Acórdão nº 53/16.0PTBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Abril de 2019

Data29 Abril 2019

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 53/16.0PTBGC, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, foi submetido a julgamento o arguido: R. J., casado, filho de … e de …, nascido na freguesia de …, concelho de …, a .. de … de 1973, de nacionalidade portuguesa, residente na Avenida …, Bragança.

1.1.

Em 31/10/2018 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, em cujo dispositivo consta (transcrição 1): “Pelo exposto, e sem outras considerações: I.

Condeno o Arguido R. J., pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º nº 1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, o que perfaz o total de € 1.080,00 (Mil e oitenta euros).

  1. Condeno o Arguido R. J., na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 5 meses, nos termos do artigo 24.º n.º 1, 145.º, n. 1, alínea e) e 147.º, do Código da Estrada, e 20.º, do RGCO.

  2. Absolvo o Arguido do remanescente.

    (…).”.

    *2.

    Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e dada como provada na douta sentença, não permite concluir que o arguido conduzia de forma desatenta, que violou as regras de circulação, que podia prever o resultado e ter evitado o acidente, condenando-o.

    2- Importa corrigir a redacção da sentença em 1 dos factos provados, para modelo “200” e em 23 retirar traumatismo crânio – encefálico direito.

    3- A perna esquerda da vítima não apresenta lesões, enquanto que a perna direita apresenta hematoma externo ao nível da coxa, o que é compatível com as declarações da testemunha Conceição, deslocação em sentido contrário da viatura e desviar-se do poste.

    4- As demais testemunhas oculares referem a existência do poste, que a vítima saiu / desceu para a estrada e o arguido teve tempo de parar.

    5- O embate deu-se a cerca de 1,77 m do passeio e o veículo circulava a cerca de 40 Km / h.

    6- Sendo certo que a vítima demoraria cerca de 2 segundos desde o passeio ao local de embate, o condutor estaria a 22,2 m do mesmo ponto.

    7- O que significa que antes de 22,2 m o arguido não podia ver a vítima e parar ou desviar-se, evitando o acidente.

    8- Para concluir como a douta sentença, pela sua culpabilidade, era exigível dar-se como provado que a vítima estava parada no ponto de embate.

    9- Não sendo assim, como não foi, temos erro de julgamento e de apreciação da prova.

    10- Acresce que a vítima violou o código da estrada, deslocando-se fora da passadeira e após esta, atenta a proveniência do veículo.

    11- Um douto Acórdão da Relação do Porto, datado de 16-05-2018, condenou um peão, que fora de passadeira, decidiu atravessar uma via e provocou a morte ao condutor de um ciclomotor.

    12- Deve pois o arguido ser absolvido do crime e da sanção acessória.

    No entendimento do recorrente foram violadas as disposições dos artigos 124 e 127 do C. P. Penal; os artigos 15 e 137 nº 1 do Código Penal; os artigos 24 nº 1, 145 nº 1.e-) e 147 do C. Estrada, além de outros que o Venerando Tribunal entenda suprir.

    NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Bragança e em consequência Absolver-se o recorrente da prática do crime e da sanção acessória.

    Caso esse não seja o entendimento deve reduzir-se a sanção acessória de inibição de conduzir para o período de 1 mês.

    Assim se fazendo Justiça.”*3.

    Na 1ª instância a Exma. Procuradora-Ajunta respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, rematando a sua peça processual com as seguintes conclusões (transcrição): “1. O recorrente não impugna verdadeiramente a matéria de facto dada como provada, nem aduz nenhum argumento válido que permita concluir que o Tribunal «a quo» apreciou a prova incorrectamente.

    1. Não ocorreu qualquer erro de julgamento, sendo que tal não se verifica se, simplesmente, o Tribunal não acolheu a versão dos factos apresentada pelo arguido/recorrente.

    2. O recorrente não justifica por que razão o Tribunal «a quo» não devia ter dado como provado que a falecida sofreu, além do mais, um traumatismo crânio-encefálico, tanto mais que tal resulta de prova pericial e do registo clínico da vítima, e cujo teor não foi posto em causa pelo arguido.

    3. Da globalidade da prova produzida, mormente da prova testemunhal e da inspecção judiciária, resultou provado que o arguido colheu a falecida quando a mesma já se encontrava a atravessar a faixa da direita, o que fez por circular no veículo distraído e a ocupar parcialmente a faixa da esquerda.

    4. Tal distracção surgiu demonstrada, além da primeira justificação dada pelo arguido ao agente de autoridade (dizendo que se distraiu com o filho que seguia atrás), do facto de inexistirem marcas de travagem no local e do próprio local onde a vítima ficou caída.

    5. Não obstante a vítima não se encontrar a atravessar a via na passadeira mas a uns escassos metros da mesma, não afasta a responsabilidade criminal do arguido que, colhendo-a violentamente, causou-lhe lesões que determinaram a sua morte.

    6. Atenta a condenação do arguido no crime de homicídio negligente, forçosa era também a sua condenação na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, p. e p. pelo art. 69.º, n.º 1, al. a) do CP.

    7. Considerando a moldura do citado artigo (inibição de 3 meses a 3 anos), carece de fundamento legal a redução de tal pena para o período de 1 mês.

    8. Não foi violado o disposto nos arts. 124º e 127º do CPP, 15º e 137º do CP e 24º, 145º, nº 1, al. e) e 147º do CE.

    9. A decisão tomada deve ser mantida nos seus exactos termos.”.

    *4.

    Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e fundamentado parecer, o qual remata do seguinte modo (transcrição): “Em conclusão: salvo melhor e mais avisada opinião, o recurso interposto pelo arguido deverá ser julgado procedente, não pelo que oferece em argumentação, mas pela verificação de uma precisa e relevante circunstância, a existência do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão – art.º 410, nº 2, al. a) do CPPenal, porquanto o tribunal a quo, podendo e devendo caracterizar a conduta do peão ofendido na dinâmica do acidente que o vitimou, visando identificar a sua génese, não o fez, até porque a decisão recorrida anuncia que o mesmo iniciou uma travessia da faixa de rodagem a pouco mais de 5 metros de uma passadeira para peões, em colisão com o disposto no art.º 101 do Código da Estrada, devendo, por isso, ordenar-se o reenvio do processo sobre todo o seu objecto, nos termos previsto no artº 426, nº 1 do CPPenal.”.

    *4.1.

    Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, veio o arguido apresentar a sua resposta, sustentando, em síntese, não pretender contraditar o douto parecer do Ministério Público, mas esclarecer que também ele próprio faz alusão ao vício em causa, de insuficiência para a decisão da matéria de facto nos pontos 10 e 11 das suas conclusões, sendo certo que, o que afirma nos pontos 6 a 9 das mesmas conclusões (independentemente de a vítima ir atravessar ou a desviar-se do poste) é que, descontado o tempo de chegar ao local do embate, cerca de dois segundos, atenta a baixa velocidade a que circulava, não a podia ver em tempo útil, porque lá não estava, sendo certo que, se lá estivesse parada (ele, arguido) podia vê-la a 50 m, 100 m ou mesmo mais.

    Termina a sua resposta aduzindo que, face à simplicidade do que está demonstrado, deve o recorrente ser absolvido, sem necessidade de repetição do julgamento.

    *5.

    Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (2) (3).

    Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, este coloca a este Tribunal as seguintes questões essenciais que importa apreciar e decidir: - Erro de julgamento quanto aos factos dados como provados e identificados nos pontos 25 e 26; - Necessidade de proceder a precisas correcções na matéria de facto provada (no ponto 1, quanto ao modelo do veículo interveniente no acidente, e no ponto 23 relativamente a uma errada referência a uma consequência traumática); e - Erro notório na apreciação da prova (pois, para se concluir pela sua culpabilidade, era exigível dar-se como provado que a vítima estava parada no ponto de embate, o que não sucedeu).

    *2.

    Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, por ora, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

    2.1.

    O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1. No dia 15 de Novembro de 2016, cerca das 18:00 horas, na Avenida …, em Bragança, o Arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca mercedes, modelo 190, com a matrícula XX no sentido Sul-Norte, parcialmente, pela via de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha, levando como passageiro o seu filho, que tinha nessa data, dois anos de idade e que tinha recolhido no Infantário …, sita no …, em Bragança, deslocando-se para a sua residência; 2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, M. T. atravessou apeada a Rua da …, no sentido sul-norte, acedeu o passeio da Avenida … e iniciou o atravessamento da Avenida das …, no sentido Este-Oeste; 3. Fê-lo a cerca de...

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