Acórdão nº 3397/19.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. F. C.

e mulher, M. J.

(aqui Recorrentes), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra S. C.

e mulher, R. L.

(aqui co-Recorridos), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, e contra F. J.

e mulher, M. F.

(aqui co-Recorridos), residentes na Rua …, freguesia de ..., concelho de Braga, pedindo que · fosse declarado que o vão de cobertura (sótão) do edifício onde todos habitam (apossado pelos Réus) é parte comum do mesmo, sendo os Réus condenados a reconhecê-los a eles próprios (enquanto condóminos) como seus comproprietários; · fossem os Réus condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que privem, impeçam ou dificultem a susceptibilidade de uso e fruição, por si próprios, da identificada parte comum do edifício (vão de cobertura); · fossem declaradas ilegais as obras realizadas pelos Réus no sótão e na abertura de janelas a que procederam nas paredes estruturais do edifício (por não terem sido aprovadas ou autorizadas pelos condóminos, e por prejudicarem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício), sendo os mesmos condenados a reconstituir a situação existente em momento anterior à sua acção sobre as mencionadas partes comuns do edifício (nomeadamente, demolindo as divisórias construídas no sótão, fechando os respectivos acessos do interior das fracções do 1.º andar ao vão de cobertura, bem como as janelas abertas nas paredes estruturais laterais do edifício).

Alegaram para o efeito, em síntese, serem eles próprios e os Réus proprietários das fracções autónomas que respectivamente habitam, integrantes de edifício constituído em propriedade horizontal.

Mais alegaram terem tido conhecimento há cerca de dois anos que os Réus se apossaram do vão de cobertura (sótão) existente por cima das respectivas habitações, a que se acede pelo respectivo interior, tendo para o efeito realizado diversas obras (v.g. alargaram a abertura pré-existente, construíram uma escada horizontal, edificaram uma parede divisória e várias outras); e afectaram a parte que se encontra por cima das respectivas habitações, de forma individualizada, a arrumos, vários afazeres e casa de máquinas.

Por fim, os Autores alegaram que, sendo o vão de cobertura (sótão) parte comum do edifício, e não tendo as obras ali realizadas pelos Réus sido autorizadas ou aprovadas pelo condomínio, os intimaram a devolvê-la, o que os mesmos se recusaram e recusam a fazer, reclamando-se proprietários exclusivos e titulados da parte correspondente à cobertura da sua fracção autónoma.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (S. C. e mulher, R. L., e F. J. e mulher, M. F.) contestaram conjuntamente, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada.

Alegaram para o efeito, em síntese, não ser o vão de cobertura classificado por lei como parte comum; e ser o aqui em causa de uso exclusivo deles próprios, porque situado imediatamente a seguir à sua placa de tecto e com acesso exclusivo pelo interior das suas fracções.

Mais alegaram que as respectivas fracções já tinham a configuração que hoje apresentam quando as adquiriram, não tendo eles próprios realizados nelas as obras descritas pelos Autores.

Defenderam, por isso, ter inexistido qualquer apossamento seu de qualquer parte comum.

1.1.3.

Foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 8.000,00; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); admitindo os requerimentos probatórios das partes; e designando de imediato data para realização da audiência final.

1.1.4.

Realizada a mesma, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) V. DECISÃO Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se: - julgar improcedente por não provada a acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados pelos AA.

Custas pelos AA. – artº 527º do CPC.

Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Autores (F. C. e mulher, M. J.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se julgasse o mesmo procedente e se revogasse integralmente a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que julgasse a acção totalmente procedente.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - Os Recorrentes não podem conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, que declarou a acção improcedente, motivo pelo qual interpõem o presente recurso, que versa sobre matéria de direito.

2 - Os Recorrentes entendem que o tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos invocados, não tendo aplicado corretamente o direito aplicável aos factos em causa.

3 - O espaço físico existente no vão da cobertura constitui, sempre e imperativamente, uma parte comum do edifício (cfr., artigo 1421.º, n.º 1, als. a) e b) do código civil), da qual é comproprietário cada um dos condóminos – cfr., artigo 1420.º, n.º 1, do Código Civil.

4 - A referida parte comum não está destinada ao uso de qualquer fração que integra o edifício, em particular, as dos Réus, nem tampouco está afeta ao uso exclusivo de qualquer um daqueles, ou de qualquer outro condómino.

5 - Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, em “Código Civil Anotado”, p. 419, em anotação ao art. 1421º do referido diploma: “A enumeração das partes comuns do edifício, feita no nº 1, é imperativa, no sentido de que os elementos nela incluídos são necessariamente comuns a todos os condóminos”.

6 - É consabido que o título constitutivo da propriedade horizontal é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, sendo esta um direito real que combina a propriedade singular e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova.

7 - Assim, conforme estabelece o art. 1420º nº 1 do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (sendo estas, obrigatoriamente, as indicadas no art. 1421º nº 1, para além de outras que possam ficar sujeitas ao mesmo regime).

8 - Ora, para que uma parte comum do edifício possa ser objecto de uso exclusivo de um condómino (sem perder a sua natureza de parte comum) é necessário que seja previsto expressamente no título constitutivo do regime de propriedade horizontal ou autorizado por todos os condóminos, o que não se sucedeu no presente caso (cfr. factos provados nºs 5 e 20).

9 - O objectivo do vão de cobertura, desde a constituição do edifício, foi só e apenas a de ser utilizado na sua função natural de caixa de ar do edifício, caso contrário, estaria prevista, no título constitutivo da propriedade horizontal, a sua afectação a uma das fracções.

10 - Com efeito, atenta a função por eles desempenhada, os vãos do cobertura/telhado devem ser considerados partes imperativamente comuns por serem parte integrante do telhado.

11 - E não se diga que a (pequena) abertura nas fracções dos réus que as ligava ao vão de telhado lhes atribui qualquer afectação material, uma vez que, como refere Aragão Seia, em “Propriedade Horizontal”, Almedina, Fevereiro de 2001, a pág.s 74 e 75, a todos os condóminos é permitido o acesso ao vão do telhado para reparação de telhas ou colocação de equipamentos necessários e ainda que o acesso se faça pelo interior de uma das fracções:: “O acesso é feito ou pela caixa da escada quando esta sobe até ao telhado, normalmente neste caso possui clarabóia, ou através de um alçapão no tecto da caixa da escada, quando ela não ultrapassa o último piso, ou, até, por um alçapão que se posiciona no tecto de qualquer das dependências dos apartamentos do último andar.

O acesso, que neste último caso constitui uma verdadeira servidão de passagem, destina-se a permitir a visita ao telhado para reparações, colocação de antenas, de ar condicionado, etc”.

12 - É de costume, e perfeitamente natural, que no tecto do último andar seja deixada uma abertura de acesso ao vão de telhado, não para afectar este ao andar, mas tão só para permitir o acesso ao telhado para possível vistoria, reparações, colocações de antenas, e detecções de infiltrações de água ou ruptura dos depósitos aí existentes.

13 - Tal como se refere nos factos provados nºs 12 e 13, os recorridos alargaram a abertura que das suas fracções dava acesso ao vão de cobertura, colocando escadas por forma a ali acederem.

14 - Ora, estas obras tiveram de ser realizadas por uma razão muito simples, a pequena entrada existente em cada uma das fracções não tinha como objectivo a afectação dessas mesmas fracções ao vão de telhado, uma vez que eram demasiado pequenas para serem assim utilizadas, existindo apenas para utilizar/aceder ao vão de telhado em caso de necessidade.

15 - Neste sentido vão os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/11/2002, proc. nº 02A3479 e o de 12/02/2004, proc. nº 03B4273.

16 - Ora, mesmo que se considere que o vão de telhado não é uma parte imperativamente comum do prédio, e se considere que é uma parte presuntivamente comum de acordo com o disposto no nº 2 do art. 1421º CC – o que expressamente não se aceita mas se acautela por mero dever de patrocínio -, esta presunção apenas poderia ser ilidida perante prova de afectação material ab initio do vão de telhado a algum condómino, como o próprio tribunal a quo reconhece na fundamentação da sua decisão.

17 - Pelo já exposto, não podemos considerar que a existência de uma pequena abertura na fracção dos recorridos que teve de ser alargada por estes e onde estes tiveram de colocar escadas para aceder ao vão de telhado seja prova de qualquer tipo de afectação ab...

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