Acórdão nº 1334/10.1TBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório M. B. e M. L. intentaram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra 1) M. A.; 2) M. C.; 3) R. C.; 4) C. O.; 5) R. O.; e 6) M. F..
Para tanto, e em síntese, alegaram serem donos e legítimos possuidores de ¼ dos prédios identificados no art.º 1.º da p.i. (o prédio A) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../220201 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...; e o prédio B) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../220201 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...); a Requerida M. A. é dona e possuidora de ½ dos mesmos prédios; e os 2.º a 6.º Requeridos são donos e legítimos possuidores de ¼ dos ditos prédios.
Os direitos de Requerentes e Requeridos foram adquiridos por via sucessória.
Os dois prédios são indivisíveis em substância.
Concluíram pedindo que se pusesse termo à divisão, adjudicando-se ou vendendo-se os prédios, por serem indivisíveis em substância.
*Citados, contestaram apenas as Requeridas M. F. e R. O., invocando que os ditos prédios se encontram já divididos por usucapião entre os interessados, na proporção das respectivas quotas.
Deduziram reconvenção pedindo a condenação dos autores e dos demais co-réus a reconhecer a existência de três prédios distintos, divididos e demarcados, desde meados da década de 80, abstendo-se de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam a existência ou o exercício dos referidos direitos, com todas as legais consequências, nomeadamente declarando-se que as Rés M. F., R. O. e sua irmã C. O. são únicas donas e legítimas possuidoras do prédio correspondente à parcela de terreno devidamente demarcada e dividida com a área de cerca de 420 m2, sita no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde.
*Entretanto, pelo falecimento da A. M. B., foram habilitados como seus herdeiros R. B., B. B. e J. P..
*Posteriormente, foi suscitado o incidente de habilitação de adquirente, tendo sido habilitado J. P. como adquirente para prosseguir a causa em substituição dos demais herdeiros de M. B., dado ter adquirido o direito sobre os prédios em causa nos autos por contrato de partilha e conferência de 18.01.2014.
*Findos os articulados, foi elaborado despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e a regularidade da instância, tendo sido dispensada a seleção da matéria de facto assente e controvertida.
*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 442 e 443).
*Posteriormente, o Mm.º julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 444 a 451), nos termos da qual julgou «totalmente procedente, por provada, a acção e improcedentes os pedidos reconvencionais e, consequentemente», decidiu: «
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Declarar verificada a situação de compropriedade relativamente aos prédios descritos em 1)-A) e 1)-B) dos Factos Provados, na proporção de ¼ (um quarto) para o Requerente habilitado J. P.; ½ (metade) para a Requerida M. A.; e ¼ (um quarto) para os herdeiros de J. C. e mulher, I. O., os aqui Requeridos M. C., R. C., C. O., R. O. e M. F.; B) Declarar indivisível a realidade predial única composta pelos prédios descritos supra em 1)-A) e 1)-B); C) Absolver o Requerente habilitado J. P. e os Requeridos M. A., M. C., R. C. e C. O. da totalidade dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas Requeridas/Reconvintes R. O. e M. F.; D) Condenar o Requerente habilitado J. P. e as Requeridas M. F. e R. O. nas custas da fase declarativa da acção e das reconvenções, na proporção de metade para o primeiro e metade para as últimas.
*Em consequência, provada a compropriedade e a indivisibilidade da coisa, determina-se a passagem do presente processo à fase da conferência de interessados, nos termos do art.º 929.º, n.º 2, do C.P.C., a fim de se adjudicar ou vender a unidade predial indicada no art.º 1.º da p.i.
Após trânsito, abra conclusão a fim de se designar data para a realização da conferência de interessados».
*Inconformadas, as Rés M. F. e R. O. interpuseram recurso dessa sentença (cfr. fls. 453 a 458) e, a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª - O Tribunal a quo apesar de ter dado como provado que os prédios rústicos devidamente identificados na petição inicial se encontram divididos em três parcelas distintas há mais de vinte anos e que, são ocupados e tratados pelos Reconvintes com a convicção de que tais parcelas lhes pertencem e de que exercem um direito próprio, decidiu considerar tal fracionamento ilegal por desrespeitar a imposição legal de não fracionamento de parcelas de terreno aptas para cultura com área inferior à unidade de cultura (lei nº89/2019, de 3 de Setembro).
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- Efetuando, assim, uma errada aplicação do direito quando não reconheceu a usucapião in caso, ainda que dando como provados todos os elementos constitutivos da referida usucapião (animus e corpus).
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- A usucapião, sendo uma forma originária de aquisição de direitos, pode incidir sobre parcela de terreno inferior à unidade de cultura, contrariando o regime jurídico que proíbe o fraccionamento de prédios rústicos por ofensa à área de cultura mínima.
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- Deste modo, e considerando a data em que ocorreu o acto material da divisão – meados da década de 80 - o início da posse dos réus/reconvintes sobre a parcela de terreno em causa, e o lapso de tempo entretanto decorrido com manutenção ininterrupta dessa mesma posse, tem de concluir-se que esta determinou a aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa.
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- Todavia e fazendo-se cumprir o princípio geral da aplicação das leis no tempo, nos termos do art.º 12º, n.º1 e nº 2 do Código Civil, “a lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
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- No seu n.º 2, 1º parte esclarece ainda que, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos (…)”.
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– Pelo que, só por aqui devia ter sido reconhecida e declarada procedente a reconvenção deduzida! 8ª – Por outro lado, os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são, em regra, nulos (art. 294.º do CC), podendo a nulidade ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e até ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286.º do CC); porém, a não fixação de um prazo para a sua arguição não afecta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião.
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- Assim sendo, não pode uma aquisição a título originário e prevista no nosso ordenamento jurídico, ser inviabilizada por uma norma posterior colocando em causa um direito há muito adquirido, devendo o reconhecimento judicial da mencionada usucapião, no caso em apreço, sobrepor-se e prevalecer sobre o fracionamento ilegal do prédio.
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- No modesto entendimento das Recorrentes continua a inexistir qualquer norma excepcional que estabeleça taxativamente que a posse mantida sobre parcela de terreno com área inferior à unidade de cultura não conduz à usucapião, cujos efeitos se retrotraem, por força do disposto no artigo 1288º do Código Civil, à data do início da posse.
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- Devendo, portanto, entender-se que as normas impeditivas do fracionamento não se situam, manifestamente, em plano de prevalência sobre as relativas à usucapião.
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– Tendo, inclusive, sido entretanto proferido acórdão do STJ, em data posterior à entrada em vigor da Lei 89/2019 de 03 de Setembro que conclui no mesmo sentido por si adoptado antes da entrada em vigor da referida lei: “acórdão do STJ Proc. N.º 317/15.0T8TVD.L1.S2, relatora Fátima Gomes de 24.10.2019, posterior á alteração da nova Lei n.º 89/2019, de 3 de Setembro, que veio introduzir uma nova redacção ao art.º 48º, n.º 2, da lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, o mesmo vem confirmar e bem, o que a tendência jurisprudencial maioritária tem defendido: “A expressão “disposição em contrário” ressalvada pelo art.1287º do CC, não abarca a situação prevista no art. 1376º do mesmo código, na medida em que inexiste qualquer norma excepcional que estabeleça, taxativamente, que a posse mantida sobre parcela de terreno com área inferior à unidade de cultura não conduz à usucapião.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a Reconvenção Procedente e assim se fazendo a pretendida JUSTIÇA».
*Contra-alegou o recorrido J. P. pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 459 e ss.).
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 462).
*Foram colhidos os vistos legais.
*II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se o instituto da usucapião prevalece, ou não, sobre a norma constante do art. 1376º, n.º 1, do Código Civil, que impede o fracionamento da propriedade rústica em parcelas de área inferior à unidade de cultura.
*III.
Fundamentos IV. Fundamentação de facto A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial ... os seguintes imóveis: A) «PREDIO RÚSTICO, denominado “CAMPO DE …, de cultivo, com a área indicada de 2.300 m2, a confrontar de norte com A. B., nascente com herdeiros de R. S., Sul com J. E., poente J. B., inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...
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