Acórdão nº 6932/20.2T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: E. F.
APELADA: ASSOCIAÇÃO PRÓ-INFÂNCIA N. A.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão I – RELATÓRIO E. F., residente na Rua … – Santo Tirso, instaurou a presente acção, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora, ASSOCIAÇÃO PRÓ-INFÂNCIA N. A.
, com sede em Apartado .., …, Caldas da Saúde, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º-C do CPT., requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, veio o empregador juntar o articulado a que se refere o nº 1 do art.º 98º-J, do CPT, no qual pugnou pela licitude do despedimento da trabalhadora, dizendo ainda que a trabalhadora recebeu a compensação pelo despedimento e não a devolveu atempadamente, já que foi apenas no dia seguinte à realização da audiência de partes que foi remetida uma carta manifestando a intenção de devolver a compensação, pelo que se presume que aceitou o despedimento. Peticiona assim a procedência da excepção de extinção do direito de impugnar o despedimento ou a declaração de licitude deste.
A trabalhadora apresentou o respectivo articulado alegando, no essencial, que o seu despedimento é ilícito, sendo falso que o tenha aceite, pois tempestivamente procedeu à devolução da compensação. Mais alega que o despedimento lhe causou danos não patrimoniais pelos quais pretende ser ressarcida. Conclui pedindo a declaração de ilicitude do despedimento com a sua reintegração e a condenação do empregadora reconhecer que as funções que exerce são as de diretora técnica e pedagógica, a pagar-lhe a quantia de 15.000,00€ a título de compensação por danos não patrimoniais, bem como a pagar todas as retribuições desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir.
O empregador respondeu mantendo a posição assumida no seu articulado, impugna os demais factos e conclui pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador/sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Assim, e nos termos expostos, julgo a presente ação totalmente improcedente e absolvo a ré Associação Pró-Infância N. A. dos pedidos contra si deduzidos pela autora E. F.
.
Custas integralmente pela autora – art.º 528.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.” Inconformado com o decidido apelou a Trabalhadora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões: ”1.
A Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto entende que a douta sentença recorrida fere de um vício de nulidade, por falta de fundamentação na ponderação do que é considerado um prazo razoável, e ainda, que errou o Tribunal “a quo” na aplicação do Direito ao caso concreto - pois, na verdade, foi tempestiva a devolução que fez da compensação por despedimento, sendo por isso falso que o tenha aceite.
-
A douta sentença viola ainda as normas jurídicas contidas nos art.º 350/ 2 e art.º 9.º do CC, art.º 595.º CPC, e os n.ºs 4 e 5 do art.º 366.º CT.
-
O presente recurso incide, pois, sobre matéria de Direito.
-
Em síntese, o despedimento em causa nos autos concretizou-se a 12 de Dezembro de 2020 sendo que a aqui Recorrente, ora Autora, deu entrada da respetiva ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento apenas dois dias após essa materialização, a 14 de Dezembro de 2020, e colocou à disposição da Ré o valor que recebeu alegadamente a título de compensação, por carta datada de 08 de Janeiro de 2021.
-
NÃO OBSTANTE, decidiu o Tribunal “a quo” – antes de produzida a prova arrolada e eximindo-se de ponderar os factos invocados, - que os autos reuniam os elementos necessários à decisão imediata do mérito, baseando essa decisão, salvo melhor opinião, numa premissa falaciosa, decidindo, sem fundamentar, que “a trabalhadora deveria em simultâneo com a instauração da presente ação ter devolvido ou colocado à disposição da entidade empregadora o montante que esta lhe havia pago a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho.” 6. Salvaguardando-se o devido respeito, tal não deveria ter sido assim equacionado porquanto, na verdade, os autos não reuniam todos os elementos necessários à decisão imediata do mérito em sede de despacho saneador, tendo o Tribunal “a quo” se eximido infundadamente, de apreciar a razoabilidade do prazo em que aquele valor foi formalmente disponibilizado, tendo em conta o contexto do mesmo.
-
Em causa nos autos em apreço, está a presunção de aceitação do despedimento prevista nos n.ºs 4 e 5 do art.º 366.º CT; tal presunção, atenta a sua natureza relativa, consubstancia uma presunção ilidível, pelo que, nos termos n.º 2 do art.º 350.º do Código Civil, sempre seria permitida prova em contrário, motivo pelo qual deveria o Tribunal “a quo” ter convocado as partes para audiência de julgamento e, só depois de produzida a prova e ponderado o contexto do caso concreto, estariam reunidos os elementos necessários à decisão fundamentada da razoabilidade do prazo, e assim, dada a faculdade de ilidir aquela presunção.
-
Uma apreciação rigorosa da exceção perentória que alegadamente estaria em causa impunha uma ponderação de todos os factos invocados e de todo o contexto envolvente, sendo por isso fundamental a produção da prova arrolada a fim de se reunirem, de facto, elementos suficientes para a decisão do mérito. (Cfr. Ac. STJ, 23 de Setembro de 2020, proc. n.º 10840/19.1T8LSB.L1.S1, “(…)devolução terá de ser sempre apreciado judicialmente no sentido de se determinar se é ou não razoável, tendo em conta todo o contexto dinâmico do caso concreto.”.
-
Note-se que a Recorrente colocou àquela quantia à disponibilidade da Ré num espaço temporal inferior a um mês desde a concretização do despedimento, o que não permite, salvo melhor opinião, retirar o caráter razoável do prazo em que a compensação foi devolvida; 10. De todo o modo, independente do lapso temporal volvido até à efetiva devolução – inegavelmente breve, atendendo ao contexto célere com que se desenrolou, - tal em nada altera o comportamento anterior de demonstração clara de não-aceitação daquele despedimento; 11. Pois se por um lado é verdade que a interpretação da exceção em causa sub judice tem vindo a suscitar diversa discussão doutrinal e jurisprudencial, claro também o é que a presunção estabelecida no n.º 4 do art.º 366.º CT é uma presunção “juris tantum”e por isso, ilidível, permitindo prova em contrário. (Cfr. LEAL AMADO, João. “O despedimento, a compensação, a receção desta e a aceitação daquela, Questões Laborais”, Ano X – 2003, n.º 21, pp. 108 a 111).
-
Neste sentido, ainda que a Autora não tivesse devolvido a alegada compensação – o que não sucedeu – ainda assim, tal não afastaria a possibilidade de ilidir a presunção do art.º 366.º CT, não ficando dessa forma impossibilitada de impugnar o respetivo despedimento. (Cfr. Ac. STJ de 27/03/2014, Proc. n.º 940/09.1TTLSB.L1.S1, no qual se refere que “o recebimento da compensação faz operar a presunção legal de aceitação do despedimento, mas ela pode ser ilidida, não ficando precludida a possibilidade de impugnação do despedimento.” (sublinhado nosso); Ac. TRL de 26 de Fevereiro de 2020, Proc. n.º 10840/19.1T8LSB.L1-4, Ac.
STJ de 17/03/2016 e de 13/10/2016 proferidos, respetivamente, no processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1 e no processo n.º 2567/07.3TTLSB.L1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt)”.
-
Considerando a interpretação que tem sido feito pela jurisprudência maioritária nesta temática, para ilidir a presunção de aceitação do despedimento será necessário: por um lado, devolver a quantia indevidamente recebida e por outro, invocar factos suficientes que permitam concluir não ter havido apossamento daquela quantia, mas antes uma recusa absoluta daquele despedimento, e ainda, que essa devolução ocorreu, no caso concreto, em prazo razoável.
-
Ora, o comportamento da Autora foi sempre compatível com a não-aceitação daquela compensação, não fazendo suas as quantias recebidas, nem as integrando no seu património, recusando-as e recusando aquele despedimento que sempre invocou como ilícito, tendo por várias vezes demonstrando claramente a sua oposição ao despedimento, contestado em tempo a comunicação de intenção do mesmo por parte da Ré, e pugnando, desde logo, pela sua ilicitude, inclusive junto da Autoridade para as Condições do Trabalho.
-
Saliente-se que o despedimento em causa concretizou-se a 12 de Dezembro de 2020, tendo a ação entrado em juízo apenas dois dias após a concretização do despedimento, e a audiência de partes logo agendada para dia 07 de Janeiro 2021, sendo certo que, se a devolução daquela quantia não foi realizada em prazo ainda mais célere, tal deve-se a todo o contexto social, cultural e sanitário vivido em tal período, não se podendo ignorar que no breve lapso temporal em que esta devolução é feita ocorre a época festiva e familiar do Natal e Ano Novo, sendo certo que a situação pandémica dificultou não só a comunicação, como também a deslocação, em geral, e a entidades bancárias, em particular, atendendo quer ao horário reduzido, quer às restrições de movimentação impostas por lei, quer o risco de contaminação especialmente acentuado nessa altura do ano - especialmente gravoso na situação pessoal da Recorrente, enquanto doente oncológica.
-
Ainda assim, a Recorrente colocou aquela quantia à disposição da entidade patronal, em menos de um mês após a concretização do despedimento, e como tal, dentro de um prazo razoável, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, ocorrido no seu todo num manifesto reduzido espaço de tempo.
-
O Tribunal “a quo”, não só se eximiu de fundamentar o que considera ser um “prazo razoável” no caso concreto, como também não tem sido esse o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO