recurso n.º 1935/07, disponível nos sumários (2005-2016) da secção social do STJ, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 12 de março de 2003, processo n.º 02S4301, (relator Ferreira Neto) disponível no sítio www. dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 29 de outubro de 2008, 4.ª Secção, recurso n.º 1538/08, disponível nos sumários (2005-2016) da secção social do STJ in https://www.stj.pt/wpcontent/uploads/2018/01/transporteinternacionaldem ercadoriasporestradatir_social.pdf).

8.- Deste modo conclui-se que se o empregador encarrega um motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias de realizar um serviço de transporte internacional de mercadorias, os dias subsequentes no estrangeiro, sejam eles dias de descanso semanal obrigatório ou complementar ou outros que correspondam a dias de trabalho semanal, ainda que não em condução, o motorista TIR em questão não pode deixar de estar ao serviço e na disponibilidade da sua entidade patronal dada a especificidade deste tipo de trabalho, pelo que esses períodos temporais em que o autor está retido no estrangeiro por imposição legal para efetuar um descanso semanal obrigatório, têm de ser considerados tempos de trabalho… conforme decorre do n.º 1 do artigo 2 da Diretiva n.º 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, transposta, por via do código do trabalho, para a ordem jurídica portuguesa [cfr. artigo 2º, alínea n) da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro que aprovou este compêndio legal.

9.- A referida disponibilidade do motorista TIR ao serviço do seu empregador resulta expressamente da definição legal de motorista TIR constante no referido anexo I, página 33, (categorias profissionais) do contrato de trabalho coletivo celebrado entre a ... e a ... (bem como da cláusula 12.ª do dito CCTV), aplicável a este setor de atividade e ao contrato de trabalho celebrado entre autor e ré (como de resto se pode extrair do fato provado 3.7 da douta sentença recorrida).

10.- Definição legal que foi acolhida e defendida jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça (conferir Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 17 de dezembro de 2009, 4.ª Secção, recurso n.º 949/06.2TTMTS.S1, disponível nos sumários (2005-2016) da secção social do STJ e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 12 de março de 2003, processo n.º 02S4301, relator Ferreira Neto, disponível no sítio www. dgsi.pt).

… 12.- Tanto assim é que igualmente de forma consensual os nossos tribunais superiores têm entendido que os dias em que o motorista TIR está retido no estrangeiro por imperativos de legislação rodoviária na pendência de viagens internacionais ao serviço e no interesse da sua empregadora, sejam dias de descanso semanal obrigatório ou complementar ou outros que correspondam a dias de trabalho semanal, ainda que não em condução, por não deixarem de poder serem considerados ao serviço e na disponibilidade da respetiva empregadora, têm de ser remunerados nos termos do artigo 41 do CCTV como trabalho suplementar.

… 14.- … a retenção do autor na dita área de serviço (por imposição legal) para o autor efetuar um descanso semanal obrigatório...

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