Acórdão nº 3752/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório Através de participação remetida no dia 21 de Junho de 2019 ao Ministério Público junto do tribunal recorrido, na sequência de acção inspectiva, a Autoridade para as Condições do Trabalho deu conta da existência de indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte de Associação Empresarial de X, Y e W, relativamente a P. A.

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Na sequência do recebimento da aludida participação, o Ministério Público instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do disposto nos arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, pedindo a declaração de existência de contrato de trabalho, relativamente à pessoa acima referida, desde 8 de Setembro de 2014.

A R. apresentou contestação, invocando a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir/ilegitimidade/incompetência do A., o uso inadequado da forma de processo e a nulidade do processo, decorrentes, em síntese, de, à data do início do processo, ter já sido celebrado contrato de trabalho entre a R. e a pessoa acima identificada, em consequência do que pede a absolvição da instância. Assim não se entendendo, pede a absolvição do pedido, por dever ser dada como não provada a factualidade alegada, em virtude de terem sido celebrados contratos de prestação de serviços entre as partes.

O A. respondeu à matéria das excepções, pedindo que as mesmas sejam julgadas improcedentes.

Proferiu-se despacho saneador em que, além do mais, se julgaram improcedentes todas as excepções/questões prévias suscitadas pela R..

A R. interpôs recurso dessa decisão, formulando conclusões, designadamente: «(…) III. DA VALIDADE DA ACÇÃO E DA SUA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA (…) 25. A Recorrente e P. A., celebraram um contrato de trabalho em 18 de Abril de 2019, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2019, acordando de comum, livre e consciente acordo, uma modificação na relação jurídica que então mantinham, com repercussões naturais nas suas recíprocas obrigações.

26. Não obstante a existência deste vínculo laboral, veio, então, o Ministério Público suscitar mediante proposição de Ação Especial para o Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho a necessidade de, literalmente, reconhecer a existência de contrato que já existia e produzia efeitos, inclusivamente retroactivos, tendo sido sanado qualquer vício ou irregularidade.

Perante o que antecede, 27. não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência de contrato de trabalho e, por conseguinte, não se preenche o requisito, objecto e desiderato da presente acção: a declaração da existência do contrato de trabalho.

(…) 36. Deve o Julgador atentar na natureza principal da necessidade da inexistência de contrato para sustentar a proposição da acção e, consequentemente, aferir do caracter acessório e cumulativo da discussão da antiguidade do contrato.

37. Entende a Recorrente que uma questão acessória como a “antiguidade” não permite o recurso ao presente processo especial, pena de nulidade insanável, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

CUMPRE-NOS, PORTANTO, SALIENTAR QUE, 38. falta à acção um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir, que que se traduz na (in)existência de um contrato de trabalho na relação jurídico-laboral em causa, sendo nestes termos a acção inútil, aliás, inexistindo esse pressuposto, inexiste, também, a causa de pedir, sendo, em consequência, culminando na impossibilidade da presente acção.

39. Assim sendo, face ao retro exposto, por procedência da exceptio, deveria o douto Tribunal, em sede de despacho saneador, ter absolvido a Recorrente.

(…) III – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO (…) 43. ao contrário do vertido no Despacho recorrido que afirma que a pretensão do Ministério Público “apenas pode ser satisfeita com a propositura da presente acção”, existem outros meios, apropriados, legais e OBRIGATÓRIOS para que se possa promover a apreciação e determinação da antiguidade do trabalhador, aferindo-se em consequência e em caso de crise na relação laboral, a duração do vínculo – vide processo comum laboral.

POR CONSEGUINTE, 44. é desacertado o entendimento de que este seja o único meio processual capaz de determinar a antiguidade do trabalhador, isto porque sempre o trabalhador poderia e poderá recorrer ao Processo Comum que consta do Código de Processo do Trabalho.

45. Neste seguimento, o trabalhador é quem detém legitimidade para intentar a acção que vise a determinação da sua antiguidade, cujo efeito mais imediato se verá nos créditos laborais que lhe são devidos.

(…) 48. discutindo-se, como in casu, a mera determinação do início do contrato de trabalho, a ação não só não é adequada para esse fim, como o Ministério Público não tem i) competência ii) nem legitimidade para a intentar.

(…) IV – DO INTERESSE PÚBLICO INSUFICIENTE AO “ATROPELO” DO INTERESSE PARTICULAR DO TRABALHADOR E À IGUALDADE ENTRE TRABALHADORES (…) 54. o Ministério Público ao tramitar a presente acção ilegitimamente usa de um meio processual inadequado para se substituir ao trabalhador que é o único sujeito com legitimidade para suscitar a apreciação da antiguidade e créditos laborais devidos em função dessa.

55. Mais estranho é que, tendo o trabalhador por acordo e nos termos legais, determinado a data de início da produção de efeitos do contrato de trabalho celebrado, usando e dispondo dos seus direitos disponíveis e privados estabelecendo a relação de trabalho os seus termos e início em conjunto com o empregador, o Ministério Público se arrogue titular da função de vir suscitar a determinação pelo tribunal da antiguidade de um contrato EXISTENTE.

(…) 73. se se subscrever o entendimento do Tribunal a quo, existirá uma clara desigualdade entre o pretenso trabalhador e o trabalhador dito comum que terá que recorrer a uma acção de processo comum para aferir da sua antiguidade.

74. Para melhor intelecção do exposto, a aceitar-se o recurso à acção especial apenas e tão só para discutir antiguidade, entende-se que existe uma diferenciação injustificada e (porque não dizer) desproporcional entre os regimes destes dois tipos de acção, cuja finalidade é exactamente a mesma, acrescendo o facto de se conferir uma protecção e tutela jurídica/processual maior e mais favorável a uma situação em que não existe conflito entre as partes (impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e é real e que, por isso, seria mais urgente solucionar (casos em que o Trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do processo comum).

75. A entender-se o contrário, está-se a violar o direito à igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal, fará incorrer o artigo 186.º- O do Código de Processo do Trabalho, à luz de tal interpretação, em inconstitucionalidade, a qual se deixa para todos os legais efeitos arguida.

(…) V – DA DISPONIBILIDADE DE DIREITOS DO TRABALHADOR 80. Na verdade, o reconhecimento da existência do contrato de trabalho já operado extrajudicialmente deve ser, à luz da lei, considerado juridicamente relevante por terem sido alcançados, de forma cristalina, os fins previstos na lei, bem como respeitados os interesses de índole coletiva que estão em causa no Diploma.

(…) 83. estando assente a existência do contrato de trabalho, carece o Ministério Público de i) interesse em agir, ii) de legitimidade e iii) de suporte legal que permita a instauração e a continuação da presente lide.

84. a determinação do início da relação laboral não poderá deixar de estar na disponibilidade das partes, nomeadamente do trabalhador e do empregador, podendo estes livremente acordar o seu início e que ao trabalhador não pode ser negado o domínio da sua relação de trabalho, bem como a definição dos seus termos.

85. Numa palavra, obrigar o Trabalhador a discutir, em sede de processo especial a presente lide, ignorando o acordado entre as partes, estaremos perante uma clara violação do princípio da autonomia privada e liberdade das partes, bem como os direitos de personalidade do trabalhador nos termos do 26.º da Constituição da República Portuguesa, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE NÃO SE CONCEDE, ATENTE-SE AINDA NO SEGUINTE: VII - DA ADVERTÊNCIA DA ACT 86. A ACT no âmbito da sua actividade e objectivos, realizou uma advertência no dia 23 de Janeiro de 2019 à Recorrente para que esta regularizasse a situação até ao dia 25 de Fevereiro de 2019 pugnando “no sentido de se reconhecer a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado com os supra identificados trabalhadores, comprovando que foi prestada toda a informação escrita à trabalhadora sobre as condições do contrato…”, ASSIM, 87. para que a situação laboral da trabalhadora e, consequentemente, a situação da Recorrente com a ACT ficasse sanada era necessário que esta reconhecesse a existência do contrato de trabalho (apenas e só).

ADEMAIS, 88. resulta do Regime Jurídico da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro bem como das disposições do Código do Trabalho, que na medida do cumprimento do disposto na advertência ficará sanado o vício, não resultando daí qualquer prosseguimento ou sanção adicional. Em boa verdade, a Recorrente cumpriu com disposto em tal advertência, consequentemente, a ACT não visando o reconhecimento ou uma resolução extrajudicial de uma situação que, em bom rigor, já se encontra resolvida há muito - age com base numa realidade sanada que não é suscetível de fundamentar a propositura de tal acção judicial.

Como corolário do exposto, 89. deveriam as excepções invocadas pela Recorrente em sede de Contestação ter sido julgadas procedentes, pelo que deve ser revogado o Despacho de 09 de...

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