Acórdão nº 85/16.8GCVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução13 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 85/16.8GCVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 1, por sentença proferida a 25.02.2021 e depositada no mesmo dia (fls. 356 a 411 e 414, respetivamente; referências 35264587 e 35266312, respetivamente), foi decidido, na parte que ora releva: “Condenar o arguido A. J. pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (meses) de prisão efectiva.

” ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido A. J. interpor o presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 425 a 429 – ref. 2542703) - transcrição: “1º- A pena de prisão imposta ao ora recorrente revela-se excessiva e consequentemente deve ser reformada; 2º- A douta sentença deverá ser revogada, na parte em que decretou a pena de prisão efetiva, suspendendo-a na sua execução, conforme art. 50º do Código Penal; 3º- Ou, caso não entendam, deverá aquela pena de prisão efetiva ser reduzida para o limite mínimo legal, atentos os circunstancialismos atenuativos; 4º- Foram, assim, violados os artigos 70º e 71º do Código Penal, assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, concedendo provimento ao presente Recurso deve, em consequência e por tudo o que ficou exposto, ser alterada a douta sentença do Tribunal a quo, sendo a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão suspensa na sua execução, sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, ou a regime de prova ou, se assim não se entender, sempre se mostrará devida a redução da pena de prisão aplicada ao limite mínimo, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA no caso concreto!!!” ▪ Na primeira instância, o Digno Magistrado do MP, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (fls. 435 a 437 - referência 2547885).

Para tanto, formulou as seguintes conclusões: “A. O recorrente não se conforma com a sentença porquanto considera que a aplicação de uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva se revela excessivo, pugnando, ao invés, pela suspensa da sua execução, mediante sujeição ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, ou a regime de prova. Subsidiariamente defende que a pena de prisão deverá ser reduzida ao limite mínimo.

  1. Ora, a finalidade da pena é a protecção dos bens jurídicos e, se possível, a ressocialização do agente do crime, pelo que a opção por uma pena alternativa ou de substituição não pode colocar em causa as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

  2. No presente caso, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva impõe-se não só por força da extrema gravidade dos factos praticados – cujas sequelas físicas e psicológicas ainda hoje o assistente padece – mas também em virtude dos traços altamente desvaliosos da personalidade do agente.

  3. Com efeito, para além das catorze condenações de que já foi alvo, reveladores de uma persistente atitude contrária ao dever-ser jurídico penal, o arguido voltou nestes autos a evidenciar uma personalidade desvaliosa, na medida em que não manifestou o mínimo arrependimento pelos seus actos, tendo inclusivamente chegado ao ponto de apesar de ter optado por não prestar declarações sobre os factos, ter ainda assim querido manifestar ao tribunal que tinha razão quanto à pretensão de substituição da bomba de direcção, como se isso, perante a gravidade dos factos em julgamento, tivesse alguma importância.

  4. Este comportamento evidencia que o arguido não interiorizou o desvalor da sua conduta, nem a gravidade da mesma, sendo demonstrativo de uma total indiferença e insensibilidade do arguido em face da integridade física/saúde de terceiros.

  5. Neste quadro, só a aplicação de uma pena de prisão efectiva poderá ter a virtualidade de fazer interiorizar no arguido a gravidade das suas condutas e a necessidade de passar a comportar-se de acordo com as normas vigentes.

  6. No que concerne à medida da pena, a mesma também não nos merece qualquer reparo, porquanto pondera de forma adequada a extrema gravidade dos factos, o elevado grau de culpa do arguido e as prementes necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, sendo certo que ainda assim a medida da pena fica abaixo do meio da moldura penal abstracta.” ▪ Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que aduziu o seu entendimento de que o recurso deve ser julgado improcedente (fls. 446 e 447 - referência 7532855).

Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.

▪ Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

▬ II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR): É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir, seguindo uma ordem lógica no que concerne à operação de determinação da medida concreta da pena e subsequente (e eventual) substituição da mesma, reportam-se a: A – Excessividade da medida concreta da pena de pena de prisão aplicada.

B – Suspensão da execução da pena de prisão.

*III – APRECIAÇÃO: III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): 1. O assistente nasceu em -/02/1978.

  1. Entre Outubro de 2010 e Março de 2016 o assistente exerceu as funções de mecânico na empresa X – Desmontagem de Peças de Veículos, Lda.

    (com instalações na Rua da …, Zona Industrial de …, Vila Real).

  2. No dia 08/03/2016, pelas 15h30m, o assistente encontrava-se a prestar trabalho no balcão de atendimento ao público da empresa X, quando o arguido, que trazia consigo uma bomba de direcção de um veículo automóvel, entrou nas instalações da empresa e dirigiu-se ao balcão de atendimento ao público.

  3. O arguido foi atendido pelo assistente e deu-lhe conta que no dia anterior havia comprado naquela loja a bomba de direcção e que pretendia devolvê-la em virtude de esta não se encontrar em condições, por ter algum defeito.

  4. O assistente observou a peça e disse ao arguido que a mesma não tinha sido ali comprada, tendo esclarecido que todas as peças que são vendidas por aquela empresa são marcadas, pelo que não ia proceder à troca da peça.

  5. Acto contínuo, quando o assistente se preparava para atender outro cliente que ali se encontrava, o arguido, sem que nada o fizesse esperar, vibrou com a bomba de direcção uma pancada no crânio do assistente e colocou-se em fuga de imediato.

  6. Como consequência necessária e directa desta conduta o assistente sofreu uma ferida inciso-contusa do couro cabeludo na região frontal-parietal esquerda com cerca de 6 cm, estrelada com hemorragia activa.

  7. Pelas 15h57m, do dia 08/03/2016, o assistente deu entrada no serviço de urgências do C.H.T.M.A.D., e, no dia 09/03/2016, pelas 00h12m, foi transportado para o Centro Hospitalar do Porto, onde permaneceu internado até ao dia 10/03/2016, pelas 09h46m.

  8. Após a realização dos exames clínicos verificou-se que o assistente havia sido vítima de um traumatismo crânio-encefálico com fractura-afundamento do frontal esquerdo.

  9. No dia 02/01/2017 o assistente foi submetido a tratamento cirúrgico (cranioplastia com metilmetacrilato) no Centro Hospitalar do Porto, para correcção do afundamento fronto-parietal.

  10. Verifica-se que em consequência do sinistro o assistente: · padeceu de um défice funcional temporário total nos períodos compreendidos entre 08/03/2016 e 10/03/2016 e entre 02/01/2017 e 03/01/2017, num total de 4 dias; · padeceu de um défice funcional temporário parcial nos períodos compreendidos entre 11/03/2016 e 01/01/2017 e entre 03/01/2017 e 29/05/2017, num total de 444 dias; · apresentou repercussão temporária na actividade profissional total entre 08/03/2016 e 20/06/2016 e entre 03/01/2017 e 29/05/2017, num total de 252 dias; · apresentou repercussão temporária na actividade profissional parcial entre 21/06/2016 e 02/01/2017, num total de 196 dias; · apresentou um quantum doloris de grau 4; · apresenta um deficit funcional permanente da integridade física-psíquica de 10 pontos, por evidenciar um stress pós-traumático; · apresenta uma repercussão permanente na actividade profissional de compatibilidade com o exercício da actividade profissional habitual, mas sendo necessários esforços suplementares; · apresenta um dano estético permanente de grau 3; · apresentou a consolidação médico-legal das lesões em 29/05/2017; · apresenta as seguintes sequelas: afundamento fronto-parietal esquerdo ao nível do crânio, cefaleia frequente, irritabilidade, dificuldade em tolerar barulho, perda de concentração e memória.

  11. O arguido agiu de forma consciente, livre e deliberada, com o propósito de ofender o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzir lesões, bem sabendo que o objecto que usou era um meio especialmente idóneo a provocar lesões graves e representando a possibilidade, com a qual se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT