Acórdão nº 89/13.2TAVRM-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção de juiz singular que, com o NUIPC 889/13.2TAVRM, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Verde, de que os presentes autos constituem apenso, por despacho de 16-04-2018, a Exma. Juíza decidiu, ao abrigo do disposto no art. 56º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, Manuel, e, consequentemente, determinar que o mesmo cumpra a pena de oito meses de prisão a que foi condenado no âmbito desses autos.

  1. Inconformado, o condenado interpôs o presente recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição [1]): «CONCLUSÕES: 1ª- O douto Despacho recorrido não cumpriu o dever de audição presencial do Arguido antes de proferir a Decisão recorrida que, ao declarar revogada a suspensão, determina o cumprimento da pena de prisão fixada na Sentença condenatória; 2ª- Essa audição prevista no Art. 495º do Código de Processo Penal deve ser pessoal e presencial (cfr.: texto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência Nº 6/2010, in DR, Nº 99, Série I de 21.05.2010, e Ac. Rel Lisboa de 30.06.2010 (in: Col. Jur., Ano 2010, Tomo III, p. 140); 3ª- Não se esgotaram sequer as possibilidades de conseguir proceder a essa audição presencial do Arguido/condenado.

    4ª- O douto Despacho recorrido enferma de uma nulidade insanável, pois trata-se de um caso em que “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exige a respetiva comparência” (Cfr.: Art. 119º, alínea c) do C.P.Penal) - devendo tal nulidade - insanável - ser oficiosamente declarada “em qualquer fase do procedimento”; 5ª- Nos termos prescritos no artigo 122º - nº 1 do Código de Processo Penal, torna também insanavelmente nulo o douto Despacho recorrido, proferido ao abrigo do Art. 495º - nº 2 do Código de Processo Penal, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao condenado/Recorrente sem que tenha havido audição presencial prévia daquele; 6ª- O douto Despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena imposta ao Arguido sem se ter procedido – ou sequer esgotado as possibilidades de proceder - previamente à audição presencial do ora Recorrente/Arguido é pois insanavelmente nulo; 7ª- A Lei – artigo 495º- nº 2 do Código de Processo Penal – exige a audição presencial do Arguido precisamente porque está em causa uma Decisão que afeta particularmente a sua posição, o que exige que lhe seja plenamente assegurado o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, maxime os seus direitos de audiência e ao contraditório plasmados no artigo 32º - nº 5 da Constituição.

    8ª- A norma contida conjugadamente no Artigo 495º - nº 2 do Código de Processo Penal e no Artigo 56º - nº 2 do Código Penal de que se fez aplicação, na interpretação acolhida na Decisão recorrida de que é possível proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem a prévia audição pessoal e presencial do Arguido/condenado é inconstitucional – por estar em causa uma Decisão que afeta particularmente a sua posição, o que exige que lhe sejam plenamente assegurados não só as mais amplas garantias de defesa, como o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, maxime os seus direitos de audiência e ao contraditório plasmados no artigo 32º - nº 5 da Constituição.

    Foram violados, entre outros, os Artigos 56º - nº 2 C. Penal; 119º, alínea c), 122º - nº 1 e 495º - nº 2 do C.P.Penal e Art. 32º - n º5 da Constituição.

    Termos em que, na procedência do recurso, deverá julgar-se verificada a nulidade insanável, decorrente da falta de audição pessoal/presencial do Arguido/Recorrente, conhecendo-se ainda da questão de (in)constitucionalidade suscitada, sendo o douto Despacho recorrido revogado/alterado, na parte relevante, tudo de harmonia com as Conclusões motivatórias, com as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos.» 3.

    A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, defendendo que lhe deverá ser negado provimento, mantendo-se a decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição): «1) O tribunal a quo não preteriu quaisquer formalidades essenciais, uma vez que foram designadas quatro datas para a audição presencial do arguido, foram emitidos mandados de detenção contra o mesmo de forma a garantir a sua comparência, tendo sido ainda notificado por duas vezes para, querendo, se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, bem como na pessoa do seu Ilustre defensor, cumprindo-se assim o princípio do contraditório e salvaguardando-se desta forma as garantias de defesa do arguido, pelo que não foi cometida qualquer nulidade ou sequer irregularidade com a prolação do despacho recorrido.

    2) Pelas mesmas razões, ou seja, considerando-se que foi cumprindo o princípio do contraditório e foram salvaguardadas as garantias de defesa do arguido, entende-se que o artigo 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que é possível proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem a prévia audição pessoal e presencial do arguido não enferma de qualquer inconstitucionalidade.

    3) A decisão recorrida afigura-se legal e adequada, não merecendo qualquer censura.» 4.

    Ao abrigo do disposto no art. 414º, n.º 4, do Código de Processo Penal, Mmª. Juíza a quo sustentou o despacho recorrido, alegando que o mesmo se encontra suficientemente fundamentado e que foram efetuadas todas as diligências que estavam ao alcance do tribunal para proceder ao interrogatório judicial do arguido que faltou, sem justificação, às diligências agendadas, razão pela qual também afasta a existência de qualquer inconstitucionalidade na interpretação do art. 495º do Código de Processo Penal ou violação das garantias de defesa do arguido.

  2. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por concordar inteiramente com a posição defendida pelo Ministério Público na instância recorrida, porquanto «(…) verifica-se que o tribunal tudo fez para que, antes de proferir o despacho de revogação da suspensão da pena e ordenar o cumprimento de prisão, o arguido fosse ouvido e fizesse uso do direito ao contraditório que lhe assiste (…). O tribunal não só fez todas as diligências legalmente permitidas para saber o paradeiro e para notificar o arguido, designadamente solicitando informações às polícias, tendo-o mesmo notificado, pelo menos, por duas vezes, para a data designada para ser ouvido sob a possibilidade de a suspensão da pena ser revogada, como procedeu à notificação do seu advogado de todas as diligências marcadas, designadamente do despacho do Ministério Público a promover a revogação da suspensão da pena e das diligências marcadas para a audição do arguido. Este nunca se dignou comparecer e o seu defensor também nada disse.».

  3. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer.

  4. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de acordo com o art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, no caso vertente, a única questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se foi preterido o direito à audição presencial previsto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade do despacho recorrido nos termos do art. 119º, al. c), do mesmo código.

  5. É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição): 3. «Retifique o auto de folhas 322, passando do mesmo a constar a referência a auto de interrogatório de arguido nos termos do artigo 495.° n.° 2 do Código de Processo Penal.

    *Por sentença transitada em julgado a 1/10/2015 foi o arguido Manuel condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob condição de o arguido pagar à ofendida V. B. a quantia de 1000 € (mil euros) no prazo de um ano, a comprovar nos autos no mesmo prazo (cf. fls. 186).

    Até ao momento, o condenado não comprovou o pagamento da quantia de 1000 € ofendida V. B.

    .

    Da informação prestada pelo Banco de Portugal a fls. 295 resulta que o condenado possui duas contas bancárias, uma no Banco …, S.A. e outra na Caixa …, S.A.

    Da informação prestada pela Caixa …, S.A. a fls. 301 resulta, por sua vez, que o condenado é titular da conta n.° …, a qual foi aberta a 1/2/2012, registando um período de inatividade entre 28/6/2013 e 13/9/2016. Do extrato bancário junto a fls. 302 e 303 resulta ainda que foram depositados rendimentos do trabalho em 15/11/2016, 15/12/2016, 16/1/2017, 27/1/2017, 15/3/2017, 16/3/2017, 29/3/2017, 7/4/2017, 13/4/2017, 25/4/2017 e 5/10/2017 em valores suficientes para que o condenado procedesse ao pagamento da quantia de 1000 € fixada como condição da suspensão da execução da pena de prisão (cf. ainda, a este respeito, a informação obtida através da base de dados da segurança social de fl. 307).

    Resulta ainda das informações de fls. 355 e 358 que o condenado auferiu novamente rendimentos do trabalho entre setembro de 2017 e novembro de 2017 e, por outro lado, que pelo menos em novembro de 2017, se encontrava a trabalhar em Espanha, segundo informação prestada pela sua esposa (cf. 115, 338).

    Apesar das diversas tentativas encetadas pelo Tribunal, não se conseguiu proceder à audição presencial do arguido, tendo este...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT