Acórdão nº 7891/19.0T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Os executados F. R.

e mulher M. R.

deduziram oposição, mediante embargos, à execução para pagamento de quantia em que é exequente J. C.

e executados A. P.

e mulher D. P.

e os ora embargantes, invocando, em síntese, as excepções de pagamento do crédito exequendo pelo embargante F. R., existência de (eventual) caso julgado em relação à acção executiva intentada pelo exequente, que correu termos na então Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga sob o nº. 14638/02.8TBBRG, compensação de créditos e prescrição dos juros de mora liquidados para além dos últimos 5 anos.

Mais alegam a falta de título executivo válido, uma vez que a letra de câmbio dada à execução tem como data de vencimento 31/12/1999, estando a mesma, enquanto título cambiário, prescrita já há muito, pelo que só tem a força de mero quirógrafo e só constitui título executivo válido desde que os factos constitutivos da relação subjacente, não constando da própria letra, sejam alegados no requerimento executivo.

Acrescentam que o exequente não poderia demandar os embargantes, porquanto a figura do aval é exclusiva dos títulos cambiários e não sendo a letra dada à execução um título cambiário, mas antes um mero quirógrafo, a força do aval prestado se esgotou pelo decurso da extinção da obrigação cartular, nomeadamente através da prescrição invocada.

Referem, ainda, que o exequente não cumpriu o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação subjacente, nos termos impostos pelo artº. 703º, n.º 1, al. c) do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), não sendo suficiente uma mera referência a uma transacção comercial, razão pela qual a letra apresentada não poderá ser considerada título executivo válido.

Para além da defesa por excepção, os embargantes impugnaram os factos alegados no requerimento executivo, apenas aceitando o facto do exequente ser portador da letra dada à execução, nos termos em que se encontra preenchida.

Concluem, pedindo a procedência dos presentes embargos, com a consequente extinção da execução, bem como a condenação do exequente como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior € 28.400,00.

O exequente apresentou contestação, na qual pugna pela improcedência das excepções arguidas pelos executados/embargantes, invocando, em síntese, quanto à falta de título executivo, que no requerimento executivo foram alegados os factos constitutivos da relação subjacente à emissão da letra prescrita dada à execução enquanto documento particular e a relação jurídica existente entre exequente e executados, tendo referido que a letra foi emitida para garantia do pagamento de uma transacção comercial, na qual os executados se constituíram como garantes, e que estes efectivamente se pretenderam obrigar solidariamente no pagamento da obrigação em causa e, inclusive, asseguraram pessoalmente ao exequente que o respectivo valor seria pago, sendo o título executivo válido.

O exequente impugna, ainda, os factos alegados pelos embargantes, bem como o pedido de condenação como litigante de má fé por eles formulado.

Termina, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos e que seja ordenado o prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos até final.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual foi verificada a regularidade e a validade da instância e decidido o seguinte: - julgar improcedente a excepção dilatória do caso julgado invocada pelos embargantes; - julgar os presentes embargos de executado procedentes, por prescrição da obrigação cambiária e, em consequência, determino a extinção da instância executiva contra os executados/embargantes F. R. e mulher M. R.; - em face do acima exposto, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos embargantes.

Inconformado com tal decisão, o exequente/embargado dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I – Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido: “Julgar os presentes embargos de executado procedentes (prescrição da obrigação cambiária) e, em consequência, determino a extinção da instância executiva contra os executados/embargantes F. R. e mulher, M. R.”.

II - Com o devido respeito, que é muito, o Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida, considerando, salvo melhor opinião que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

III - Senão vejamos, o título executivo que deu origem aos presentes autos é uma livrança, já que é um documento particular, assinado pelos devedores, que evidencia o reconhecimento unilateral de uma dívida.

IV - Conforme o artigo 703º, n.º 1, alínea c) do CPC a execução pode ter por base “os títulos de créditos, ainda que meros quirógrafos”. A ratio da admissibilidade do título de crédito prescrito como título executivo enquanto mero quirógrafo consiste no facto de o documento constituir um reconhecimento de dívida, assinado pelo devedor/executado o que efetivamente aconteceu no presente caso.

V - A livrança/documento particular encontra-se assinada pelos Executados (com letra legível), conforme se comprova pela leitura do mesmo, constando do mesmo que estes lá declararam (com letra legível) “dou o meu aval à subscritora aceitante”, tendo-se efetivamente reconhecido devedores da quantia exequente mediante a aposição da sua assinatura após a referida declaração efetuada pelo seu punho.

VI – Face a uma declaração de cumprimento ou a uma declaração de reconhecimento da dívida, resulta do n.º 1 do artigo 458º, n.º 1 do Código Civil o seguinte: “se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”. Daí resulta a presunção da existência de uma relação negocial ou extra negocial – à qual se aplica a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, conforme decorre do artigo 344º do Código Civil.

VII – Refira-se ainda que, por via da subscrição da letra de câmbio e, mais, por terem garantido ao Exequente o recebimento da quantia, os Executados vincularam-se ao pagamento ao Exequente do valor em divida, constituindo a relação subjacente ao aval efetivamente uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos Executados de se obrigarem como fiadores, o que se verificou in casu, estendendo-se a obrigação destes à obrigação extracartular.

VIII – Do requerimento executivo resulta que o Exequente indicou a causa da obrigação exequenda, referindo inclusive que a livrança foi emitida para garantia do pagamento de uma transação comercial, na qual os Executados se constituíram como garantes, mais tendo alegado que estes efetivamente se pretenderam obrigar solidariamente no pagamento da obrigação em causa e, inclusive, que estes, pessoalmente, asseguraram ao Exequente que o valor seria pago.

IX – Através da aposição da sua assinatura no título executivo e do facto dos Executados terem garantido ao Exequente que o valor seria pago os Executados confessaram-se devedores da dívida ao Exequente.

X – Isto é, a relação subjacente ao aval constitui efetivamente uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos Executados de se obrigarem como fiadores, o que se verificou in casu, estendendo-se a obrigação destes à obrigação extracartular.

XI - Ora, a “(…) A prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 49/16.1T8MDL-B - G1, de 04-04-2017, em: www.dgsi.pt).

XII – A simples menção ao facto da letra ter sido emitida na sequência da celebração de uma transação comercial, cujo valor da divida foi avalizado pelos Executados, os quais assinaram a letra, se vincularam solidariamente ao pagamento da mesma, efetivamente se pretendiam obrigar no pagamento da quantia em causa e os próprios asseguraram ao Exequente que o valor em divida seria pago, é suficiente para concluir que o Exequente alegou os factos constitutivos da relação subjacente no seu requerimento executivo, porque da mesma alegação decorre a obrigação dos Executados procederem ao pagamento do montante de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) o que corresponde a € 149.639,37 (cento e quarenta e nove mil, seiscentos e trinta e nove euros e trinta e sete cêntimos).

XIII - Doutrinou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 125/16.0T8VLF-A.C1.S1, de 12-09-2019, em: www.dgsi.pt: que: “I. Como resulta do disposto na alínea c) do artigo 703º do Código de Processo Civil, a letra prescrita pode, enquanto quirógrafo, constituir título executivo contra os avalistas do aceitante, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, não constando da própria letra, sejam alegados no requerimento executivo”.

XIV – No mesmo sentido veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 7917/19.7T8VNF.G1, de 04-06-2020, em: www.dgsi.pt: I- Prescrita a obrigação cartular constante de um título de crédito, pode ele continuar a valer como título executivo, enquanto escrito particular consubstanciando obrigação subjacente, invocada no requerimento executivo – entendimento prevalecente (ainda que não unânime) na vigência do CPC de 1961, agora expressamente consagrado no art. 703º, nº 1, c) do CPC/2013. (…) III- Extinta a obrigação cartular resultante do aval (por efeito da prescrição), terá o portador do título de alegar factos demonstrativos de que os avalistas se constituíram como sujeitos passivos em relação jurídica (relação subjacente) da qual resulte o direito à prestação (v. g., que se quiseram assumir como fiadores ou até que se verificou uma adjunção à dívida, causa de...

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