Acórdão nº 4456/16.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório H. D.

e marido S. H.

, residentes habitualmente em …, 9, …, na Alemanha e, quando em Portugal, na Rua …, concelho de Braga, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. M. – Unipessoal, Ldª, com sede na Praça …, do concelho de Vila Verde; C. M., com domicílio na Rua …, do concelho de Vila Verde e X – Companhia de Seguros, SA, com sede na Rua …, no Porto.

Os autores alegaram, em síntese, que acordaram com a 1ª ré a construção de uma moradia unifamiliar e paralelamente celebraram com o 2º réu um contrato de prestação de serviços com vista à elaboração do projecto de arquitectura, acompanhamento, fiscalização e direcção técnica da obra e ainda à instrução e acompanhamento do processo camarário de licenciamento da obra; que a obra foi embargada pela Câmara Municipal ... e na sequência os autores vieram a constatar que a mesma não respeitava o projecto e apresentava diversos defeitos que colocam em causa a sustentabilidade da obra, existindo risco de ruína; que os réus, apesar de se terem comprometido a tal, não apresentaram aos autores nenhuma solução para o prosseguimento da obra, tendo estes procedido à resolução dos contratos firmados com os réus.

Mais invocaram os pagamentos e as despesas realizadas com a obra, bem como os danos não patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento dos 1ª e 2º réus.

Por fim, alegaram que o 2º réu é arquitecto e encontra-se inscrito na Ordem dos Arquitectos Portugueses, tendo esta entidade celebrado com a 3ª ré um contrato de seguro de responsabilidade civil, mediante o qual tem a obrigação de responder por todos os prejuízos causados a terceiros pelo 2º réu no exercício da sua actividade profissional de arquitecto, até ao limite do capital contratado.

Terminaram pedindo a procedência da acção e em consequência: -a declaração que aos autores assistia o direito de procederem à resolução dos contratos com os réus; -a condenação dos 1ª e 2º réus a demolir todos os trabalhos executados no prédio dos autores, com demolição da estrutura construída, reposição da terra removida, nivelação e assentamento da terra resposta e reposição do campo de cultivo aí existente; -a condenação dos réus a pagar aos autores a quantia de € 144.502,85, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da resolução contratual (8.09.2016) até efectivo e integral pagamento; -a condenação dos réus a pagar aos autores a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; e -a condenação dos réus a pagar aos autores a quantia que vier a liquidar-se posteriormente respeitante a danos futuros que os autores sofrerem em consequência do incumprimento contratual da 1ª e do 2º réus.

Os 1ª e 2º réus apresentaram contestação, tendo negado a existência dos defeitos e que o 2º réu tenha exercido o cargo de fiscal da obra, tendo-se limitado a assumir a direcção técnica da obra, na qualidade de trabalhador da 1ª ré.

Terminaram pedindo a improcedência da acção e absolvição dos réus dos pedidos.

A ré seguradora veio igualmente apresentar contestação, confirmando a existência do contrato de seguro que garante a responsabilidade civil profissional do 2º réu e alegando a exclusão da responsabilidade de acordo com o contrato, tendo no mais impugnado a factualidade invocada pelos autores.

Terminou pedindo a improcedência da acção e, no caso de assim não se entender, pede que se atenda ao limite do capital seguro e à franquia contratual.

Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido a instância considerada válida e regular, bem como foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a prova pericial, teve lugar a audiência de julgamento.

A final foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1.

absolveu a ré seguradora do pedido; 2.

declarou que aos autores assistia o direito de procederem à resolução dos contratos com os 1ª e 2º réus; 3.

condenou os 1ª e 2º réus a demolir todos os trabalhos executados no prédio dos autores, com demolição da estrutura construída, reposição da terra removida, nivelação e assentamento da terra resposta e reposição do campo de cultivo aí existente; 4.

condenou os 1ª e 2º réus a pagar aos autores a quantia de € 140.151,65 (cento e quarenta mil, cento e cinquenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da resolução contratual (8.09.2016) até efectivo e integral pagamento; 5.

condenou os 1ª e 2º réus a pagar aos autores a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; 6.

condenou os 1ª e 2º réus a pagar aos autores a quantia que vier a liquidar-se posteriormente respeitante a danos futuros que os autores sofrerem em consequência do incumprimento contratual da 1ª e do 2º réus; 7.

e absolveu-os do demais peticionado.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (art. 629º,1, 631º,1, 638º,1, 644º,1, art. 647º,1, todos do Código de Processo Civil), findando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que absolveu a Ré Seguradora dos pedidos contra ela formulados.

  1. Face à redacção do art. 24.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho – quer na sua redacção original, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 40/2015, de 1 de Junho -, terá de se concluir que o seguro de responsabilidade civil dos Arquitectos é um seguro obrigatório.

  2. O facto de um seguro obrigatório não estar regulamentado não lhe retira essa natureza, permitindo apenas às partes “convencionar o âmbito da cobertura, desde que o contrato de seguro cumpra a obrigação legal e não contenha exclusões contrárias à natureza dessa obrigação”.

  3. A consequência jurídica do que se vem de expor é a inoponibilidade ao lesado de condições gerais e particulares da apólice que diminuam ou excluam as garantias daquele com fundamento no incumprimento de deveres do tomador do seguro ou do seu beneficiário para com seguradora (sem prejuízo do direito de regresso desta, previsto no art. 104.º, n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro).

  4. O Tribunal recorrido excluiu a responsabilidade da seguradora com base num incumprimento contratual exclusivamente imputável ao tomador do seguro ou seu beneficiário – o não envio aos Autores, por banda do Réu C. M., de documentos, pareceres, conselhos, relatórios e comunicações escritas respeitantes às suas falhas e omissões.

  5. Estando em causa um seguro obrigatório, os factos acima referidos, porque exclusivamente imputáveis ao tomador ou beneficiário do seguro, não eram oponíveis aos Autores (sem prejuízo do direito de regresso da Ré Seguradora, a exercer contra o Réu C. M. em acção própria).

  6. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do art. 101.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

  7. Em face do disposto no art. 146.º, n.º 5 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, enquanto um seguro obrigatório não for objecto de regulamentação, as partes podem convencionar a cobertura, desde que o contrato de seguro cumpra a obrigação legal e não contenha exclusões contrárias à natureza dessa obrigação.

  8. A previsão de cláusulas contratuais que excluem a responsabilidade da seguradora no caso de o beneficiário não comunicar ao lesado, com base em documentos, pareceres, conselhos ou relatórios, os erros cometidos, ao deixar exclusivamente na disponibilidade do beneficiário a responsabilidade da seguradora, é claramente contrária à natureza da obrigação de celebração do seguro aqui em causa.

  9. Por essa razão, as cláusulas acima referidas, que serviram de base à exclusão da responsabilidade da Ré Seguradora, são claramente contrárias à disposição do ar. 146.º, n.º 5 da Lei do Seguro Obrigatório e não poderiam ser oponíveis aos Autores.

  10. A decisão recorrida violou também a disposição do art. 146.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

  11. Semelhante raciocínio é também válido para a instituição de um capital contratado de € 25 000,00.

  12. A instituição de um limite de capital dessa ordem de grandeza acaba por frustrar o propósito visado pelo legislador com a instituição do seguro obrigatório e é contrária à norma do art. 146.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e não é oponível aos Autores.

  13. Impõe-se, pois, julgar o presente recurso procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, na parte em que absolveu a Ré Seguradora dos pedidos, a qual deverá ser substituída por Douto Acórdão que condene a referida Ré, solidariamente com os demais Réus, no pagamento das indemnizações fixadas no segmento decisório (€ 144 151,65, a título de danos patrimoniais, e € 10 000,00, a título de danos não patrimoniais), acrescidas dos respectivos juros moratórios, bem como no pagamento da quantia que vier a liquidar-se posteriormente, respeitante a danos futuros que os autores sofrerem em consequência do incumprimento contratual da 1.ª e do 2.º Réus.

    Ao recurso interposto pelos autores respondeu a ré Seguradora, apresentando as seguintes contra-alegações – conclusões: A- Com fundamento no artigo 24.º da Lei 31/2009, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 40/2015, de 1 de Junho, defendem os recorrentes ser o contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Arquitectos e a aqui recorrida, titulado pela apólice n.º...

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