Acórdão nº 4834/20.1T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ DIAS
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

F. S., Lda., com sede na Travessa …, freguesia e concelho de Barcelos, instaurou a presente ação especial de revitalização, pedindo que lhe fosse nomeado administrador judicial provisório.

Proferiu-se despacho de admissão do processo de revitalização e nomeou-se administrador judicial provisório à requerente.

O administrador judicial provisório elaborou e juntou aos autos lista provisória de créditos.

Em 11/09/2020, o administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido de que a devedora e requerente, F. S., Lda., se encontra em situação de insolvência e requerendo a declaração de insolvência desta.

Juntou declaração emanada pela devedora, em que esta declara estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, encontrando-se em situação de insolvência e requerendo que se ponha termo ao presente processo de revitalização, por impossibilidade de alcançar acordo com os seus credores.

Por sentença proferida em 21/09/2020, declarou-se encerrado o processo negocial e ordenou-se a extração de certidão do requerimento e parecer apresentados pelo administrador judicial provisório e a respetiva remessa à distribuição como processo de insolvência.

Entretanto, o administrador judicial provisório requereu que lhe fossem fixados honorários e pagas as despesas que suportou no exercício das respetivas funções.

Sobre esse requerimento, recaiu em 28/09/2020, a seguinte decisão, fixando honorários ao administrador judicial provisório e determinando que a quantia arbitrada fosse adiantada pelo IGFEJ: “Atento o trabalho efetuado pelo senhor Administrador Judicial Provisório, a lista provisória de credores apresentada e considerando também o encerramento prematuro do processo, fixo em € 1.500,00 os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.

Dê pagamento, a adiantar pelo IGFEJ, nos termos do art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (nos termos dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Não desconhecemos haver quem defenda que os honorários do senhor Administrador Judicial Provisório não deveriam ser adiantados pelo IGFEJ, fazendo diferente interpretação da norma supra citada.

Vejamos quais as consequências práticas deste entendimento.

A ser assim, teria o senhor Administrador Judicial Provisório que extraprocessualmente reclamar junto dos devedores o pagamento da contrapartida do seu trabalho no processo, ficando dependente da vontade ou da disponibilidade financeira destes.

Dividamos a análise entre os PEAPs ou PERs que, uma vez findos, (1) vão provocar a declaração de insolvência do requerente e (2) aqueles em que isso não sucede: (1) Nos casos em que o plano de pagamentos (ou de revitalização, nos PERs) não é aprovado ou, sendo, não é proferida sentença de homologação do mesmo, dando o senhor Administrador Judicial Provisório parecer de que o requerido se encontra insolvente, como irá o senhor Administrador Judicial Provisório cobrar os seus honorários e despesas? Não podendo nesse caso receber diretamente do devedor, sob pena de favorecimento de credores, indevido e ilegal, outra solução não resta ao senhor Administrador Judicial Provisório que a de reclamar créditos no próprio processo de insolvência (nos termos do art. 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e como crédito comum, atrás de todos os créditos privilegiados e garantidos que vierem a ser reconhecidos e ao lado dos outros créditos comuns, esperando que o produto da liquidação seja suficiente para satisfação dos honorários do serviço que prestou.

Acresce, nesse caso, que o senhor Administrador Judicial Provisório não poderá aceitar a nomeação como Administrador da Insolvência no processo de insolvência, perdendo a remuneração e o trabalho que decorreriam dessa nomeação, sob pena de conflito de interesses, por se ver na posição de ter que reconhecer como Administrador da Insolvência um crédito que reclama como credor, ou seja, por ser ao mesmo tempo Administrador da Insolvência e credor.

(2) Mas nas situações em que o PEAP ou PER não dá origem a declaração de insolvência do requerente, a posição do senhor Administrador Judicial Provisório não é mais favorável.

Na verdade, também aí tem que esperar que o requerido tenha vontade e/ou disponibilidade financeira para proceder ao pagamento dos seus honorários e despesas.

Caso contrário, outra solução não lhe resta que a de intentar uma ação executiva contra um requerido para cobrança coerciva daqueles valores.

Perguntamos, terá o legislador querido submeter o senhor Administrador Judicial Provisório a estes procedimentos? É que a ser assim, verifica-se uma discriminação gritante entre este e os restantes intervenientes processuais que são nomeados pelo tribunal para desempenhar funções num processo.

Peritos, tradutores, Administrador da Insolvência ou Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência, todos têm os seus honorários liquidados diretamente no próprio processo em que participem, sem necessidade de recurso a via judicial, na forma de outro processo, executivo ou de insolvência, sujeitando-se às vicissitudes, ao sucesso ou ao insucesso, normais para quem recorre ao tribunal.

Até as testemunhas podem requerer diretamente ao processo onde tenham prestado depoimento o pagamento das despesas de deslocação e fixação de uma indemnização equitativa (cfr. art. 525º do Código de Processo Civil), sem necessidade de intentarem outro processo judicial para sua cobrança.

Centremos a nossa análise sobre o Administrador Judicial no processo de insolvência (seja na função de Administrador da Insolvência, seja na função de Administrador Judicial Provisório).

O senhor Administrador da Insolvência em sede de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente - cfr. art. 29º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial) - ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 30º, nº 1 do mesmo diploma.

Também o Administrador Judicial que exerça funções como Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência recebe sempre os seus honorários diretamente do processo em que presta funções: ou retirando tal quantia das disponibilidades da massa insolvente ou na insuficiência desta, através do IGFEJ – cfr. art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Desta forma, o legislador protegeu sempre o Administrador da Insolvência e o Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência, servidor da justiça nomeado pelo tribunal, permitindo sempre que este obtenha o pagamento dos seus rendimentos e despesas diretamente do processo onde presta funções.

Terá querido o legislador que fosse diferente quanto aos Administradores Judiciais Provisórios em PER e PEAP, discriminando-os? Haverá razão para essa discriminação? Cremos que não, atento o facto de em ambos os casos se tratarem de servidores da justiça nomeados pelo tribunal, para exercerem funções em processos judiciais, funções essas essenciais e imprescindíveis para o cumprimento do fim a que se destinam aqueles.

Vejamos novamente a norma em apreço (sempre “com as devidas adaptações” aos presentes autos por força do art. 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas): “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.

Qual a razão de ser da norma? Cremos, salvo melhor opinião, ser a de garantir a remuneração do Administrador Judicial Provisório em sede de processo de insolvência (qualificando-a mesmo como um encargo compreendido nas custas do processo), que será sempre liquidada antes de findo o mesmo: ou através das disponibilidades da massa insolvente ou, na ausência destas, através do IGFEJ.

Razão de ser semelhante, aliás, à que está na génese dos já citados arts. 29º, nº 1 e 30º, nº 1 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.

Daí que, procurando interpretar o art. 32º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adaptando-o às especificidades do PER ou PEAP (por força dos arts. 17º-C, nº 4 e 222º-C, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), se nos afigure ser de abolir a referência a “sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”, que não pode ser aplicado a estes processos, pois estes não têm, por natureza, massa insolvente ou património semelhante que possa responder pelo pagamento dos honorários do senhor Administrador Judicial Provisório.

Consequentemente, os honorários e despesas do senhor Administrador Judicial Provisório constituirão um encargo compreendido nas custas do processo e serão suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, tratando-o o legislador da mesma forma e a par do Administrador da Insolvência e do Administrador Judicial Provisório em processo de insolvência.

Aliás, só desta forma é que aqueles honorários e despesas passam a constituir um encargo compreendido nas custas do processo, da responsabilidade daquele que, a final, vier a ser condenado nas custas processuais, ou seja, o devedor (pelo que esta determinação legal de constituição dos honorários e despesas como um encargo compreendido nas custas do processo parece confirmar a interpretação que fazemos da norma).

De referir que surgiram já situações nos processos em que Administradores...

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