Acórdão nº 2434/18.5T9VCD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.
No âmbito do Processo Comum Singular nº 2434/18.5T9VCD, do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi submetida a julgamento a arguida: M. F., divorciada, doméstica, nascida a - de Abril de 1965, em …, Viana do Castelo, filha de L. R. e de R. L., e residente, quando em Portugal, na Rua …, nº …, …, Viana do Castelo, e, quando em Espanha, em Pasage …, Cadiz.
1.1.
Em 18/11/2020 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, em cujo dispositivo consta (transcrição (1)): “Pelo exposto e sem mais considerações, decide-se julgar improcedente a acusação e, em consequência: - absolve-se a arguida M. F. da prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.360º, nº 1 do C.P., pelo qual vinha acusada.
(…).”.
*2.
Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos que constam de fls. 144/149, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
-
Da prova produzida em audiência de julgamento resulta que a arguida praticou factos susceptíveis de integrar o crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360., n.º 1, do Código Penal.
-
Com base na prova documental, produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento e atendendo aos factos dados como provados, constantes da douta sentença recorrida, deveria o Tribunal a quo ter condenado a arguido na prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360., n.º 1, do Código Penal.
-
No crime de falsidade de depoimento de testemunha, exige-se a verificação dos seguintes elementos objectivos, a prestação de depoimento falso por parte de testemunha; perante funcionário competente para receber como meio de prova, constituindo ainda elementos subjectivos do tipo o conhecimento pelo agente de que o depoimento é falso e a intenção de prestar esse depoimento falso.
-
A consumação do crime não exige a verificação de qualquer dano para a descoberta da verdade ou a justiça concreta do caso, nem sequer a adequação da conduta do agente para esse efeito. É, pois, irrelevante apurar se o meio de prova viciado foi ou não determinante para o sentido da sentença ou decisão processual.
-
As declarações prestadas pela arguida em sede de inquérito, e perante órgão de Polícia Criminal, é desde logo contrariada pelos demais meios de prova, nomeadamente o auto de notícia de fls. 6 a 9, as declarações dos elementos da GNR constantes de fls. 12 a 18, assim como pela certidão do processo nº 623/17.9GAVCD, de fls. 36 a 42.
-
Foi produzida prova bastante, capaz e segura no sentido de levar a concluir que a arguida faltou à verdade como propósito de beneficiar o seu companheiro A. M. (em virtude deste possuir várias condenações pelo crime que lhe foi imputado).
-
A arguida M. F. foi ouvida na qualidade de testemunha. Não obstante esta pudesse fazer uso da faculdade concedida pelo art. 134º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, decidiu prestar declarações e, apesar de estar sujeita ao dever de verdade, a arguida proferiu declarações perante funcionário competente, que sabia não corresponderem à verdade, ao declarar ser era ela a condutora do veículo automóvel de matrícula TF e não A. M., quando resultou provado no processo n.º 623/17.9GAVCD, conforme fls. 37 a 39, “que no dia 16 de Julho de 2017, cerca da 1h45m, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula TF, na Travessa ..., sita em ... – Vila do Conde, sem ser titular de carta de condução.
” 9. A arguida através da sua conduta preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime em evidência, impondo que face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento se dessem como provados.
-
Dos elementos de prova, acima evidenciados, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “A arguida tenha agido de forma livre, deliberada e conscientemente, ciente da punibilidade da sua conduta, bem sabendo que as declarações que, como testemunha, prestou sem sede do inquérito, no âmbito do Proc. nº 623/17.9GAVCT, não correspondessem à verdade, e tenha então actuado com o único propósito de produzir um testemunho favorável ao seu companheiro A. M.
.” 11. Desta forma, verifica-se a existência de um erro notório na apreciação da prova, nos termos dos artigos 410º, n 2º, alínea c) e artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b) do CPP.
-
Pelos motivos expostos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a arguida pela prática do crime falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360., n.º 1, do Código Penal, que lhe foi imputado, possibilidade prevista no artigo 431º, nº 1, al. a), do C.P.P.
Sem prescindir, 13. Se dúvidas tivesse quanto à falsidade ou não das declarações da arguida, o Tribunal a quo, poderia lançar mão do artigo 340º do Código de Processo Penal, o qual atribui ao juiz um poder de direcção do processo, na fase de produção de prova, e chamar para serem inquiridos, como testemunhas, os militares da GNR, Guarda V. M., Cabo R. T. e o Guarda S. P., que por terem presenciado tais factos e prestado declarações no âmbito do processo 623/17.9GAVCD, fls. 12 a 17, fundamentaram, pela sua objectividade, isenção e coerência, a condenação de A. M., seu companheiro.
-
Não o tendo feito, leva a que haja uma insuficiência de prova, pois o Tribunal a quo não investigou toda a matéria contida no objecto do processo relevante para a decisão, e que conduziria a uma solução legal diferente, coerente com aquela que foi proferida pelo Tribunal Judicial de Vila do Conde, no âmbito do processo 623/17.9GAVCD.
-
Em conformidade e se assim for entendido, deverá ordenar-se o reenvio do processo, para repetição do julgamento, quanto a esta concreta questão, com a audição destes militares identificados.
*De todo o modo, VENERANDOS DESEMBARGADORES, com o muito que Vossas Excelências hão-de suprir, sopesando adequadamente a matéria submetida à apreciação, há-de ser encontrada a decisão mais conforme ao DIREITO e à JUSTIÇA.”.
*3.
Na 1ª instância a arguida M. F. respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 150/153, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção, na íntegra, da sentença recorrida.
*4.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o seu parecer, nos termos contantes de fls. 157, aderido às alegações e conclusões elaboradas pelo Ministério Público na instância recorrida.
*5.
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (2), não foi apresentada qualquer resposta.
*6.
Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
*II. FUNDAMENTAÇÃO 1.
Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (3).
Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, este coloca a este tribunal as seguintes questões essenciais que importa apreciar e decidir: - Saber se se verifica erro notório na apreciação da prova; E, em consequência - Saber se se verificam os pressupostos para a condenação da arguida pelo crime que lhe era imputado no libelo acusatório.
Subsidiariamente - Saber se, em face das dúvidas quanto à falsidade ou não das declarações da arguida, o Tribunal a quo deveria ter lançado mão do disposto no Artº 340º do Código de Processo Penal, chamando a depor como testemunhas os militares da GNR, Guarda V. M., cabo R. T. e o guarda S. P., que por terem presenciado tais factos, prestaram declarações no âmbito do processo 623/17.9GAVCD, a fls. 12 a 17, e fundamentaram, pela sua objectividade, isenção e coerência, a condenação de A. M., seu companheiro.
*2.
Mas, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, por ora, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.
2.1.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1- No dia 12 de Abril de 2018, pelas 16.20h., no Posto Territorial da GNR de Viana do Castelo, sito na Rua ..., nº …, em Viana do Castelo, a arguida, convocada para ser inquirida na qualidade de testemunha, no âmbito da Carta Precatória nº.915/18.0T9VCT, relativa ao Inquérito nº 623/17.9GAVCD, que correu termos no DIAP de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO