Acórdão nº 414/19.2GAEPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da relação de Guimarães.

I.

No processo especial sumário que, com o nº 414/19.2GAEPS, corre termos pelo juízo de competência genérica de Esposende foi decidido (transcrição): - Condenar o arguido A. L. como autor material de um crime de desobediência p.p. artigo 348º, nº 1 do CP, na pena de 6 meses de prisão; - Condenar o arguido nas custas do processo (…)*Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este tribunal da relação, apresentando no final da motivação as seguintes conclusões: 1.

A decisão recorrida assentou nos factos que o Tribunal considerou como provados.

  1. Muitos dos factos, pressupostos da punibilidade no enquadramento defendido na decisão, não podem ser considerados provados face à prova que sobre eles foi produzida.

  2. O n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 da matéria de facto dada como provada merece forte censura, devendo ser tais factos dados como NÃO PROVADOS.

  3. Da prova produzida apenas resulta que o comportamento do recorrente se limitou a falar em voz alta.

  4. Não foi o comportamento do recorrente que obrigou a paragem dos trabalhos.

  5. Tal aconteceu por livre iniciativa dos trabalhadores.

  6. Da prova produzida não pode-se retirar, com a segurança devida e exigida, nenhum facto que permita concluir que o recorrente quis impedir a prossecução dos trabalhos.

  7. O recorrente se encontrava no local a tentar obter informações relativas ao uso do terreno de que se arroga LEGITIMO possuidor.

  8. O recorrente não entendia porque razão não lhe havia sido solicitada pela Câmara autorização prévia para uso do terreno necessário à realização do evento da “X”.

  9. Como sempre aconteceu em todos os anos transatos.

  10. O real motivo da indignação e exaltação do recorrente no dia dos factos nunca esteve relacionado com a sua intenção em impedir a prossecução dos trabalhos que estavam a ser realizados no local pelos funcionários da Câmara.

  11. Mas antes, com a surpresa de os mesmos estarem num terreno do qual o recorrente se arroga proprietário.

  12. Sem que lhe tenha existido um pedido de autorização previa.

  13. À semelhança do que aconteceu nos anos anteriores.

  14. Do ponto de vista do recorrente se revelou um abuso e uma VIOLAÇÃO DE UM DIREITO de posse e propriedade que entende ser seu.

  15. Pelo que o Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria dos pontos 1,2,3 e 4 dos factos provados, impugnando-se nos termos do disposto no art.º 412º, n.º 3, al. a), do CPP.

  16. O Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria dos pontos 5,6,7,8,9 e 10 como provados, devendo tais factos ter sido dados como NÂO PROVADOS.

  17. A informação transmitida não foi esclarecedora ao ponto do recorrente se convencer que os documentos de que falavam as testemunhas eram referente ao terreno de que se arroga proprietário.

  18. Sendo por demais evidente a FALTA DE CLAREZA NA INFORMAÇÃO prestada ao recorrente no dia dos factos.

  19. O recorrente convenceu-se de que os documentos que lhe falavam e que justificavam a propriedade da Câmara eram referentes ao terreno vizinho e não do terreno que o recorrente se arroga proprietário.

  20. NÃO RESULTA que o recorrente agiu com o propósito desrespeitar a ordem da autoridade competente.

  21. Mas antes agiu de convicto de estar a salvaguardar o seu direito de propriedade.

  22. O Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria do ponto 11.

  23. O Tribunal a quo fez uma APRECIAÇÃO INSUFICIENTE E ERRÓNEA não deitando mão do PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, articulado com o princípio da presunção da inocência, ao não dar como provada a tese mais favorável ao aqui recorrente.

  24. Foi feita uma incorreta apreciação, ponderação e avaliação da prova produzida em julgamento, relevante para a decisão, a qual impunha uma decisão diversa da recorrida.

  25. O recorrente não tinha consciência de que estaria a desrespeitar uma ordem emanada pelos agentes da GNR.

  26. Não atuou deliberada e conscientemente com o propósito de desrespeitar essa ordem.

  27. O recorrente que apenas completou o 6.º ano de escolaridade.

  28. A conduta do recorrente deve ser encarada como irrelevante e deve ser graduada mais como uma REAÇÃO DE NÃO COMPREENSÃO do recorrente relativamente à cominação que lhe estava a ser transmitida, do que como uma séria pretensão de desrespeitar uma ordem emanada pelos agentes da GNR.

  29. A violação do PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO deve ser tratada como ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.

  30. O recorrente não teve a consciência da ilicitude da sua recção.

  31. Portanto a culpa do recorrente é diminuta.

  32. Foi inobservado o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CULPA 34.

    A pena de prisão efetiva aplicada é desproporcionada e desadequada, quando a lei prevê a possibilidade de penas de substituição, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção.

  33. A aplicação tout court da pena de prisão é suscetível de produzir efeitos perversos, de dimensões imprevisíveis.

  34. O Tribunal a quo conferiu uma excessiva relevância às causas agravantes gerais, sobretudo a respeitante aos antecedentes criminais relacionados, manifestamente sobrevalorizados.

  35. E NÃO VALOROU, OU NÃO VALOROU ADEQUADAMENTE, outros fatores, maxime a circunstância daqueles antecedentes criminais (e o crime sub judice) estarem diretamente relacionados com o mesmo assunto 38.

    Os crimes constantes do registo criminal do recorrente encontram-se relacionados com o facto de o recorrente se mostrar indignado pelo não reconhecimento de um direito que entende ser seu, a ofensa ao seu direito de posse.

  36. O Tribunal a quo parece não ter valorizado na justa medida este aspeto.

  37. O Tribunal a quo não teve ainda em conta que o recorrente estava exaltado pelo facto dos agentes da GNR não atenderem às suas razões.

  38. A pena de prisão efetiva aplicada excede a necessária à proteção dos bens jurídicos e não considera a função ressocializadora da pena.

  39. Não foram adequadamente considerados os fatores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena.

  40. O Tribunal a quo afastou as penas de substituição – do artigo 45.º do Código Penal (multa de substituição), do artigo 48.º do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade) e o mecanismo ainda previsto no artigo 43.º (regime de permanência na habitação) do Código Penal.

  41. Muito mal andou o Tribunal a quo, porquanto a opção pela pena de prisão (pena principal) não esgota o processo tendente à determinação da medida da pena.

  42. O Tribunal a quo entendeu mal que nenhuma das penas de substituição legalmente previstas responde de forma adequada e suficiente às finalidades da punição.

  43. A sentença recorrida não cumpre cabalmente a fundamentação que tem de presidir em matéria de semelhante melindre como é a que se prende com a liberdade dos cidadãos.

  44. O Tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre a substituição da pena de prisão, tendo em vista o leque de penas de substituição que a lei estabelece, o que deve ser feito respeitando a hierarquia legal das penas de tal natureza, entende o recorrente que a sentença recorrida enferma de NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, conforme artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

  45. O Tribunal a quo decidiu sem possuir elemento probatório suficiente.

  46. Não se socorreu do devido e necessário relatório social.

  47. O Tribunal a quo encerrou a audiência de julgamento sem qualquer elemento referente à personalidade, à situação económica e social do recorrente e os factos provados neste âmbito restringem-se aos antecedentes criminais.

  48. A existência de um relatório social para um julgamento, elaborado por técnicos sociais habilitados torna-se indispensável para habilitar o Tribunal a qui no conhecimento de fatores actualizado, com particular incidência no juízo sobre a determinação da medida concreta da pena.

  49. O facto de o recorrente não ter requerido a elaboração do relatório social, o mesmo não dispensa o Tribunal a quo de, oficiosamente, determinar a elaboração de relatório social, pelos serviços competentes.

  50. Não o tendo feito verifica-se efetivamente na sentença recorrida o VÍCIO DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, constante do artigo 410. º nº 2 alínea a) do CPP, quanto à globalidade da fundamentação de facto de conhecimento oficioso.

  51. Pelo exposto impõe-se a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por acórdão que decrete a ABSOLVIÇÃO DO ORA RECORRENTE, da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, que lhe é imputado.

    SEM PRESCINDIR, 55.

    Impõe-se a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal.

  52. Ou, caso assim se não entenda, a suspensão da execução da PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA.

  53. Ou, caso ainda assim se não entenda, a substituição da decisão proferida nos autos, por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

  54. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 348.º n.º 1 al. b), 40.º, 70.º, 71.º e 72.º do Código Penal, 340º, 379.º, n.º 1, al. c) e 410.º, n.º 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal e os princípios Gerais do In Dúbio Pró Réu e da Culpa.

    APOIO JUDICIÁRIO O recorrente requereu a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, encontrando-se a aguardar decisão, requerendo-se a dispensa do pagamento de taxa de justiça inicial devida pela apresentação do presente recurso.

    TERMOS EM QUE DEVERÁ, em consequência do exposto supra, deve ser dado provimento ao recurso e por conseguinte: a) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que determine a ABSOLVIÇÃO DO ORA RECORRENTE, da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, que lhe é imputado.

    SEM PRESCINDIR, b) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT