Acórdão nº 340/18.2T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. M. e M. J. instauraram - em 16-07-2018 -, ação declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo comum contra L. R. e C. L., todos devidamente identificados nos autos, pedindo: a) se declare impugnado, para todos os legais efeitos, o facto justificado na escritura outorgada no dia 6 de junho de 2018 no Cartório Notarial de ... a cargo da Notária S. C., que se encontra exarada no respectivo livro de escrituras diversas com o n.º …, a folhas 67, indicada no art.º 1.º da petição inicial, referente à invocada aquisição por usucapião do prédio urbano situado na Rua …, no lugar de …, na freguesia de … concelho de ..., que é composto por casa destinada a habitação de 2 pisos, com a área de superfície coberta de 65 metros quadrados e descoberta de 6 metros quadrados, que confronta de norte com M. L., de sul e de poente com F. R. e de nascente com caminho público, inscrito na respectiva matriz em nome do réu sob o art.º 897.º, com o valor patrimonial de € 7.790, não estando porém descrito na competente Conservatória do Registo Predial, mencionado no art.º 2.º da petição inicial; b) se declare nula e de nenhum efeito a dita escritura de justificação, de modo a evitar que os réus, através deste instrumento, registem quaisquer direitos sobre o indicado prédio urbano; c) se declare que não assiste aos réus o direito invocado na dita escritura; d) se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base na escritura aqui impugnada.

Alegam, para o efeito, que, na escritura de justificação impugnada os réus terão declarado que são donos e legítimos possuidores do prédio ali referenciado, e que tal prédio adveio à sua posse por doação verbal feita por volta do ano de 1996 pelos pais do réu, já falecidos, mais declarando que a referida doação não chegou a ser reduzida a escrito e que, desde então, os réus se vêm comportando como se fossem titulares do direito de propriedade plena sobre o referido prédio urbano, sem qualquer oposição e com o conhecimento de todos, assim o tendo adquirido por usucapião; as declarações prestadas pelos réus na referida escritura de justificação são falsas, porquanto o prédio a que se reporta nunca foi doado aos réus pelos indicados I. R. e L. C., que são pais do autor e do réu, nem nunca tal prédio foi pelos réus possuído nos moldes por eles declarados na referida escritura, a que acresce o facto de tal prédio nem sequer ter a autonomia que os réus lhe atribuem, porquanto o mesmo corresponde a algumas divisões e de uma ínfima parte de área do logradouro do prédio prédio urbano situado na Rua …, no referido lugar de …, em cuja matriz se encontra inscrito sob o art.º … em nome atualmente da Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por Óbito de L. C., estando todavia omisso à descrição, correndo precisamente termos no mesmo Cartório Notarial o Inventário n.º …/17 para partilha dos bens que integram os acervos hereditários dos pais do autor e do réu, sendo, que de tais acervos hereditários faz parte aquele prédio urbano inscrito sob o art.º ...º, em cuja composição se encontram precisamente integradas as divisões e a parte do logradouro que os réus pretenderam autonomizar com a criação deste prédio urbano a que foi atribuído o art.º 897.º, objecto da escritura de justificação em mérito.

Os réus foram citados para contestar, em 30 dias, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelos autores.

Em 12-12-2018 os réus L. R. e C. L. apresentaram articulado de contestação com reconvenção, subscrito pelo Ilustre Patrono Oficioso, Sr. Dr. Dr. J. S..

Por despacho proferido a 23-01-2019 a Mma Juiz a quo considerou extemporânea a contestação apresentada pelos réus, dando por não escrito tal articulado de contestação e a ação tida por não contestada, nos seguintes termos: «Os Réus L. R. e C. L. foram citados para os termos da presente ação, como resulta dos autos e os mesmos confessam no requerimento por si apresentado, em 25.7.18.

O prazo de 30 dias para apresentação de contestação, acrescido da dilação de 5 dias aplicável por não terem assinado eles próprios o aviso de receção, iniciou-se, assim, no primeiro dia após as férias judiciais, 1.9.18, e terminaria, sem suspensões ou interrupções, a 8.10.18, tudo nos termos dos arts. 569º, 137º e 138º, 228, 230º e 233º, todos do CPC.

Em 18.10.18 requereram os Réus junto da S.S. apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o que lhes veio a ser concedido e informado nos autos pela O.A. em 9.11.18, tudo conforme decorre dos ofícios juntos aos autos.

Em 12.12.18 apresentaram os Réus contestação, subscrita pelo Ilustre Patrono nomeado.

Vieram os Autores pugnar pela extemporaneidade do articulado e respetivo desentranhamento, ao que os Réus se opuseram, alegando, em suma, que requereram, durante o prazo de apresentação de contestação, apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, desconhecendo que só o pedido de nomeação de patrono interromperia o prazo em curso e que deviam comprovar tal pedido nos autos, o que viriam a solicitar e comprovar posteriormente.

Resulta claro, da letra e do espírito da lei, que só o pedido de nomeação de patrono – e respetiva comprovação nos autos – é suscetível de interromper o prazo para a prática de ato que se mostre em curso, nomeadamente o prazo para apresentação de contestação, assim se garantindo que a parte se mostrará suficientemente assistida, nesse ato, pelo patrono que lhe for nomeado.

A formulação de requerimento de apoio judiciário de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – e respetiva comprovação nos autos – não tem a virtualidade de interromper o decurso de qualquer prazo para a prática de ato que então se encontre a decorrer, não tendo qualquer respaldo na letra ou espírito da lei entendimento diverso deste.

Vigora, em processo civil, o princípio do dispositivo e consequente autorresponsabilização das partes.

No processo civil, como no direito em geral, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.

Acresce que das citações efetuadas resulta expressa a advertência do prazo de contestação e das consequências da sua não apresentação, dos termos da contagem do prazo, das circunstâncias de obrigatoriedade de constituição de advogado e dos termos em que se interromperia o prazo para contestar, em caso de pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social.

Nessa sequência, são inócuas as alegações dos Réus de desconhecimento dos efeitos da não formulação do pedido ou da sua comprovação nos autos, de que agora se querem prevalecer.

Em face de tudo quanto ficou dito, concluímos que se mostrava completamente exaurido o prazo para contestar quando foi requerido na Segurança Social e depois comprovado nos autos o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

Neste sentido, cfr. Ac. TRP 9.2.12, Proc. 5406/10.4 TBMAI e Ac. TC nº 98/2004, de 11.2.2004, in DR – II Série, nº 78, de 1.4.04 (a propósito da norma do artº 25º, nº 4, da Lei nº 30-E/2000, de 20/12, revogada pela Lei 34/2004, mas de teor idêntico ao do art. 24º, aqui em análise: “não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa… Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica”).

Assim, considero extemporânea a contestação apresentada e, sendo o prazo para dedução da mesma de natureza perentória, precludido o direito dos Réus à sua apresentação, pelo que a junção de comprovativo de pedido de apoio judiciário ou o requerimento de prorrogação do prazo para contestar são inócuos e insuscetíveis de interromper ou suspender o prazo para a prática de tal, que já havia decorrido na íntegra.

Por tudo quanto ficou dito, deve tal articulado de contestação ter-se por não escrito e a ação, para todos os devidos e legais efeitos, tida como não contestada, o que se decide.

Notifique».

Inconformados, os réus vieram interpor recurso da decisão, pugnando no sentido de ser revogada a decisão e, em consequência, admitida a contestação/reconvenção apresentada pelos réus.

Terminam as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1º- Entendeu o Tribunal “a quo” que o articulado a contestação apresentada pelos réus, ora apelantes tem-se “por não escrito e a ação, para todos os devidos e legais efeitos, tida como não contestada, o que se decide”.

  1. - O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, Cfr. Artigos 639º e 640º do CPC.

  2. - Os réus foram citados para contestarem a presente ação em 25/07/2018, tendo, em conformidade, procedido ao pedido de proteção jurídica, a fim de apresentarem a competente contestação.

  3. - O requerimento de proteção jurídica foi apresentado de imediato, no dia 06/08/2018, tendo, por mero lapso, de que os ora apelantes se penitenciam, apenas sido requerido apoio jurídico na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sendo que também pretendiam a nomeação e pagamento da compensação de patrono, que, por engano, não assinalaram com cruz.

  4. - Tal forma de preenchimento do impresso do requerimento de proteção jurídica é falível, pois, uma mera falta de cruz ou a mal colocação da cruz no sítio errado, promove uma errada transmissão daquela que é a vontade dos beneficiários.

  5. - Os ora recorrentes desconheciam a obrigatoriedade de juntar o referido requerimento de proteção jurídica no processo em causa, o que não lhes foi transmitido pelos serviços da Segurança Social, não podendo, no presente caso e com a graves consequência que tal...

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