Acórdão nº 1599/16.5T9AVR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MATOS
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães . RELATÓRIO Nos presentes Autos que seguem termos sob o nº 1599/16.5T9AVR no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo de Instrução Criminal de Guimarães/Juiz 2, na sequência de ter sido proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público, os assistentes M. M., T. M. e R. M. apresentaram pedido de abertura de instrução, no sentido de ser proferido despacho de pronúncia dos arguidos A. M. e L. L., a quem imputam a prática, em co-autoria e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b), também do Código Penal.

Foi declarada aberta a Instrução, no âmbito da qual foram realizadas diligências probatórias.

Houve lugar ao debate instrutório, após o qual foi proferido despacho de pronúncia dos arguidos A. M., solteira, professora, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, e de, L. L., solteiro, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, Pela prática, em co-autoria e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1 e 4, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma legal.

Inconformado com tal decisão o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs da mesma recurso, lavrando a respectiva motivação e apresentando as seguintes conclusões: 1. O recurso tem como objecto o despacho de pronúncia de fls.460 verso a 474 que entendeu pronunciar os arguidos A. M. e L. L. pela prática, em co-autoria e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artigos 30º, nº2, 205º, nsº1 e 4, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 202º, alínea b), do mesmo diploma.

  1. O Ministério Público, após proceder às diligências de investigação tidas por pertinentes, determinou o arquivamento do inquérito por entender que os factos indiciados não configuravam a prática de qualquer crime, devendo o litígio entre os assistentes e os arguidos ser dirimido no âmbito da jurisdição cível.

  2. Inconformados com esse despacho vieram os assistentes requerer a abertura de instrução que culminou com a pronúncia dos arguidos.

  3. Discordamos do despacho de pronúncia por entendermos que os factos indiciados imputados aos arguidos A. M. e L. L. não integram a prática de qualquer crime, nomeadamente o de abuso de confiança qualificado.

  4. Dos autos resulta que os arguidos A. M. e L. L. transferiram para a conta bancária da primeira e levantaram dinheiro ao balcão no montante total de € 98.261,67 (noventa e oito mil, duzentos e sessenta e um euros e sessenta e sete cêntimos) proveniente da herança do falecido A. J..

  5. A herança é um património comum ou colectivo pertencente, na proporção dos respectivos quinhões, a todos os herdeiros, pelo que o dinheiro da herança não pode ser considerado bem alheio, como exige o tipo legal objectivo do crime de abuso de confiança, pelo menos relativamente à arguida A. M., filha do falecido A. J..

  6. Acresce, ainda, e este é o cerne da questão, que dos factos indiciados não resulta devidamente demonstrada a necessária inversão do título de posse relativamente ao dinheiro da herança transferido para a conta da arguida A. M., bem como aquele que foi levantado em dinheiro por ela ao balcão da agência do Banco ....

  7. Desconhecendo-se o destino dado ao dinheiro pelos arguidos e não resultando dos autos que tenham sido interpelados para devolver a quantia em causa e que tenham negado essa restituição, não podemos concluir, como fez o Mmº Juiz de Instrução Criminal a quo, que os arguidos se tenham apropriado desse dinheiro.

  8. Também não resulta dos autos que os assistentes tenham requerido inventário na sequência do falecimento de A. J. e que os arguidos, nomeadamente a arguida A. M., se tenham recusado a restituir à herança a referida quantia em dinheiro a fim de ser partilhada, na proporção dos respectivos quinhões, entre todos os herdeiros.

  9. Ainda que os arguidos tivessem actuado sem conhecimentos dos demais herdeiros ou contra a sua vontade, em momentos de maior dificuldade de detecção, não se pode daí retirar, como faz o Mmº Juiz de Instrução Criminal a quo, que a intenção deles não fosse de restituir as quantias transferidas/levantadas ou de fazer compensação aquando da partilha 11. Não resultam, assim, dos autos a prática pelos arguidos de actos objectivamente idóneos passíveis de levar à conclusão de que eles inverteram a posse do dinheiro e passaram a comportar-se como proprietários, recusando-se a devolver a quantia de €98.261,67 (noventa e oito mil, duzentos e sessenta e um euros e sessenta e sete cêntimos) à herança do falecido A. J..

  10. Os factos indiciados imputados aos arguidos não são passíveis de integrar o crime de abuso de confiança qualificado pelo qual os mesmos foram pronunciados, devendo o litígio entre os assistentes e os arguidos ser dirimido no foro cível.

  11. Na interpretação das normas não deve esquecer-se o princípio da subsidiariedade do direito penal, segundo o qual a intervenção do direito criminal só é legítima quando a tutela dos bens jurídicos em causa não puder ser garantida por outras vias que implicam custos menos drásticos.

  12. Ao pronunciar os arguidos pelo crime continuado de abuso de confiança qualificado, o Mmº Juiz de Instrução Criminal a quo violou, por deficiente interpretação, o preceituado nos artigos 30º, nº2, 205º, nsº1 e 4, alínea b), 202º, alínea b), do Código Penal, 307º, nº1 e 308º, nº1, do Código de Processo Penal.

    Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho que pronunciou os arguidos, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança qualificado e, em consequência, se determine o arquivamento destes autos.

    Igualmente inconformados com o teor da decisão instrutória, os arguidos A. M. e L. L. interpuseram recurso da mesma, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões:

    1. Os Arguidos vieram pronunciados pela prática, em co-autoria e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artigos 30.º, nº 2 e 205.º, nºs 1 e 4, alínea b), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, com o que não se conformam, por consubstanciar decisão proferida em violação da Lei e de Princípios Fundamentais constitucionalmente consagrados.

    2. Na verdade, a decisão do Tribunal a quo padece de vício de raciocínio lógico e de valoração correcta dos elementos objectivos dos autos, mormente da prova indiciária recolhida em sede de inquérito e em sede de instrução, discordando-se da decisão quanto à suficiência dos indícios para pronunciar os Arguidos.

    3. Impõe o disposto no artigo 308.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, devidamente conjugado com o artigo 283.º, nº 2, do mesmo diploma, que para ser proferida decisão instrutória de pronúncia terão que ter sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança D) Indícios suficientes que, de acordo com a interpretação da Jurisprudência maioritária, com recurso à teoria interpretativa denominada Teoria da Probabilidade Dominante, existirão quando, em julgamento, seja maior a probabilidade de condenação do que de absolvição, não sendo, porém, de olvidar que a Jurisprudência recente tem enveredado pela aplicação da Teoria da Probabilidade Qualificada, segundo a qual se exige uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.

    4. Ora, no caso dos presentes autos, em face da prova indiciária recolhida, a decisão que se impunha era a de ter por não indiciada a matéria de facto descrita no requerimento de abertura de instrução, levada à decisão recorrida. Porquanto: F) Da prova recolhida não resulta que indiciado que a A herança aberta por óbito do referido A. J. mantém-se indivisa até hoje (ponto 2., da parte da Decisão, do Despacho de Pronúncia), e muito menos que: Da herança, entre o mais, faz parte a conta bancária sediada no Banco ..., actualmente Banco ..., com o IBAN ...7. (ponto 3., da parte da Decisão, do Despacho de Pronúncia).

    5. Ora, para se considerar que a conta pertence à referida herança teria a mesma que estar titulada por esta, com indicação da respectiva identificação fiscal, o que não se verifica.

    6. O que se extrai dos elementos de prova recolhidos, mais concretamente da ficha de assinaturas da conta bancária em causa, de fls. 16, dos autos, datado de 30/08/2010, é que esta conta é titulada pelos Assistentes e pela Arguida A. M., estando ali aposto, na parte respeitante às Condições de Movimentação, que se trata de uma conta solidária.

    7. Conta bancária que, como resulta igualmente do documento bancário de fls. 16, dos autos, foi aberta em 30/08/2010, e assim, quase dez anos após o óbito de A. J., ocorrido, como resulta dos autos, em 01/10/2000.

    8. Natureza de conta solidária que foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas C. C., a fls. 196 A. A., a fls. 195, e em sede de declarações por este prestadas em sede de diligência instrutória de (re)inquirição de testemunha, realizada no dia 06/11/2018, gravadas em sistema integrado de gravação digital na aplicação em uso no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães, Juiz 2, com inicio às 14h58m e termo às 15h19m J. P., a fls. 69, dos autos e J. M., a fls. 204.

    9. Portanto, não resulta dos autos que a conta bancária em causa pertença à herança de A. J. e nem mesmo que o saldo existente na mesma seja proveniente daquela herança.

    10. Compulsada a prova dos autos, constata-se que não existe qualquer elemento que indicie que os montantes constantes da conta em apreço nos autos dizem respeito ao dinheiro que inicialmente se encontrava depositado em contas junto dos Bancos BANCO... e BANCO..., tituladas pelo...

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