Acórdão nº 462/19.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução21 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. C..

Recorrido: Estado Português.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães, J2.

A. C.

propôs contra o Estado Português, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo se condene o R. a pagar-lhe a quantia de 32.035,04 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, e 500.000,0 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que devem acrescer juros contados desde a citação.

Para tanto, alegou, em síntese, que, esteve em prisão preventiva e foi condenado na pena de 20 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CP, por acórdão de 19.11.2013, proferido no processo comum colectivo n.º 689/12.8JAPRT, que correu termos no então 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão; deste acórdão recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 11.06.2014, alterou a qualificação jurídica dos factos, passando a imputar ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos arts. 144º, al. d), 145º, n.ºs 1, al. b), e 2, ex vi art. 132º, n.º 2, al. c), agravado pelo resultado morte, nos termos do disposto no art. 147º, n.º 1, todos do CP; recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 20.11.2014, declarou a nulidade daquele último acórdão, por falta de fundamentação, ordenando a substituição por outro acórdão; em 18.02.2015, o Tribunal da Relação do Porto ordenou o reenvio para novo julgamento, por não ser possível suprir os vícios apontados pelo STJ; depois de novo julgamento, por acórdão de 30.01.2018, o A. foi absolvido do crime de homicídio qualificado, tendo improcedido o pedido de indemnização civil formulado.

Alega ainda o A. erro grosseiro na apreciação dos pressupostos e na manutenção da prisão preventiva e no julgamento, porque os elementos de prova impunham uma decisão de absolvição, tendo o Tribunal violado todas as garantias de defesa do arguido, o princípio da imediação, o princípio do in dubio pro reo.

Conclui o A. que a privação da liberdade que sofreu e a condenação causaram-lhe danos, patrimoniais e não patrimoniais, que elenca, e que são susceptíveis de indemnização.

O R., regularmente citado, não contestou.

Por força da revelia do R., por despacho de fls. 1245, de 24.01.2020, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial e para cuja prova não careciam de documento escrito.

Foi cumprido o disposto no art. 567º, n.º 2, do CPC.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a presente acção nos seguintes termos: Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: - condena-se o R. Estado Português a pagar ao A. A. C. a quantia de 12.035,04 € (doze mil, trinta e cinco euros e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, vencendo-se juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento; - condena-se o R. Estado Português a pagar ao A. A. C. a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, vencendo-se juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento; - absolve-se o R. do restante peticionado.

Inconformados com tal decisão, dela interpôs recurso o Autor, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões: 1. O A, ora Recorrente, foi, no âmbito do Proc. nº 689/12.8JAPRT, que correu termos nos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão, 2º Juízo Criminal, posteriormente transferido para o Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Guimarães, condenado, no dia 19/11/2013, em 1ª instância, pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131º e ª inst132º, nºs 1 e 2, al. c), do Cód. Penal, na pena de vinte anos de prisão; Inconformado com a decisão proferida, o Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão datado de 11/06/2014, condenou o Recorrente, a doze anos de prisão pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada p.p. pelos arts 144-d e 145-1-b-2 ex vi art 132- 2- Agravado pelo resultado morte, conforme o artigo 147-1, do Código Penal e deste acórdão interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que por D. cordão de 20/11/2014, declarou a nulidade do Acórdão proferido pela Relação do Porto, em 11/06/2014, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos nº 379.º1 a) n.º2) e 374º n.º 2 , ambos do Código Processo Penal, ordenando a substituição por outro Acórdão, tendo em 18/02/2015, sido proferido novo Acórdão da Relação do Porto, em cumprimento do acórdão do STJ, de 20/11/2014, ordenando o reenvio para novo julgamento quanto à totalidade do objecto, pois não foi possível suprir os vícios a propósito das oito questões elencadas em função do objecto da análise de cada uma pelo Acórdão do STJ de 20/11/2014.

  1. O A/recorrente esteve preso por causa do processo supra mencionado, ininterruptamente por 914 dias. Em 30/01/2018, o Recorrente foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado pelo qual havia sido condenado nos termos da conclusão 1, sendo condenadas outras pessoas como autores desse mesmo crime.

  2. A decisão condenatória e a manutenção do Recorrente em reclusão por 914 dias assenta num grosseiro erro judicial.

  3. O erro grosseiro subsistiu no processo n.º 689/12.8JAPRT na medida em que nunca existiu prova de que o Recorrente tivesse estado na residência da sua falecida tia – vítima do homicídio - no dia 29/03/2012, pelo contrário, a prova produzida em julgamento demonstrava, clara e inequivocamente, que o Recorrente, no dia dos factos criminosos, estava noutro lugar – ..., no concelho de Paredes, a mais de 50 km do local dos factos, facto esse provado nesse mesmo processo e que o Colectivo de Vila Nova de Famalicão não articulou com a restante prova, tal qual como o Tribunal a quo.

  4. Apontando toda a prova produzida em julgamento em sentido contrário, mesmo assim o Colectivo de Vila Nova de Famalicão, assentado a sua convicção exclusivamente na reconstituição do crime não hesitou em condenar o Recorrente a 20 anos de prisão, que mais tarde, por um outro Colectivo, exactamente com os mesmos pressupostos e prova, mas já com umas deficiências apontadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi completamente descredibilizada nos termos que constam do acórdão de páginas 34 a 39 junto aos autos sob o doc. n.º 5 com a Petição Inicial.

  5. Com os mesmos factos e prova produzida em julgamento, com as deficiências apontadas pelo STJ, o Colectivo do Tribunal Judicial de Guimarães (em repetição do mesmo julgamento) chegou a uma decisão oposta e descredibilizou por completo o auto de reconstituição, que foi a prova mestra no 1º julgamento ocorrido em Vila Nova de Famalicão, absolvendo o A., aqui Recorrente e fê-lo com facilidade, pois era evidente e objectivo que o teor da reconstituição não poderia corresponder à verdade, o que demonstra que o Acórdão condenatório de Vila Nova de Famalicão (e a matéria de facto foi dada como provada) padece de um erro grosseiro, crasso, manifesto, notório, evidente e indesculpável.

  6. Os elementos constantes dos autos, nunca poderiam levar a que os Juízes que compuseram o Tribunal Colectivo que, em Vila Nova de Famalicão, entre os dias 11/09/2013 e 19/11/2013, concluíssem de outra forma, senão pela absolvição do Recorrente, mas a verdade é que, o fizeram. E para a absolvição do Recorrente nem sequer era/foi necessário recorrer ao princípio do in dúbio pro reo.

  7. Conforme consta do doc. nº 1 junto aos autos com a petição inicial – certidão judicial – o julgamento demonstrou que o arguido, aqui A/Recorrente, não se encontrava no local do homicídio do dia do crime, mas sim em ..., Paredes – cfr. Prova objectiva: Localização celular das chamadas/Bts do seu telemóvel, movimentos com o seu cartão multibanco, passagens nas portagens, registo de assiduidade em aula de farmacologia e prova subjectiva: depoimento de várias testemunhas – doc. nº 1 junto com a petição inicial.

  8. Mais se demonstrou objectivamente e sem qualquer margem para dúvidas que aquilo que foi dito na reconstituição do crime não batia certo quanto: à causa da morte, ao modo como a vítima foi atingida, à hora, ao local, à passagem de carro e às idas ao banco.

    Como bem veio a resultar da segunda decisão absolutória: recorrente não pode estar em dois sítios – separados por 55 Km - ao mesmo tempo e se a prova foi essa e o Tribunal não a viu, tal constitui um erro grosseiro.

  9. No caso concreto e feito o enquadramento da matéria de facto com relevância para a questão cível em apreço nos presentes autos, importa, realçar que, a matéria de facto deverá ser dada como provada perante a revelia do Réu, dar como confessados os factos alegados pelo Recorrente, nos termos do nº 1 do art. 567º do CPC – pois o Ministério Público em representação do Estado não contestou a acção – e por a mesma resultar documentalmente assente em face da autenticidade dos documentos juntos.

  10. Com efeito, o facto alegado em 93 e 94 da PI não são conclusivos, matéria de direito ou juízos de valor do Recorrente, são uma reprodução das declarações que constam de um documento exarado no Tribunal, do 1º interrogatório judicial do Recorrente, isto é, de documento autêntico, devendo ser dados como provados.

  11. Pelo que, não cabendo nas excepções da alínea d) do art. 568º do CPC, necessariamente tem que se dar como provado, tal qual como foi dado como provado o conteúdo do auto de interrogatório da Polícia Judiciária, que é um documento autentico, igualmente junto aos autos.

  12. Assim, deve a matéria de facto ser alterada e aditada nos termos seguintes: Ser julgada como provada a matéria constante dos artigos 93 e 94 da Petição inicial, que o Tribunal a quo insere na matéria conclusiva, de direito ou juízos...

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