Acórdão nº 4033/19.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A Directora de Finanças ...

intentou contra A. M., Advogada, processo especial de suprimento de negação de autorização de acesso a informação sujeita a segredo profissional e bancário.

Alega para tanto que a ré exerce a actividade de advocacia desde 2000; em 2019 foi iniciado um procedimento de inspecção pela Direcção de Finanças do Porto, no âmbito do qual foi detectado que numa amostra de 12 processos judiciais nos quais actuou como mandatária, apenas emitiu factura referente a um único processo.

Os serviços de Finanças tiveram necessidade de aceder à conta titulada pela ré e aos processos judiciais findos e em curso.

A ré opôs-se à realização dos referidos actos de inspecção, invocando segredo profissional.

Nos termos do disposto no art. 63º,5 LGT, em caso de oposição do contribuinte com fundamento em segredo profissional a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente.

Por isso, pede que seja concedido o levantamento do segredo profissional invocado pela ré, atribuindo-se a necessária autorização judicial à autora.

A ré contestou, alegando em síntese que a autora baseia o seu pedido de suprimento não em factos mas em presunções e efabulações não existindo elementos factuais, apenas elementos virtuais.

Mais alega que não estão reunidos os requisitos para aceder a processos públicos, quanto mais para aceder a contas e processos a coberto do sigilo.

Nomeadamente, que não existe qualquer indício da prática de crime fiscal.

Termina pedindo que seja recusado o levantamento do sigilo profissional e bancário.

A 16/12/2019 foi proferido despacho que solicitou ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a emissão de parecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 135º,3,4 CPP.

Foi junta a resposta da Ordem dos Advogados (fls. 58 a 60).

Foi então proferido despacho, com o seguinte teor: “Aceitando-se como legítima a escusa, em face do parecer junto, mas afigurando-se-nos como necessária a eventual violação do segredo profissional, e levantando-se a questão da aplicação do regime de dispensa de sigilo previsto no art. 135º do Código de Processo Penal nesta sede, a fim de ser determinado o suprimento do consentimento da Requerida, suscita-se o competente incidente junto do Tribunal superior, para quebra do segredo profissional.

Foi então o processo remetido a este Tribunal da Relação de Guimarães, para apreciação e decisão.

Em 25.2.2020 foi proferido despacho, nos termos e por força do disposto no art. 135º,4 CPP, para que fosse ouvida Ordem dos Advogados antes de proferir decisão. Foi pois solicitada ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre a questão suscitada.

Aquela Ordem profissional juntou aos presentes autos, em 5.11.2020, o solicitado parecer, no qual, em síntese, sustentada no carácter fundamental e verdadeiramente basilar que o dever de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia, a qual tem como condição essencial para o exercício da profissão a absoluta confiança que deve presidir à relação advogado-cliente, interesse tutelado Constitucionalmente, emitiu parecer no sentido de não estarem reunidas as condições de que depende a quebra de sigilo profissional por parte da Exma. Senhora Dra. A. M., no âmbito do processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo Local Cível de Guimarães Juiz 2, sob o n.º 4033/19.5T8BRG.

No entanto, o referido parecer não deixa de sublinhar que “seria indispensável para a pronúncia a emitir que nos tivessem sido dados a conhecer quais os factos, concretos e determinados, a que a consulta dos processos judiciais com quebra do sigilo profissional é pretendida. De facto, só conhecendo esses factos estaríamos em condições de, em conjugação com as demais particularidades do caso concreto, verificar se o dever de sigilo profissional deveria ceder” (…).

E desconhecendo os factos aos quais se encontram subjacentes aos processos judiciais, também não estamos em condições de aferir se tal consulta é um meio de prova exclusivo dos factos que se pretendem ver provados”.

II- Fundamentação Como decidir ? Primeiro vamos enquadrar devidamente o presente litígio.

Alega a requerente que no exercício das funções legalmente atribuídas, mais concretamente no decurso de uma acção de fiscalização tributária dirigida a saber se a requerida, nas suas declarações de IRS referentes ao ano de 2017 teria omitido rendimentos tributáveis em sede de IRS, os Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças ... têm necessidade de aceder à conta titulada pela ré e aos processos judiciais findos e em curso, nomeadamente no sentido de aferirem que serviços foram prestados e nomeadamente a quem.

Vejamos, primeiro de forma descritiva, o quadro legal que superintende esta matéria.

Dispõe o art. 63º,1 LGT (Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro) que “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais; b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária; c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução; d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas; e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais; f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.

Porém, o nº 2 vem logo introduzir uma excepção de peso: “o acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável”.

E logo a seguir, o nº 3 dispõe que “sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C”.

Por sua vez, o nº 5 dispõe: “a falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem: a) O acesso à habitação do contribuinte; b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com excepção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3 (…); E, continua o nº 6: em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.

O art.

63º-B,1 LGT sob a epígrafe “acesso a informações e documentos bancários”, dispõe que: a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível; O art. 92º EOA (Estatuto da Ordem dos Advogados) dispõe, no que para agora interessa, o seguinte: “1- O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em...

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