Acórdão nº 102/18.7GAVVD-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO FREITAS PINTO
Data da Resolução22 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório Decisão recorrida No âmbito do Processo Sumaríssimo nº 102/18.7GAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Vila Verde, foi proferida no dia 19 de fevereiro de 2021, a seguinte decisão judicial que se transcreve: “Por sentença transitada em julgado foi o arguido J. B. condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), o que perfaz o valor de € 900,00 (novecentos euros).

Compulsados os autos verificamos que o arguido requereu o pagamento da pena de multa em prestações, não tendo, no entanto, liquidado nenhuma prestação, encontrando-se em dívida a totalidade da pena de multa.

Mais se constata que o arguido não possui bens susceptíveis de penhora tornando-se inviável a execução coerciva da pena de multa.

Pelo Digno Magistrado do Ministério foi promovida a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Da referida promoção foi o arguido notificado para, mais uma vez, querendo, justificar as razões justificativas do seu incumprimento, nada tendo dito quanto a essa circunstância, salientando, apenas, que se opunha à conversão da multa em prisão subsidiária.

O arguido não sofreu, à ordem destes autos, quaisquer dias de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, que hajam que ser descontados para efeitos do disposto no artigo 80.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Assim, como bem decorre do disposto no artigo 49.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, não tendo resultado demonstrado que o incumprimento da pena aplicada ao arguido não lhe é imputável, conforme doutamente promovido, impõe-se a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária.

Em consequência, determino que o arguido cumpra prisão subsidiária correspondente a 2/3 do montante da pena de multa, o que, nos termos do artigo 49.º do Código Penal, se fixa em 66 (sessenta e seis) dias de prisão.

Notifique.

Após o trânsito: - Passe os respectivos mandados de detenção do arguido para cumprimento da referida pena de prisão subsidiária, deles fazendo constar, nos termos do artigo 491-º A do Código de Processo Penal, o montante da multa aplicada nos presentes autos, bem como que a cada dia ou fracção de detenção cumpridos pelo mesmo equivalem à quantia de € 13,50 (treze euros e cinquenta cêntimos), com excepção do último dia ou fracção de detenção cumprido que equivale à quantia de € 22,50 (vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), ainda, a advertência de que o arguido pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado (artigo 49.º, n.º 2 do Código Penal); - Comunique ao registo criminal”.

*Recurso apresentado Inconformado com tal decisão, o arguido J. B. veio interpor o presente recurso pretendendo que seja revogada a decisão recorrida que converteu a pena de multa em prisão subsidiária e em consequência decretar-se a notificação do arguido para esclarecer as razões de tal incumprimento, ou, caso assim não se decida, decretar-se a suspensão da execução da prisão subsidiária, ou declarar-se a nulidade do despacho de que se recorre por violação das garantias de defesa do arguido, em particular o direito ao contraditório (art.32, n°s 1 e 5, da CRP), cuja preterição constitui nulidade insanável (art.119, al.c, CPP) e ainda, declarar-se a inconstitucionalidade do douto despacho na interpretação dada pelo mesmo, do artº 61º nº 1 a) e b) do C.P.P. por se entender ser desnecessária a notificação para audição do arguido para vir esclarecer as razões do não cumprimento do pagamento da multa, por violação do artº 32º nº 1 e 5 da C.R.P.

Apresenta para tanto as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1.

Em 22 de fevereiro de 2021 o douto tribunal a quo decidiu converter a pena de multa de 100 dias em 66 dias de prisão subsidiária.

  1. A decisão do douto tribunal a quo não teve em conta alguns elementos importantes que impunham solução diversa para o caso concreto.

  2. O douto tribunal a quo tem perfeito conhecimento que o arguido não tem capacidade financeira, nem condições económicas para pagar a pena de multa, uma vez que :

    1. O arguido requereu o pagamento da pena de multa em prestações, tendo sido deferido.

    2. Apesar disso, não conseguiu sequer pagar a primeira prestação, o que implicou o vencimento antecipado das restantes.

    3. Por ofício da Segurança Social o douto tribunal a quo foi informado que o arguido não tem emprego nem recebe qualquer prestação social, nem tem qualquer rendimento ou bens para pagar a pena de multa conforme foi apurado pelos serviços do douto tribunal a quo.

  3. Ora, o conjunto destes factos, de que o douto tribunal tem pleno conhecimento, evidencia que a razão do não pagamento da multa por razões de carência económica, não pode ser imputável ao arguido.

  4. Ora dispõe o artº 49º nº 3 do C.Penal que «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (...)».

  5. “não tendo o arguido pago a multa, a situação de incumprimento deverá ser analisada no seu conjunto, levando-se em devida conta todas as condições – sociais, familiares, laborais, de saúde, etc. – que poderão ter determinado o seu não pagamento, ao longo desse incumprimento, desde o seu início até à presente data.” 7.

    “Coloca-se, assim, a questão da “culpa” desse incumprimento; saber se, a falta de pagamento da multa não é imputável ao arguido. (1) 8.

    Segundo Eduardo Correia, a culpa deve ser entendida como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso; está tal pensamento ligado à aceitação da liberdade do agente, à aceitação do seu «poder de agir doutra maneira». (2) 9.

    “Como decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 491/2000, de 22-11-2000 «a demonstração de que o não pagamento da multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da Junta de Freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa.” (3) 10.

    Razão pela qual o despacho do douto tribunal a quo violou o disposto no artº 49º nº 3 do Código Penal, dado que não deveria ter convertido de imediato a pena de multa em prisão subsidiária, mas antes deveria ter decidido pela suspensão da execução da prisão subsidiária.

  6. Por outro lado, o recorrente entende que previamente à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o tribunal devia ter procedido à audição do arguido, para que este se pronunciasse sobre as razões do incumprimento do pagamento da pena de multa, uma vez que está em causa um acto que o afecta num dos direitos fundamentais de maior valia - o direito à liberdade 12.

    As notificações enviadas ao arguido efetuaram-se através do depósito das mesmas no recetáculo do correio, desconhecendo-se se efetivamente o arguido recebeu as diversas notificações para pagar a pena de multa e da sua conversão em prisão subsdiária.

  7. Ora a audição do arguido é imprescindível para que o douto tribunal a quo pudesse avaliar as razões hipotéticas do arguido para o não cumprimento do pagamento da pena de multa.

  8. Tal direito do arguido de ser ouvido decorre do artigo 61.º, n.º 1, al. b), do CPP, que, estabelece que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, e salvas as exceções da lei, dos direitos de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

  9. O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências inscritas no Estado de Direito, do espírito do processo como “comparticipação” de todos os interessados na criação da decisão; direito que deve ser assegurado perante quaisquer decisões, sejam do juiz ou de entidades instrutórias, nomeadamente do M.º P.º, sempre que aquelas atinjam directamente a esfera jurídica das pessoas, nomeadamente o núcleo mais importante da sua dignidade e que é a sua liberdaade.

  10. O despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação da natureza da pena aplicada (que passa a ser pena detentiva e privativa da liberdade) o que impõe que esse despacho seja rodeado de todas as cautelas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT