Acórdão nº 1900/20.7T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

RECORRENTE: X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA.

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos, Juiz 2 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Relatório No âmbito da decisão administrativa proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho em 27/04/2020, foi aplicada à Recorrente X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA., a coima de 27 (vinte e sete) unidades de conta pela prática da contra ordenação prevista no art.º 36.º do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 e tipificada de muito grave no termos previstos no art.º 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.

A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Juízo do Trabalho de Barcelos, pugnando pela procedência do recurso, com as demais consequências.

Recebido o recurso e realizado o julgamento foi proferida decisão que terminou com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e face ao exposto, julgo totalmente improcedente o presente recurso de impugnação judicial interposto pela arguida Xgás Combustíveis, Lda. e mantenho na íntegra a decisão proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho em 27/04/2020.

*Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça no valor equivalente a 3 UC’s - art.º 59.º do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e art.º 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.

Comunique à Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho - art.º 70.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.” A arguida X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA inconformada com esta decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho, recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação da decisão com a sua substituição por outra que a absolva da infracção que lhe é imputada pela autoridade administrativa, motivando o seu recurso com as seguintes conclusões: “I - O tribunal “a quo” não apreciou corretamente os factos dados como provados, e, por consequência, errou na subsunção e enquadramento jurídico dos mesmos, causando a prolação de decisão atentatória das elementares regras do direito e da justiça.

II - O trabalhador A. G., testemunha, declarou, que em 15 e 22 de maio, os dias em que não apresentou registo do tempo de condução, prestou serviço em outro veículo da recorrente, não tendo introduzido o seu cartão por lapso nesse mesmo veículo.

III - Tais declarações contradizem dos factos constantes da alínea D) dos factos dados como provados, distorcendo a verdade dos mesmos, imputando-lhe uma outra carga, bem diferente da intenção da prestação da testemunha.

IV - Sendo a actividade comercial da arguida a distribuição de combustíveis, vulgo garrafas de gás, é normal que, em alguns dias no período de um mês, que algum dos trabalhadores possa auxiliar outro, quer na condução quer na carga e descarga das mercadorias.

V - Pelo que, se tal facto aconteceu, então nos dias 15 e 22 de maio, o serviço de condução e distribuição foi prestado por duas pessoas habilitadas para o exercício da condução.

VI - Se daí resultou um lapso por parte de um dos condutores de não introdução do seu cartão no aparelho apropriado a registar os seus tempos de trabalho é uma outra situação que deve ser analisada sob outra vertente legislativa que não a dos presentes autos.

VII - É usual que a actividade de carga e descarga e condução, quando praticada em conjunto, tanto pode exigir a condução do veículo quer por um quer pelo outro condutor presente, sem distinção.

VIII - Ao considerar verosímeis as declarações prestadas por ambos os condutores, de que nos dias 15 e 22 de maio, ambos realizaram trabalho conjunto e tendo ambos a categoria de motorista deverá a factualidade assim determinada ser objecto de decisão diametralmente oposta à prolatada.

IX - O Decreto-Lei n.º 237/07 de 18 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, dispõe que trabalhador móvel, para efeitos do diploma, é o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.

X - Pelo que, com este entendimento, todos os trabalhadores que prestam o seu serviço, para tais entidades, afetos à atividade transportadora, são pessoal viajante.

XI - O direito contraordenacional apresenta autonomia em relação do direito penal. A contraordenação apresenta caraterísticas qualitativamente diferentes do crime, desde logo pelos valores que um regime e outro defendem, no caso do ilícito criminal valores, fundamentais da sociedade, diferença que tem tradução das respetivas reações. São diversas quer a censura ético-jurídica quer a natureza dos bens protegidos.

XII - Um dos princípios aplicáveis é o da presunção de inocência. Tal princípio, embora com contornos próprios, é aplicável em sede contraordenacional. Este princípio repercute-se em matéria de ónus de prova, competindo à acusação a demonstração os elementos do ilícito contraordenacional.

XIII - O princípio, com consagração constitucional, artº 3º, 2º da CRP, aplicável às pessoas coletivas, artigo 2º, 2 da CRP, é diretamente aplicável, conforme artigo 18º do diploma fundamental.

XIV - Não vêm demonstrados os elementos do ilícito imputado, sendo que, nos dias em que não foram apresentados os registos de actividade por parte do condutor este justificou tal falta com a prestação de auxílio na condução e carga e descarga a outro trabalhador e noutro veículo da empresa recorrente.

XV - O conceito de “condutor” constante do artigo 4º, do regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, “qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir.” XVI - O raciocínio levado á fundamentação da decisão de facto, não tem correspondência com a realidade, não traduz o que efetivamente se passou e que foi mencionado cabalmente pelas testemunhas arroladas em sede administrativa.

Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, julgando em conformidade com as supra referidas conclusões, e concedendo provimento ao presente recurso, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!” Por despacho de 15-12-2020, foi o recurso admitido na 1.ª instância.

O Ministério Público apresentou contra alegação, pugnando pela manutenção da...

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