Acórdão nº 33/19.3GAMGD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução05 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Sumaríssimo nº 33/19.3GAMGD, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Mogadouro - Juízo de Competência Genérica, por despacho acórdão proferido no dia 11.03.2021, foi decidido (fls. 276 a 278, referência 23254202): “Fls. 259 e 261: Veio o condenado T. C. requerer a não transcrição da decisão condenatória, porquanto necessita de trabalhar para se sustentar e pagar a pensão de alimentos à sua filha e, com o averbamento a sua entidade patronal não o aceita a trabalhar.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido (referências n.ºs 23176334, 23198182 e 23254200).

A ofendida veio, igualmente, pugnar pela não transcrição da decisão no certificado de registo criminal (referência n.º 1726327 e 37933292).

Foi realizado relatório de execução pena aplicada ao arguido (referência n.º 1741391) e o arguido veio esclarecer que pretende exercer a actividade de segurança privada (1734731/38094142).

Vejamos.

Dispõe o artigo 13.°, da Lei n. 37/2015, de 5 de Maio que: «1- Sem prejuízo do disposto na Lei n.° 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.°-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs. 5 e 6 do artigo 10.°.

2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.

3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão».

A excepção descrita no n.º 1 do referido preceito está relacionada com as situações em que esteja em causa o exercício, por parte do condenado, de atividade profissional que envolva o contacto regular com menores, situação em que os pressupostos para a não transcrição se revelam bastante mais restritos.

Ademais, resulta do inciso em causa que a não transcrição nos certificados de registo criminal das respectivas decisões está condicionado à verificação de dois pressupostos: Desde logo, um pressuposto de ordem formal, isto é, que se esteja perante uma “pessoa singular”, que a respectiva condenação seja em “pena de prisão até um ano” ou em “pena não privativa da liberdade” e que “o arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza” e, por outro lado, um pressuposto de ordem substantiva ou material, isto é, “que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes”.

Conforme resulta dos autos, o arguido T. C. foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.ºs 1, alíneas a) e c), n.º 2, alínea a), 4 e 6, todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao regime de prova, assente num plano de reinserção social que será determinado e fiscalizado pela DGRSP e, ainda ao cumprimento da obrigação de frequentar consultas psiquiátricas e efectuar tratamento da sua dependência alcoólica e de outras patologias que lhe sejam diagnosticadas e que demandem tais consultas e/ou tratamentos e, à obrigação de não adquirir, nem usar armas pelo período de um ano.

Ademais, resulta dos autos que o arguido não tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal qualquer outra condenação, nem anterior, nem posterior à ora em causa.

No entanto, é entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que a determinação da não transcrição da sentença não é decorrência automática da condenação em pena compreendida na supra aludida previsão legal, há que ponderar se se verificam preenchidos os demais requisitos, mormente se, é possível formular um juízo de prognose positiva que permita concluir pela inexistência de perigo de prática de novos crimes.

Ora, e desde já nos adiantando, consideramos que não se encontra reunido o pressuposto legal de natureza material, para que seja deferida a pretensão do arguido quanto à não transcrição da sentença no seu certificado de registo criminal.

Na verdade, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Setembro de 2019, proferido no processo n.º 171/17.7P13MTA-A11-9 [relatado por Abrunhosa de Carvalho e disponível in www.dgsi.pt], «a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção, pois visando o registo criminal permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes, a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica quando os elementos disponíveis não permitem afastar o perigo da prática de novos crimes pelo arguido».

Além disso, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada não implica que se verifique o requisito material da não transcrição, porque «(...) [é] verdade que na elaboração do juízo de prognose favorável feita a propósito da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena (artigo 50.°, 1, CP), a sentença condenatória atendeu à sua personalidade, às condições da sua vida, ao seu comportamento e às circunstâncias do crime, concluindo, necessariamente, que a ameaça da prisão e a censura do facto realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (nelas incluídas as de prevenção especial). Mas, não é menos verdade que o juízo a formular, a propósito do campo de aplicação do artigo 13.° em análise, não é exactamente coincidente com o anteriormente referido, com efeito, se assim fosse, logo se poderia concluir que não deveriam ser transcritas todas as condenações em pena de prisão até 1 ano, desde que a respectiva execução fosse suspensa»[Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Novembro de 2019, proferido no processo nº 483/18.2PIPRT, relatado por Moreira Ramos].

Assim, no caso vertente, não questionando a bondade da pena aplicada ao arguido, não podemos ignorar a gravidade do crime que o mesmo cometeu, conforme decorre singelamente da decisão proferida, cifrada em insultos e expressões de teor vexatório e de menosprezo, e ameaças de morte, no caso, com recurso a uma faca que apontou na direcção do peito da vítima, o arremesso e quebra de objectos, factos praticados no seio do lar conjugal e na presença da filha de ambos, menor de idade, que chegou, mesmo a intervir em defesa da mãe. E, por estas últimas circunstâncias – prática dos factos na habitação comum do casal e na presença de filho menor – o crime é, na verdade, agravado.

Ademais, não podemos ignorar que a prática dos referidos factos sempre esteve intimamente ligada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do arguido, circunstância que justificou que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ficasse subordinada, além do mais, à submissão daquele a tratamento à dependência alcoólica, ao qual o mesmo prestou o necessário consentimento.

Ora, como bem salienta o Ministério Público, a gravidade dos factos em causa nestes autos é bem demonstradora da personalidade violenta do arguido, e reveladores de níveis de perigosidade latentes.

Por outro lado, não podemos ignorar que, conforme resulta do relatório de execução de pena – o qual pode ser valorado nesta sede, conforme melhor se explana no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 71/18.3GAMMV-A.G1, relatado por Helena Bolieiro [disponível in www.dgsi.pt] -, o problema aditivo ainda existe e carece de tratamento e, bem assim que, o arguido, desde Maio de 2019, tem mantido contacto regular com a filha, mas apenas telefónico e por videochamada, pese embora, ambos residam nesta vila de Mogadouro. Pelo que, sem margem para qualquer dúvida, e não questionando, também, a bondade do requerido pela ofendida, a circunstância de o arguido não conviver com a filha não está, de todo, relacionada com presente decisão, nem com a perda de emprego, a qual ocorreu, conforme decorre do relatório de execução da pena, somente, em Janeiro de 2021.

Por fim, como resulta da decisão de aplicação de processo sumaríssimo, «as exigências de prevenção geral neste tipo de crime são, em termos gerais, elevadas, atentos os bens jurídicos protegidos pela incriminação e o nível de frequência que apresenta e a taxa de mortalidade, é fenómeno que cumpre erradicar da nossa sociedade, havendo por isso, necessidade de reafirmar, com vigor, a norma violada». Não se compadecendo, também, e portanto, as exigências de prevenção geral com o pretendido pelo arguido.

Nessa medida, e em face do que se disse, não se vislumbra ser possível induzir a inexistência de perigo da prática de novos crimes por parte do condenado, nos termos e para os efeitos previstos no...

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