Acórdão nº 1738/17.9T8VRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 06 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O Autor A. M.
intentou, em 12-10-2017, no Tribunal de Vila Real, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as rés: 1ª – X, COMPANHIA DE SEGUROS, SA; e 2ª – COMPANHIA DE SEGUROS Y PORTUGAL, SA.
Pediu a condenação de ambas a pagarem-lhe: -a quantia de €77.320,17 (pelo custo da reparação do veículo sinistrado, privação do uso e outros prejuízos), acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação; -as quantias que se vencerem, nomeadamente a título de danos decorrentes da privação do uso do veículo.
Alegou, em síntese, que: -Em 31-12-2016, ocorreu um embate entre três veículos: a autocaravana, matrícula XS, segura na X, propriedade de A. S. e por este conduzida; a autocaravana, marca Burstner, matrícula JE, segura na W, propriedade do autor e por este conduzida; e a autocaravana marca Peugeot, matrícula DP, segura na Y, propriedade de M. R. e por este conduzida – quando todos seguiam, por essa ordem, na faixa da direita da AE4, no sentido Porto-Vila Real e nas proximidades desta urbe.
-O condutor do XS (que ia à frente), pretendendo deixar aquela via, na saída de Parada de Cunhos/Vila Real Oeste, colocou-se na faixa de abrandamento a tal destinada; quando já depois aí circulava, tendo percebido que se enganou, retomou, de forma abrupta e intempestiva, a faixa de rodagem direita da AE4 (atento o referido sentido), passando a linha contínua e derrubando os pinos de borracha que lá se encontravam, atravessando-se e parando naquela “como se fosse uma parede”, ocupando-a, bem como uma parte da da esquerda.
-Apesar de seguir a uma velocidade não superior a 50 kms/h e de “guardar a distância de segurança” relativamente ao XS, o autor não pode evitar o choque na parte lateral traseira do seu JE, o qual, de seguida, foi embatido, no lado de trás direito, pela frente lateral esquerda do DP, que seguia (atrás de todos) a mais de 100 km/h, sem guardar a “distância de segurança” em relação àquele e que era conduzido sem atenção.
-O JE ficou incapaz de circular, por totalmente destruído, estimando-se a sua reparação no valor de 74.470,10€, que o autor não tem condições económicas para custear; tratava-se de uma autocaravana topo de gama, de 2010, devidamente equipada, utilizada por ele e esposa constantemente em viagens de lazer.
-A W pagou-lhe 38.291,93€ (seguro de danos próprios), pelo que as rés devem pagar-lhe a diferença: 36.178,17€.
-O autor despendeu 184,50€ (reboque) e (até 3-10-2017) 3.382,50€ (parqueamento) e perdeu os óculos (975,00€).
-Pela privação do uso da auto-caravana até àquela data (183 dias), sofreu o autor “prejuízo” de 36.600,00€, correspondente ao aluguer de uma idêntica (200,00€/dia).
Sendo o embate devido à culpa dos condutores do XS e do DP e os danos causados pelos mesmos, são as rés responsáveis solidariamente pela respectiva indemnização.
Em contestação: -A ré X (seguradora do XS) impugnou parte dos factos, designadamente os relativos à descrita versão do acidente (acrescentando que o condutor desta foi surpreendido com nevoeiro cerrado no local que não permitia avistar a faixa para além de 40 m, por isso, teve de reduzir a velocidade, altura em que foi embatido pelo JE, cujo condutor seguia distraído, a menos de 10 m, e não atentou no trânsito à sua frente, motivo por que não conseguiu parar nem desviar-se, sendo a culpa do embate exclusivamente deste); bem como os respeitantes aos danos (alegando que, face ao valor comercial e ao custo da reparação, esta era excessivamente onerosa, que o autor já foi indemnizado pela sua própria seguradora e que os prejuízos relativos à privação do uso e ao parqueamento a partir daí – Março de 2017 – são da sua própria responsabilidade).
-A ré Y (seguradora do DP) excepcionou, alegando que o autor não é, desde 09-08-2017, proprietário do JE, logo não tem qualquer interesse (e consequentemente legitimidade) na sua reparação, nem quanto aos danos da privação de uso e do aparcamento subsequentes à alienação. Impugnou parte dos factos relativos à dinâmica do acidente, alegando que, mesmo na versão do autor, apenas será responsável pelos danos resultantes da colisão do DP com o JE, produzidos na traseira deste. Impugnou, ainda, também em parte, a factualidade concernente aos danos, dizendo que o valor venal do JE era de 50.000,00€ o do respectivo salvado de 4.000,00€, que a reparação dos estragos na frente do JE foi orçada em 34.991,04€, e, em 30.071,04€, os da traseira, verificando-se “perda total”.
O autor apresentou resposta, impugnando os documentos juntos.
Foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa, proferido saneador (no qual se considerou improcedente a alegada excepção de ilegitimidade activa ad causam), se fixou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova (conforme fls. 92 e 93), se apreciarem os respectivos requerimentos e se designou a data para audiência final.
Por Acórdão de 17-12-2018 desta Relação foi anulada a decisão da matéria de facto constante da primeira sentença proferida e de que havia recorrido o autor (então com requerimento de ampliação da X).
Tendo em 14-06-2019 sido retomada a audiência em 1ª instância e nela sido produzida prova, foi proferida, em 02-09-2019, a nova sentença de cujo dispositivo – igual ao da primeira – resultou: “Pelo supra exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:
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Condenar a Ré X, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. a pagar ao Autor A. M. a quantia de 484,50€ (quatrocentos e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; B) Absolver a Ré X, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. do demais peticionado; C) Absolver a Ré COMPANHIA DE SEGUROS Y PORTUGAL, S.A. do peticionado; D) Condenar a Ré X, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. e o Autor A. M. no pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento.
Registe e notifique.” O autor não se conformou e interpôs recurso per saltum para o STJ tendo alegado e assim concluído: “1. O Recorrente aceita o enquadramento dos factos à luz das regras da responsabilidade civil extracontratual, plasmadas no artigo 483º e seguintes do Código Civil.
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Contudo, dentro do mesmo quadro factual, designadamente dos pontos 4. a 8. dos factos provados, e jurídico, é de considerar a responsabilidade do condutor do veículo DP pelos danos causados à traseira da autocaravana JE.
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Está assente um facto, isto é, o embate do JE pelo DP) do qual resultaram estragos na traseira daquele, os quais não teriam ocorrido se não fosse a manobra do condutor do DP.
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Esses danos correspondem à violação o direito de propriedade do Autor, tornando ilícito o facto, e a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância (e. g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/07/2006).
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O condutor do DP violou o artigo 18º, nº 1 do Código da Estrada, agindo com culpa, e assim se tornando responsável pela reparação dos danos.
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O condutor do veículo DP poderá ser responsabilizado ao abrigo das normas atinentes à excepcional responsabilidade pelo risco, na qual se prescinde da ilicitude e da culpa (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/03/2009).
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A propriedade, a direcção efectiva no momento do acidente, a condução no seu próprio interesse e a falta de cuidado com que agiu impede o afastamento da sua responsabilidade ao abrigo do previsto no artigo 505º do Código Civil, pelo que é responsável pelos danos causados na parte traseira do JE, enquanto os danos causados na parte frontal do JE são da responsabilidade do XS.
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Ora, em virtude do contrato de seguro provado, celebrado entre o condutor do veículo DP e a Ré Y, através do qual este havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados pela viatura a terceiros, a esta é chamada a responder conjuntamente com a Ré X, encontrando-se obrigada a indemnizar o Autor.
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O desacordo do Recorrente com a douta sentença também se regista quanto ao segmento em que a mesma decidiu que o Autor carece de “legitimidade substantiva para impetrar o ressarcimento da respectiva reparação, demandando-se o naufrágio deste pedido indemnizatório”.
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A douta sentença recorrida violou o princípio que proíbe as decisões surpresa e o artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil.
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Ainda que o juiz não esteja vinculado à alegação de direito feita pelas partes vê-se condicionado pelo quadro fáctico que as mesmas definem na acção, pelo que, sempre que pretenda afastar-se da construção jurídica erigida por estas encontra-se vinculado pelo artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e pelo princípio do contraditório a convidar as partes a pronunciarem-se.
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A acção foi configurada pelo Autor com a convicção de que tinha o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos no seu património na sequência dos embates frontal e traseiro que sofreu, onde se incluía, obviamente, a reintegração no seu património do valor dos danos da autocaravana, nunca tendo prescindido do seu direito de ser indemnizado da totalidade dos danos que sofreu.
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A legitimidade substantiva do Recorrente não foi discutida nos autos até o momento em que douta sentença a decretou, pelo que, pretendendo o douto julgador apreciar tal questão encontrava-se obrigado a colocá-la às partes para o exercício do contraditório.
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Sem prescindir, o Recorrente tem legitimidade para exigir e receber a indemnização correspondente aos danos patrimoniais sofridos na autocaravana, provados nos pontos 8., 10., 11., 12. e 14. dos factos provados.
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A transmissão do direito de propriedade não tem por consequência a perda do direito à indemnização pelos danos sofridos no acidente.
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Do artigo 483º, nº 1 do Código Civil resulta que lesado é quem sofre o dano, e que o lesado deve ser indemnizado pelos danos resultantes da violação do seu direito, pelo que este é o titular...
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