Acórdão nº 485/12.2TAVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MATOS
Data da Resolução25 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães . RELATÓRIO Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo que seguem termos sob o nº 485/12.2TAVRL no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo Central Criminal de Braga/Juiz 6 foi proferida decisão judicial relativamente ao arguido D. F. que, à luz do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a) do Código Penal, determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos e 4 meses em que o mesmo foi condenado, por acórdão proferido a 01/03/2016 e transitado em julgado em 13/01/2017.

Notificado de tal decisão, o arguido D. F. interpôs recurso da mesma, que se acha motivado e apresenta as seguintes conclusões: 1. Decidiu o Tribunal a quo revogar a suspensão da pena aplicada ao recorrente por, de modo grosseiro, ter infringido o plano de reinserção social de tal forma que inviabilizou de todo a sua elaboração, determinando o efectivo cumprimento pelo mesmo da pena única de três anos e quatro meses de prisão em que foi condenado.

  1. Analisado o despacho recorrido entende o recorrente que o mesmo não fez uma avaliação cuidadosa da sua conduta, ficando muito longe de exibir a fundamentação suficiente para se concluir pela existência de infracção grosseira de tal plano, como é exigível em face do disposto no citado artigo 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.

  2. A lei não revela o que se deve considerar como uma infracção grosseira ou uma infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos, mas a jurisprudência tem considerado que a situação de facto prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 56.º do Código Penal há-de constituir um comportamento que se revele intolerável e inadmissível para o comum dos cidadãos, que revele uma culpa temerária, o esquecimento dos deveres gerais de observância.

  3. No caso dos autos há, desde logo, que realçar que o comportamento do arguido traduzido na alegada ausência de resposta às convocatórias, impossibilitando a elaboração do relatório social em nada abona em seu favor. Todavia, sempre se deverá entender por bem dar uma nova oportunidade ao arguido, permitindo-lhe a sua audição na presença do técnico responsável, nos termos do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al. b), e 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sob pena de ocorrer a preterição de uma formalidade essencial cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do mesmo Código.

  4. In casu, em nosso entender, justifica-se a conclusão de não revogar a suspensão da execução da pena, por haverem sido cumpridas as expectativas que motivaram a concessão da suspensão, sobretudo porque não há registo de que o arguido haja cometido quaisquer ilícitos, no decurso dos dois anos de suspensão, nada dizendo a decisão recorrida a esse respeito.

  5. Nesse sentido cabe destacar o entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão de 20.03.2017, consultável em www.dgsi.pt, segundo o qual, “I. Os princípios do contraditório e da audição prévia devem ser assegurados na decisão que aprecie os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de modo a que a mesma não constitua surpresa contra o arguido, a quem assiste o direito de impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração e, designadamente, os argumentos aduzidos no parecer do Mº Pº, bem como requerer a produção de meios de prova, sob pena de se quebrar a reciprocidade dialéctica entre tal Órgão e o condenado e de se postergar as garantias de defesa deste, na dimensão dos aludidos princípios, acolhidos no art. 32º da Constituição e art. 61º, n.º 1, b), do CPP. II - Consequentemente, tem sido entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido - o que inclui, naturalmente, a da revogação da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, aplicada em substituição da pena de prisão - deve ser precedida da sua audição prévia e a preterição dessa formalidade tem sido enquadrada como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado.” 7. Assim, para se ter por devidamente assegurado o contraditório, impunha-se que o recorrente fosse ouvido pelo tribunal, tendo em conta os princípios supra referidos e a conhecida preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração.

  6. Ora, estando em causa a liberdade, antes de ser proferido o despacho que lhe revogue a pena substitutiva e determine o cumprimento da pena principal, o recorrente devia ter sido ouvido, o que não sucedendo configura a preterição de uma formalidade essencial cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso nos termos do artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

  7. Não podemos, pois, olvidar que está em causa um acto que afecta o recorrente num dos direitos fundamentais de maior valia - o direito à liberdade -, razão pela qual, “a audição deve ser pessoal e presencial” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 20/l1.0PASJM-A.Pl, relator: Neto de Moura, de 30.04.2014.), e, também, obrigatória antes de ser proferido despacho sobre as consequências do incumprimento de tais condições.

  8. Com efeito, a omissão da audição presencial do condenado tal como imposta pela lei constituiu nulidade insanável, prevista na al. c) (“A ausência do arguido (…), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, em conjugação com os citados artigos 61º, n.º 1, b) e 495.º, n.º 2, ambos do mesmo Código.

    SEM PRESCINDIR, 11. Da conjugação dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal resulta claro que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação.

  9. A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da social al. a), do n.º 1, do artigo 56.º do Código Penal quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção.

  10. Quer-se com isto dizer que só ocorrerá a revogação da suspensão quando circunstâncias põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe.

  11. A decisão recorrida decidiu revogar a suspensão da pena de prisão invocando a alínea a), n.º 1, do citado artigo 56.º do Código Penal, ou seja, a infracção grosseira do plano de reinserção social.

  12. Porém, entende o recorrente que não resulta evidente dos autos a violação grosseira dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução.

  13. Aliás, entende-se que a decisão recorrida descurou, por completo, qualquer alusão às actuais condições pessoais do arguido, bem como ao não cometimento de novos crimes no período em que perdurou a suspensão da pena aplicada e à circunstância do recorrente ter contactado os serviços da DGRS a dar conta de que havia emigrado para França, juntamente com a família, e cuja morada consta dos autos, designadamente, de alguns ofícios expedidos pelo Tribunal a quo.

  14. Aliás, infracção grosseira seria se os serviços da DGRS procurassem articular com os serviços de idêntica natureza existentes em França, por forma elaborar o plano de...

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