Acórdão nº 23/19.6JAVRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GONÇALVES
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

***Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No autos de inquérito (Atos Jurisdicionais) com o NUIPC 23/19.6JAVRL, a correr termos pelo Juízo Local Criminal de Chaves do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, o arguido J. M.

foi submetido a primeiro interrogatório judicial, tendo sido proferido pelo Sr. Juiz despacho judicial, mediante o qual lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191.º, 193.º, 194.º, 195.º e 202.º, n.º1, al. a) e 204, als. a), b) e c) do CPP.

Para esse efeito, o Sr. Juiz considerou que os autos indiciam fortemente a prática pelo arguido de factos susceptíveis de o fazerem incorrer na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, e estarem verificados os perigos de fuga, de perturbação do decurso do inquérito, continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, previstos no art. 204º, alíneas a), b) e c), do C. de Processo Penal.

Inconformado, o arguido interpôs recurso cuja motivação rematou com as seguintes conclusões (transcrição): «I. O arguido vem indiciado da prática de um crime de Incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas previsto e punido no artigo 272, alínea a) do Código Penal que determina como moldura penal o quantum de 3 a 10 anos, mas os danos praticados - como resulta dos autos - são muito reduzidos e reduzem-se ao logradouro com cerca de 30 m 2, no exterior que deita para a via pública; II. A prisão preventiva constitui a última ratio no edifício jurídico-penal, assumindo natureza excepcional, nos termos do artigo 27°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa e, inexistem nos autos fundamentos que permitam imputar ao Recorrente, a título de fortes indícios, a prática do crime objeto de investigação e que possa sustentar a aplicação de tal medida de coação, até porque não se encontra em nenhum local demonstrado o valor do imóvel objecto do alegado crime e em especial a caderneta predial donde resulte provado, pelo menos o valor patrimonial tributário.

III. Ora, pelo dito, não existem indícios no processo que possam demonstrar no presente que se encontra cumprido o critério para determinar o significado da/expressão «provocar incêndio de relevo» — inserta na al. a) do n.° 1 do art. 272.° do CP, preceito que nas alis. a) a f do seu n.° 1 define as modalidades da acção que são susceptíveis de criar perigo — e que é um critério quantitativo, como resulta da verificação empírica das regras de experiência em que a qualificação do incêndio como «de relevo» partirá de um critério de dimensão e extensão e pressupõe «em definitivo uma tónica de excesso» (cf. Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pág. 870), o que, para já, não nos permite determinar se estamos perante ou não um crime de incêndio, de acordo com a previsão da norma; IV. O que, desde logo, deveria fazer com que não fosse aplicada ao arguido a medida de coação aplicada por via do não cumprimento do disposto no artigo 202°, n° 1 alínea a) do CPP, e não se verifica o preenchimento não apenas deste requisito como os demais requisitos essenciais que com este cumulam para a aplicabilidade da prisão preventiva; V. Em primeiro lugar não se verifica o perigo de fuga, porquanto, é manifestado no despacho que decretou a prisão preventiva que: ‘Desde logo, no que respeita ao perigo de fuga, há que considerar que não é conhecida ao arguido qualquer conexão de relevo com o local onde atualmente reside, nomeadamente de natureza familiar ou laboral “além do café ao qual o arguido ateou fogo, o que, de facto, pode implicar que, colocado perante a possibilidade de sofrer uma medida privativa da liberdade, venha a ausentar-se, definitivamente para parte incerta.” VI. Tal, para além de ser manifestamente falso, é conclusivo, pois de nenhum elemento constantes dos autos resulta a existência da indicada desconexão e retaguarda familiar, de ausência de ligação económica do arguido ao local onde vive e sua inserção social, para que se possa inferir tal importante conclusão e aliás, com se depreende dos autos, os crimes dos quais já foi condenado foram sempre na cidade de Chaves onde vive e sempre viveu, e onde vivem os seus pais, tios, toda a sua família, todo o seu entorno familiar...

VII. Depois, o arguido é cidadão nacional, vive na cidade de Chaves desde sempre, exerce a sua atividade profissional na cidade de Chaves, é pessoa sem disponibilidade financeira, com situação económica débil e a ser acompanhado constantemente pela sua, mãe, pai e companheira; VIII. “Para se apreciar os elementos do receio de fuga não pode deixar de se fazer um juízo de avaliação da realidade hipotética com base nas suas manifestações que, por recorrentemente repetidas, se instilaram no consciente colectivo como regras.

(Mas) Trata-se de um juízo de valor que se ajuste ao senso comum sem o distorcer, nem na sobrevalorização dos perigos, nem na sua ignorância ou desvalorização. Quanto ao perigo, ele deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar.” Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-01-2011.

IX. Mais ainda e de forma mais contundente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 16-11-2011 nos indica que: 1- Inexiste presunção de perigo de fuga, designadamente, por alguém ter conhecimento de ser arguido num processo, de poder vir a ser, por via disso, condenado em pena de prisão ou de ter meios económicos superiores ao cidadão comum ou, ainda, ter a possibilidade de ir qualquer outro ponto do país ou no estrangeiro recomeçar a vida profissional II- O perigo de fuga há-de ser conclusão a extrair de factos concretos evidenciados no processo que, sem prejuízo da consideração conjugada com a gravidade dos factos e correspondente moldura penal abstracta e com a real situação pessoal, familiar, social e económica do arguido, indiciem uma preparação para a concretização de tal intento.

X. No caso em concreto faz-se um juízo de aferição da realidade, manifestamente desprovido de sustentação fáctica e que serviria para qualquer outro arguido em qualquer outro processo, pois nada nos autos nos demonstra, segundo os elementos consagrados nos arestos indicados, que factualmente existe perigo de fuga por parte do arguido, pelo que, nesta parte, deverá este requisito ser considerado como não cumprido para justificar a medida de coação ao arguido aplicada; XI. Depois no que toca à continuação da atividade criminosa no despacho que ordenou a medida de coação é manifestado que: “quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito e, nomeadamente, para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, juga-se que, não obstante sejam já muitas as provas que resultam dos autos e que demonstram a autoria do crime por parte de arguido, não é de afastar a possibilidade de este vir a intervir junto das testemunhas indicadas nos autos, no sentido de procurar afastar a sua responsabilização penal. Efectivamente, até a justificação prestada pelo arguido para iniciar este incêndio, alegando estar aborrecido com a necessidade de comparência em ato processual perante o Tribunal é indicativa da escalada de violência em que o mesmo se encontra (pois que já foi condenado antes por crimes contra as pessoas, nomeadamente por ofensas à integridade física grave e qualificada). Esta circunstância também cria um justificado receio de que este possa vir a usar de substancial violência para, futuramente, constranger terceiros a não terem qualquer intervenção neste processo.” XII. Ora, em primeiro é de imediato admitido que as provas constantes dos autos já são elas muitas e que poderão demonstrar a autoria do crime por parte do arguido, o que desde logo esvazia grandemente o pressuposto da perturbação do inquérito e, depois, o facto de ter já sido condenado por ofensa à integridade física -dito desta forma, sem perceber os contornos em que o foi -não podem de peri si fundamentar a possibilidade de perturbação do inquérito por putativo constrangimento das testemunhas; XIII. E, também aqui se é necessário que se demonstre, em concreto, que o recurso a outros meios ao dispor do MP e dos OPC’s não seja suficiente para evitar a perturbação do inquérito, pois, o MP tem hoje ao seu dispor uma vasta lista de meios para investigar o crime e impedir a perturbação dessa mesma investigação por parte do arguido o que não foi feito no despacho do qual se recorre; XIV. Depois, e por fim, serve este mesmo coadjuvado com mais um par argumentos conclusivos e não assentes factualmente — passa-se a citar ‘Por outro lado, é também com este fundamento que se julga existir perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pois que se reconhece que o arguido usou, nesta situação, de um meio com um potencial altamente danoso que é amplamente reconhecido e que o mesmo não podia desconhecer. Aliás, colocou em causa, com este seu comportamento leviano, bens patrimoniais alheios de valor elevado, que podiam até ter-se estendido a outros edifícios próximos, considerando a limitada distância existente entre o e estes edifícios.” -para fundamentar o terceiro e último requisito da possibilidade de continuação da atividade criminosa; XV. Neste aspeto, é claro, que esta possibilidade diz apenas respeito à possibilidade de prática de crimes de igual natureza, e a este respeito vejamos o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 18/04/2016 que nos ensina que: 1 -O perigo de continuação da actividade criminosa há-de aferir-se em função das circunstâncias referentes ao crime indiciado...

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