Acórdão nº 905/19.5T8.BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO Nos autos supra identificados em que figuram como autora X Texteis Sa e ré Golf Fashion-… foi proferida a seguinte decisão: I. Audiência Prévia: Considerando a simplicidade da causa de pedir dos autos e inexistindo qualquer excepção não debatida nos articulados (a autora por requerimento apresentado a 1.10.2019 pronunciou-se sobre a arguida excepção de incompetência internacional dos Tribunais portugueses – cfr. art. 3.º, n.º 4 do C.P. Civil) nos termos do disposto no art. 592.º, n.º 1, al. b) do C.P. Civil, não se realiza a audiência prévia.

Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 592.º, n.º 1, alínea a) e 595.º, n.º 1, alínea a), ambos do C.P.Civ, cumpre proferir: SANEADOR-SENTENÇA II. Valor da Causa: Nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 2, 301.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, todos do Cód. Processo Civil, fixa-se o valor da presente acção em € 90.891,00 (noventa mil oitocentos e noventa e um euros).

*III. Saneamento: Da competência internacional dos Tribunais portugueses: Na contestação deduzida de fls. 32 e seguintes dos autos (articulado de 17.05.2019) a ré invocou, entre o mais, defesa por excepção, alegando que o Tribunal português é internacionalmente incompetente para a causa, porquanto: - está em causa um contrato internacional de compra e venda de bens, sendo competente para dirimir o litígio dele decorrente o tribunal do Estado-membro onde se prestou ou onde devesse ter sido prestado o serviço; - estamos perante contrato de compra e venda de bens cujas entregas ocorreram na Alemanha, na morada da ré; - segundo o art. 59.º do C.P.Civ os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artºs. 62.º (factores de atribuição da competência internacional) e 63.º (competência exclusiva dos tribunais portugueses) ou quando as partes lhes tenham atribuído competência, por designação convencional, nos termos do art. 94.º; - não foi celebrado entre as partes qualquer instrumento convencional que estabelecesse a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação jurídica; - considerando que Portugal e Alemanha são Estados-membros da União Europeia, importa atentar às normas do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, nomeadamente ao disposto nos artºs. 4.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, alíneas a) e b); - pelo que, como as partes não celebraram qualquer convenção sobre o foro competente, e estando em causa a responsabilidade contratual da ré, o critério determinante para aferir a competência será necessariamente o do lugar do cumprimento (onde os bens foram entregues): a Alemanha.

* Conferido prazo para exercício de contraditório, a autora manteve que o Tribunal português é competente alegando, em suma, que: - aceita que ao caso é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012; - porém, quer da legislação europeia, quer da legislação portuguesa (art. 94.º do C.P.Civ), decorre que as partes podem convencionar a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação; - ao contrário do que é alegado pela ré, as partes no presente caso, convencionaram a jurisdição competente em caso de litígio, pois como resulta de todas as facturas juntas com a petição inicial consta o seguinte escrito em inglês: “Reserve of property: it is agreed that goods shall remain property of the seller until paid in full. In case of litigation, the jurisdiction is the judicial distrit of Barcelos – Portugal, with expressed rennounce to any other”; - nunca a ré demonstrou ou comunicou de qualquer forma à autora o fim ou desagrado com o que havia acordado com a autora sobre essa matéria, sendo que as facturas juntas além de serem entregues em mão, eram enviadas por email para a ré.

*Cumpre decidir.

A questão que divide as partes prende-se com a existência juridicamente relevante de um pacto privativo de jurisdição em favor dos tribunais portugueses.

De facto, e em face da posição assumida pelas partes, importa saber se poderá ter-se por preenchida tal figura jurídica por a autora, nas facturas relativas a fornecimentos que ela própria emitiu, no âmbito e desenvolvimento da relação comercial que vem estabelecendo com a ré, fez constar, em menção integrada num quadro tipo rodapé de tais documentos particulares, que em caso de litígio as partes se submetem aos Tribunais portugueses, com renúncia a qualquer outro foro.

Aceitam a propósito ambas as partes que ao caso é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, uma vez que quer Portugal, país onde a autora se encontra sediada, quer a Alemanha, país do domicílio da ré, são Estados-Membros.

Indiscutida ainda é a prevalência daquela legislação sobre as regras de direito interno tal como, de resto, consta expressamente consagrado no art. 59.º do C.P.Civ, e resultava já do disposto nos artºs. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e art. 249.º do Tratado de Roma.

Mostra-se ainda assente nos autos sem controvérsia a qualificação do acordo celebrado entre autora e ré como de compra e venda/fornecimento, donde ser aqui aplicável a disposição do art. 7.º do aludido Regulamento.

Estatui o aludido preceito o seguinte: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 1)

  1. Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: — no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados; c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a); (…)”.

    Face ao assim preceituado tem sido comummente entendido, que motivado pela necessidade de garantir a segurança jurídica em matéria de competência internacional nos tipos de contratos mais comuns e, nessa medida, previsivelmente na origem do maior número de litígios a dirimir, o legislador comunitário consagrou, no caso dos contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, um conceito autónomo de lugar do cumprimento das obrigações deles emergentes, fazendo relevar o lugar do cumprimento da obrigação de entrega ou do lugar onde os serviços foram ou deveriam ser prestados, critério puramente factual - com dispensa, portanto, da intervenção do direito de conflitos do estado do foro – ao qual haverá que se atender, mesmo que o pedido formulado pelo autor seja o de condenação do pagamento do preço fundado no incumprimento dessas obrigações.

    Neste sentido, consignou-se no acórdão do STJ de 3/3/2005, processo 05B316, acessível em www.dgsi.pt “(…) releva a alínea b) do referido n.º 1 do artigo 5. °, segundo o qual, para efeito da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues. É um normativo inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária (…). Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do n.º 1 do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato. Assim o “lugar do cumprimento da obrigação” é o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço”.

    Assim, feita consagração da regra de que na venda de bens só releva o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e na prestação de serviços o lugar do cumprimento da obrigação do prestador de serviços, a conclusão inevitável é a da irrelevância, para efeitos de determinação da competência do tribunal, do lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nesta obrigação (assim, Lima Pinheiro in "Direito Internacional Privado", vol. III, págs. 83 e 84).

    No caso vertente está em causa a obrigação do pagamento do preço pela ré e que, nos termos alegados pela autora, deveria ter sido satisfeita na data do vencimento das facturas na sua sede, sita em ..., Barcelos, Portugal, o que é, como vimos, irrelevante à determinação da competência do tribunal português. Seria sim competente para a causa, por ser o correspondente ao lugar de cumprimento da obrigação de entrega dos bens, o tribunal alemão.

    Porém, no entender da ré resulta existir acordo das partes no sentido de deferir a competência internacional para o julgamento de litígios decorrentes da relação das partes aos tribunais portugueses, porquanto nas facturas que emitia para liquidação dos bens fornecidos à ré, constava a menção de que “(…). Em caso de litígio, a jurisdição é a jurisdição judicial de Barcelos - Portugal, com expressa renúncia a qualquer outro.”, facturas que a ré aceitou e cujo conteúdo não impugnou ou reclamou.

    Ora, é consabido que a “convenção em contrário” relevante para efeitos de afastamento da regra da al. b) do art. 7.º, n.º 1 do Regulamento citado é apenas a que decorre da celebração do pacto atributivo de...

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