Acórdão nº 976/19.4T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução22 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

Nos autos de instrução nº 976/19.4T9BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz 1, em que é assistente T. M.

e arguida J. P.

, ambas com os demais sinais nos autos, por despacho de 01.06.2021, foi decidido (transcrição): “Em processo comum com intervenção do tribunal singular pronuncio para julgamento J. P., pelas razões de facto e direito enunciadas na acusação, cfr. art. 307º 1 do Código de Processo Penal.

  1. Não se conformando com a mencionada decisão instrutória, dela interpôs recurso a assistente, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1.ª Vem o presente recurso interposto pela assistente T. M. da decisão datada de 01.06.2021 que decidiu não pronunciar a arguida J. P. para Julgamento com intervenção do Tribunal Coletivo, conforme requerido pela Assistente, bem como decidiu não pronunciar a arguida pelo crime de branqueamento de capitais, também requerido pela Assistente requerimento de abertura de instrução.

    1. A recorrente entende que, sendo a pena máxima abstratamente aplicável superior a 8 anos de prisão e podendo requerer o Tribunal de Júri nos termos do artigo 13° do C.P.P., por maioria de razão e nos termos da lei, também pode requerer a intervenção do Tribunal Coletivo uma vez que a pena máxima abstratamente aplicável ultrapassa os 5 anos de prisão a que faz referência o artigo 14° n.º 2 alínea b) do C.P.P.

    2. É da maior e mais elementar justiça a reapreciação da questão de Direito aplicada no caso e, consequentemente, se declare que a interpretação tida na decisão de 01.06.2021 é ilegal e inconstitucional, uma vez que o facto de o Ministério Público ter requerido a intervenção do Tribunal Singular, tendo os autos assistente constituído, o assistente tem poderes legais, nos termos do artigo 69° n.°s 1 e 2 alínea b) do C.P.P. para discordar do Ministério Público nessa concreta parte e tem o poder legal de requerer a intervenção do Tribunal Coletivo, contando que os crimes constantes da acusação se enquadrem no tipificado do artigo 14° n.° 2 Alínea b) do Código Processo Penal.

    3. A recorrente entende que não foi feita uma correta aplicação e interpretação da lei, bem como da jurisprudência invocada na decisão de 01.06.2021, uma vez que a jurisprudência citada do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.10.2008 limita os poderes do juiz de julgamento, mas não limita os poderes da assistente na fase de instrução, que é o momento próprio da assistente apresentar a sua concordância ou discordância quanto ao despacho final proferido pelo Ministério Público, seja em parte ou no seu todo, pedindo a sua comprovação judicial, até porque a lei confere o direito especial ao assistente de deduzir acusação independente da do Ministério Público, conforme artigo 69° n.°s 1 e 2 do C.P.P.

    4. Tratando-se a instrução de uma fase de comprovação judicial da decisão do M.P., no requerimento de abertura de instrução pode o assistente apresentar um pedido de comprovação da decisão do M.P. que entendeu que ao caso em concreto não deveria ser aplicada pena superior a 5 anos.

    5. O artigo 16° n.°s 3 e 4 do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual depois do Ministério Público requerer o julgamento em Tribunal Singular no âmbito de um processo em que a arguida é acusada de dois crimes de burla qualificada, a assistente não pode requerer, na fase do requerimento de abertura de instrução e dedução da acusação por parte do Assistente nos termos do artigo 69° n.°s 1 e 2 alínea b) do C.P.R, o julgamento em Tribunal Coletivo é inconstitucional por violação do artigo 32° n.° 7 da Constituição da República Portuguesa.

      Além disso, 7ª Entende a recorrente que o Tribunal não aplicou nem interpretou correctamente a lei no que diz respeito ao crime de branqueamento de capitais. Na verdade, a conduta da arguida, conforme foi descrita pelo Ministério Público e aditada pela acusação apresentada pela assistente no momento próprio, configuram a prática do crime de branqueamento de capitais.

    6. A introdução do capital obtido por via das burlas qualificadas no circuito financeiro preenchem, por si só, o crime de branqueamento de capitais nos exatos termos apresentados pela assistente.

    7. Discorda-se da afirmação proferida na decisão de 01 .06.2021no sentido de que a conduta da arguida não preenche o crime de branqueamento de capitais, motivo pelo qual deve a arguida ser pronunciada pelo referido crime, nos exatos termos imputados pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução, onde descreveu a factualidade integradora desse crime e os seus elementos objetivos e subjetivos, em consonância com a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto.

    8. Foram assim violados e/ou mal interpretados os art.°s 16° n.°s 3 e 4, 69° n.°s 1 e 2 alínea b) todos do Código Processo Penal, artigo 368°-A n.° 3 do Código Penal, art.° 32° n.° 7 da Constituição da República Portuguesa.

      TERMOS EM QUE, E nos melhores de direito que doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a decisão de 01.06.2021 ora recorrida, sendo proferido um acordão superior que deve:

      1. PRONUNCIAR A ARGUIDA PARA JULGAMENTO EM TRIBUNAL COLETIVO, POR TER SIDO REQUERIDO PELA ASSISTENTE E A MOLDURA ABSTRATAMENTE APLICÁVEL AOS DOIS CRIMES DE BURLA QUALIFICADA AGRAVADA ULTRAPASSAREM 0S 5 ANOS DE PRISÃO, SENDO UM DIREITO DA ASSISTENTE, NOS TERMOS DO ARTIGO 69° N.°S 1 E 2 ALÍNEA B) DO C.P.P., DEDUZIR ACUSAÇÃO INDEPENDENTE DA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

      2. OS FACTOS ACUSADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E COMPLETADOS, POR VIA DO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO E ACUSAÇÃO DEDUZIDA PELA ASSISTENTE PERMITEM IMPUTAR À ARGUIDA O CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS, DEVENDO A DECISÃO DE 01.06.2021 SER REVOGADA E CONSEQUENTEMENTE ALTERADA NO SENTIDO DE INCLUIR TAL FACTUALIDADE SUSCITADA PELA ASSISTENTE.

      TUDO EM CONFORMIDADE COM O INVOCADO NAS MOTIVAÇÕES/CONCLUSÕES PRECEDENTES ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA! 3.

      O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):

      1. Da legitimidade que a lei reconhece ao assistente para requerer a intervenção do tribunal do júri não pode retirar-se a conclusão de que o assistente também pode requerer a intervenção do tribunal colectivo; B) Nenhuma razão de analogia intercede entre os dois casos; C) A comprovação judicial que se pretende obter com a fase instrutória cinge-se à questão dos indícios; D) A instrução não é uma espécie de recurso da decisão do Ministério Público de deduzir acusação ou arquivar o procedimento; E) Nem pode ser vista como um recurso de quaisquer outras decisões que o Ministério Público possa ter tomado durante o inquérito, designadamente a de aplicar a faculdade prevista no n.º 3 do art. 16.º do CPP: F) Porém, era precisamente esse o objectivo da assistente, ao trazer essa questão para a instrução; G) Tão pouco se pode retirar do facto de a lei reconhecer ao assistente o direito de formular uma acusação independente da do Ministério Público, que foi também objectivo do legislador permitir ao assistente submeter a causa ao tribunal colectivo, contra o decidido pelo Ministério Público; H) Pois, desde logo, no n.º 1 do art. 69.º do CPP ficou claramente estabelecida a subordinação do assistente à actividade processual do Ministério Público; I) Essa subordinação tem apenas uma excepção, que a própria lei prevê, que é a possibilidade de o assistente deduzir acusação particular, mesmo contra posição expressa do Ministério Público; J) Tão pouco se verificou, no caso, a inconstitucionalidade alegada pela assistente, pois não foi violado nenhum dos direitos de intervenção processual que a lei lhe confere; K) Também não resultam dos autos indícios da prática do crime de branqueamento de capitais que a assistente pretende ver imputado à arguida; L) Desde logo, este crime pressupõe que o agente dissimule ou tente dissimular a origem do capital que ilicitamente obteve, ou foi obtido por terceiros; M) No caso, nem isso consta da acusação pública, nem da “acusação alternativa” deduzida no RAI, a qual se basta com uma mera referência a que a arguida recebeu na sua conta bancária as quantias que recebera da assistente; N) Isso, porém, não configura, por si só, qualquer dissimulação ou tentativa de dissimulação.

      Termos em que deverá o recurso em apreço ser considerado improcedente.

      Este o entendimento que perfilhamos.

      4- A arguida não respondeu ao recurso.

  2. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.

  3. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, 7.

    Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II- FUNDAMENTAÇÃO 1- Objeto do recurso O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

    Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, o objeto do presente recurso centra-se nas questões de saber se: - tendo o M.P. acusado a arguida pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de dois crimes de burla qualificada, para julgamento em tribunal singular, ao abrigo do disposto no arguido 16º, nº 3 do CPP, a assistente poderá requerer o julgamento seja realizado com intervenção de tribunal coletivo; e se - a arguida, para além dos dois crimes de burla qualificada, pelos quais foi acusada pelo M.P., deveria ter sido pronunciada pela perpetração de um crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1, 2 e 3, do CP, na redação em vigor na...

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