Acórdão nº 1384/20.0T9GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução11 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Inquérito nº 1384/20.0T9GMR, a correr termos no Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Braga – DIAP – 2ª Secção Guimarães, no dia 01.07.2020, pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz 1, foi proferido o despacho que aqui se transcreve (fls. 21 a 24; referência 168776069): «Requerimento de fls. 3 e ss Através do requerimento ora em apreço veio o Ministério Público requerer, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 1, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, a realização de diligência de declarações para memória futura da ofendida R. M., nascida em -.7.1924.

Refere, para tanto e em síntese, que investigam-se nos autos factos susceptíveis de configurarem a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e n.º 2, alínea a), e 3 do Código Penal, na pessoa da ofendida.

*Cumpre apreciar e decidir.

Conforme assinala Damião da Cunha, citado no estudo de Cruz Bucho «Declarações para memória futura (elementos de estudo)», página 3, «parece adquirido genericamente que, num processo de estrutura acusatória, a audiência de julgamento e em especial a produção da prova assume o lugar central no processo penal. A produção da prova que deve servir para fundamentar a convicção do julgador, tem de ser a realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de estrutura acusatória: os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção da prova.».

Sendo esta a regra, que, em princípio, toda a prova deve ser produzida em audiência, o legislador não podia ignorar as realidades da vida.

Seguindo de perto o referido no estudo supra citado, páginas 8/9, diremos que «pode suceder que a produção de determinada prova apresente carácter de urgência incompatível com a espera do momento normal e oportuno da audiência de julgamento; pode dar-se o caso de haver risco de perda da prova se houver de aguardar-se por aquele momento.

A lei não podia deixar de prover a este perigo, permitindo a produção antecipada da prova. De outro modo prejudicar-se-iam gravemente as garantias de apuramento da verdade, se a lei não acudisse, com uma solução adequada, à necessidade de obtenção urgente do meio de prova que ameaça perder-se.

É esta a finalidade originária dos artigos 271.º e 294.º (cujo regime foi depois tornado extensivo às vitimas de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual) ao permitir que em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha (ou assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) que previsivelmente a impeça de ser ouvida, o juiz de instrução, proceda à sua inquirição no decurso do inquérito ou da instrução a fim de que o seu depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

Embora entre nós o ponto seja raramente acentuado, a produção antecipada de prova não constitui apenas uma “esigenze pratiche” (Tonini), um meio cautelar de conservação da prova, mas também um direito, o direito a que se assegure a produção ou conservação da prova através da actuação antecipada e adequada dos meios probatórios, integrando-se no direito à prova.».

A prestação de declarações para memória futura realizada em fase de inquérito ou de instrução constitui uma excepção ao princípio da imediação porque, embora percepcionada de modo directo por um juiz, a prova é produzida perante um juiz (juiz de instrução) que é, em regra, diferente daquele que a vai valorar (juiz de julgamento).

São três os fundamentos ou requisitos gerais da tomada de declarações para memória futura: - Doença grave que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento; - Deslocação para o estrangeiro que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento; - Crimes do catálogo (contra a liberdade e autodeterminação sexual e tráfico de pessoas).

*Não estando preenchido nenhum destes requisitos, socorre-se o Ministério Público do previsto na Lei 112/2009, de 16 de Setembro – Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas (não sendo, certamente, indiferentes ou irrelevantes as genéricas recomendações constantes da Directiva nº 5/2019, da Procuradoria-Geral da República).

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 33.º, do referido regime jurídico, o juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

Conforme se refere no estudo a que aludimos supra, no âmbito do crime de violência doméstica o artigo 33.º prevê um regime formalmente autónomo para a prestação de declarações para memória futura, atribuindo, inclusive, legitimidade à vítima, que não constituída assistente ou parte civil.

O objectivo perseguido pelo legislador foi, claramente, o de reforçar a tutela judicial da vítima, consagrando um direito que visa uma protecção célere e eficaz [artigo 3º, alínea a)] e assegurando-lhe uma protecção jurisdicional igualmente célere e eficaz [artigo 3º, alínea h)].

Está em causa o propósito de proteger a vítima, prevenindo a vitimização secundária e a sujeição a pressões desnecessárias.

Neste domínio das declarações para memória futura, o propósito da lei de violência doméstica terá sido o de consagrar a possibilidade de inquirição antecipada da vítima de violência doméstica, conferindo-lhe a este nível um estatuto equivalente ao das vítimas de crimes de tráfico de pessoas ou de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (artigo 271.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), reforçado ao nível da legitimidade para requerer a produção antecipada de prova.

A redacção legal constante do mencionado n.º 1 do citado artigo 33º não deixa margem para dúvidas sobre o carácter não obrigatório da tomada de declarações para memória futura, ao estatuir que «o juiz (…) pode».

Conforme se deixou escrito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 689/11.5PBPDL, datado de 11/01/2012 e consultável em www.dgsi.pt, «a redacção originária do CPP de 1987, em coerência com o modelo acusatório que adoptou, previa no seu artigo 271.º que, em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a pudesse vir a impedir de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução procedesse à sua inquirição...

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