Acórdão nº 495/17.3GAMTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução25 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 495/17.3GAMTR, que correu termos pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Montalegre, da Procuradoria da República da Comarca de Vila Real, no momento processual a que alude o Artº 276º do C.P.Penal (1), deduziu acusação contra o arguido A. G., para julgamento, e perante tribunal singular, nos seguintes termos (2) (transcrição (3)): “O Ministério Público, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, acusa: A. G., nascido a ..-..-1944, .., Montalegre, filho de … e de …, casado, com o cartão do cidadão nº … e com morada na Rua …, Montalegre (TIR a fls. 34 e 35); Porquanto, 1. No dia 25.10.2017, pelas 18h00, a ofendida F. M. seguia, com o seu gado, na Estrada Camarária nº …, em …, Montalegre, quando o arguido A. G. ali imobilizou o seu veículo automóvel da marca Opel, Astra com a matrícula ..., e dirigiu palavras à ofendida, 2. Acto contínuo, o arguido abeirou-se da ofendida, agarrou-a pelos colarinhos da roupa que envergava e atirou-a ao chão, 3. Logo de seguida e assim que a ofendida se ergue, o arguido agarrou novamente a ofendida pela sua roupa e projectou-a na direcção de uma ribanceira, com cerca de um metro de altura em relação à estrada, fazendo cair na mesma, em cima do mato ali existente.

  1. Por força da conduta do arguido, a ofendida F. M. sofreu, directa e necessariamente, dores e lesões nas zonas afectadas.

  2. O arguido A. G. agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo da ofendida, apesar de bem saber que sua conduta era proibida e criminalmente punida.

    Praticou o arguido, A. G., na forma consumada e como autor material: - um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no art. 143º, nº 1, 14º e 26º, todos do C.P.

    *PROVA A dos autos, entre a qual: I – Testemunhal: Apresenta-se rol de testemunhas, em conformidade com o disposto no artigo 283.º, n.º 7 do C.P.P.: 1. F. M., fls. 12; 2. M. S., fls. 14 (…)”.

    *2.

    Notificado daquele despacho de acusação, e inconformado com o mesmo, veio o arguido requerer abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 51/52, que ora se transcrevem: “A. G., casado, arguido nos autos acima referenciados, notificado da acusação contra si deduzida pelo MP e com ela não se conformando, vem, com base no disposto no artigo 287º e seguintes do C. P. Penal, REQUERER INSTRUÇÃO, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1. No dia e hora referidos na acusação, o arguido teve que imobilizar o seu veículo, já que o gado bovino pertencente à queixosa - cerca de duas dezenas de cabeças - atravessava a estrada lentamente e sem qualquer guarda.

  3. O arguido não saiu do seu veículo e aguardou cerca de 4 a 5 minutos.

  4. Enquanto esteve parado, não viu pessoa alguma na estrada ou nas redondezas.

  5. Quando finalmente voltou a retomar a sua marcha, reparou que, do lado direito da estrada atento o sentido em que seguia, e a cerca de 20 a 25 metros da berma, vinha uma mulher vestida de preto e com um cajado.

  6. Presumiu que era quem "tocava" o gado e, por isso, perguntou-lhe, em voz alta e sem sair do veículo, se ela não sabia ocupar-se dos animais.

  7. Entre o local da estrada onde se encontrava o veículo do arguido e o sítio onde vinha a referida mulher de preto não existe qualquer desnível, muito menos uma ribanceira, sendo o terreno totalmente plano.

  8. Tudo isto foi presenciado por A. M., que seguia ao volante de outro veículo, atrás do conduzido pelo arguido e que foi obrigada a esperar, também, pela passagem do gado da queixosa para seguir a sua marcha.

  9. Esta testemunha não foi indicada pelo arguido, aquando do seu interrogatório na GNR, porque este desconhecia a sua morada, pretendendo indicá-la posteriormente.

  10. Não teve tempo, já que, entretanto, foi surpreendido com o rapidíssimo Despacho de Acusação e Arquivamento do MP.

  11. As declarações da queixosa são perfeitamente fantasiosas e não estão minimamente confirmadas nos autos.

  12. O depoimento da filha da queixosa nada adianta.

  13. O arguido e a queixosa não mantinham qualquer animosidade e o caso a que se refere a filha da queixosa, na parte final do seu depoimento, ocorrido há cerca de vinte anos, foi resolvido, de forma amigável, pela companhia de seguros.

  14. O Inquérito, mesmo sem ter sido ouvida a testemunha supra identificada, não contém factos suficientes para suportarem uma acusação, contra o arguido, pelo crime de ofensas corporais simples, p.e p. pelo art. 143°, nº 1, do C. Penal.

    Nestes termos e com o douto suprimento, requer: 1. A audição, como testemunha presencial, de A. M., casada, residente na rua das … (…); 2. Em consequência, seja proferido despacho de não-pronúncia do requerente, quanto ao crime de que vem acusado (…).

    *3.

    Distribuídos os autos como “instrução”, no dia 27/06/2918 a Mmª JIC proferiu o despacho liminar que consta de fls. 56/60, com o seguinte teor (transcrição): “Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução - artigo 287º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

    O tribunal é competente.

    O requerimento é tempestivo - artigo 113º do CPP.

    Os requerentes têm legitimidade - artigo 287º, n.º 1, al. a), do CPP.

    Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.

    Findo o Inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação, imputando ao arguido a prática de crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143.º do Código Penal.

    O arguido, não se conformando, requereu instrução, com o fundamento de que não praticou os factos que lhe são imputados.

    *Apreciemos.

    Consigna-se, desde já, que o presente despacho tem por base, em grande parte, os fundamentos expostos pelo Exmo Dr. Pedro Daniel Dos Anjos Frias, in Revista Julgar nº 19 (Jan - abril de 2013) sob o artigo “Um olhar destapado sobre o conceito de inadmissibilidade legal da instrução”.

    A instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (art. 286.°, nº 1 do Código de Processo Penal).

    A fase de instrução permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público durante a fase do inquérito possa ser controlada através de uma comprovação, por via judicial, traduzindo-se essa possibilidade na consagração, no nosso sistema, da estrutura acusatória do processo penal, a qual encontra assento legal no artigo 32.°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

    Por isso, a actividade processual desenvolvida na instrução é materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações- Acórdão da Rel. de Lisboa de 12.07.1995, CJ XX-IV-140, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 128.

    A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artº 286°, nº 1, do Código de Processo Penal).

    Posto isto, qual é o significado da expressão comunicacional comprovar? Comprovar significa concorrer para provar corroborar confirmar demonstrar vir corroborar (Vd: Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5 edição, pág. 346: Novo dicionário Lello da Língua Portuguesa, Porto, Lello Editores 1996, pág. 449: Grande Dicionário da Língua Portuguesa - Cândido de Figueiredo, Lisboa Bertrand Editora, 25. Edição pág. 666) De forma apodíctica: trata-se de verificar se se corrobora ser a acusação uma decorrência dos factos apurados e dos meios de prova recolhidos rio inquérito (pressupostos de facto) e se a mesma se incrusta validamente no ordenamento jurídico processual penal (pressupostos de direito).

    Desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal, seja, desde 1987, se diz abundantemente que a instrução, coma fase facultativa de um determinado processo penal em curso, é um puro instrumento de controlo (A expressão é, por último, utilizada por Nuno Brandão, A Nova Face da Instrução, in RPcc, Ano 18, n. 2 e 3, Abril-Setembro 2008).

    Daí que a actividade de comprovação globalmente considerada, em que afinal se traduz a ideia de controla jurisdicional a realizar sobre a decisão do Ministério Pública, não se possa transformar em outra realidade materialmente diversa.

    Assim, a comprovação só pode realizar-se sob o horizonte do conjunto de razões de facto e de direito de discordância em relação à decisão do Ministério Público, vertidas no requerimento de abertura de instrução apresentado e a sua finalidade é a realização de um juízo sobre se se verificam os pressupostos legais para a submissão, ou não, da causa, ou uma sua parte, a julgamento, vd. os artigos 286°, n° 1, 287°, n°5 1, aI. b), e 2, 288°, n° 4, e 308°, n° 1, todos do CPP.

    Dos dois pontos anteriores podemos extrair as seguintes proposições preliminares conclusivas: Primeira: A instrução tem por fim apenas a comprovação judicial da decisão de acusar. Segue-se daqui que a instrução não pode servir para outra finalidade que não esta, a que a lei lhe determina. Designadamente, não pode ser utilizada para repetir o que na investigação já se efectuou, para a realizar de novo, ou para ensaiar a defesa antecipando o julgamento, etc. Nenhuma destas realidades respeita o valor semântico do enunciado escolhido pelo legislador e, por sobre tudo, a realidade teleológica que lhe subjaz: comprovar (em face do que já existe).

    Segunda: Na instrução a única actividade a desenvolver é a da comprovação judicial e esta tem por objecta, desde logo, o inquérito lato sensu.

    Terceira: A comprovação judicial carece de ser despoletada, o que acontece mediante a apresentação do requerimento, onde têm que constar os fundamentos necessários a servir de apoio ou arrimo a essa actividade (as razões de facto e de direito de discordância em relação à decisão do...

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