Acórdão nº 308/19.1JAVRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No processo de inquérito, com o nº 308/19.1JAVRL, em que foi sujeito a 1º interrogatório judicial o arguido N. M., indiciado pela prática de 6 crimes de incêndio florestal p.p. art 274 nº 1 do Código Penal ( CP), foi proferida a seguinte decisão: (transcrição) (…) entende o tribunal ser proporcional, adequado e necessário a assegurar as necessidades cautelares que o caso merece ao abrigo do disposto nos arts.º 192º, 193º, 196º, 198º, 200º nº 1 al. c) d) e e), 204º c) todos do CPP a sujeição do arguido às seguintes medidas de coação:

  1. Termo de identidade e residência já prestado.

  2. Obrigações de apresentações periódicas diárias, no posto da GNR de ...

    , entre as 8h00 e as 20H00.

  3. Não se ausentar da povoação da freguesia de ...

    ; d) Não frequentar zonas agrícolas, de mato ou floresta; d) Não adquirir ou usar objectos ou utensílios que detiver susceptíveis de ser usados para a prática dos crimes de incêndio, devendo, caso os detenha proceder à sua entrega imediata às autoridades; e) Ficar suspenso das funções que exerce na Associação Humanitária de Bombeiros ..., designadamente de Subchefe da Corporação.

    Notifique.

    Em obediência ao disposto no nº 9 do art.º 194º do CPP, adverte-se o arguido N. M. de que em caso de violação das obrigações impostas a título de medida de coacção, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação pode ser-lhe imposta uma outra ou outras medidas de coacção legalmente previstas e admissíveis ao caso, aqui se incluindo a prisão preventiva (de acordo com o disposto no artigo 203.º do CPP).

    Notifique.

    Restitua o arguido à liberdade.

    Comunique pela via mais expedita a presente decisão até autos à autoridade policial competente, dando informação sobre as medidas impostas ao arguido, com a menção de que qualquer infração às mesmas deverá ser imediatamente informada nos autos.

    (...)*Inconformado, recorreu o Ministério Público, concluindo o seu recurso do seguinte modo (transcrição).

    I - O Ministério Público imputou, no requerimento de apresentação de arguido detido para 1.º interrogatório judicial, ao arguido N. M. a prática de 6 crimes de incêndio p. e p. pelo artigo 274.º n.ºs 1 e 2 a.) e c) do Código Penal, puníveis com pena de 3 a 12 anos de prisão, e requereu a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, prevista no artigo 201.º n.º 1 e 3 do Código de processo penal.

    II - A M.ma JIC entendeu mostrar-se fortemente indiciada a prática pelo arguido N. M. de 6 crimes de incêndio p. e p. pelos artigos 274.º n.º 1 e 274.º-A, puníveis com pena de 1 a 8 anos de prisão, ambos do Código Penal, por entender que não ficou demonstrado que o prejuízo causado pelos factos imputados ao arguido, fosse de valor elevado.

    III - No entanto, a posição da M.ma JIC, não só não teve em conta a letra do artigo 274.º, n.º 2 al. a) do Código Penal, a qual exige que a conduta do arguido cause perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado, e não efetivo prejuízo, como o prejuízo efetivamente causado, foi de valor elevado ainda que neste momento não se mostrem completamente contabilizados.

    IV -Perigo e prejuízo de valor elevado que facilmente se alcançam se, lançando mão das regras da experiência comum, tivermos em conta as consequências reais da conduta do arguido, donde resulta que arderam cerca de 100 hectares de mato, floresta e terrenos agrícolas, o que certamente ninguém deixará de contabilizar como muitos milhares de euros de prejuízos para além dos prejuízos de ordem ambiental que daí decorrem.

    V - Para além disso, só nos gastos que o combate aos incêndios causou, podemos, com segurança, com recurso às regras da experiência de vida, avaliar em dezenas de milhar de euros, pois nos mesmos foram utilizados 108 meios de combate, incluindo viaturas dos bombeiros, meios aéreos e máquinas de rasto, para além dos 389 bombeiros empregues no combate aos mesmos, que duraram 107 horas no seu conjunto.

    VI - Donde resulta que, para além de a conduta do arguido ter causado enormes prejuízos, que não poderão deixar de ser considerados como muito elevados, o perigo que causou, para bens patrimoniais ainda foi muito maior, que só o trabalho de centenas de bombeiros e outros operacionais, as muitas dezenas de meios materiais, incluindo vários meios aéreos e máquinas de rasto utilizadas no combate dos incêndios e as mais de 100 horas de combate impediram que se viessem a verificar.

    VII - Por outro lado, do despacho ora posto em crise, resulta que a M.ma JIC considerou que “…há uma elevada gravidade objectiva dos factos imputados…” “ No entanto, e embora estejamos na presença de um crime de perigo comum, em que não se exige a efectiva lesão de um dano, e que dos factos indiciariamente dados como provados consubstanciam a prática dos crimes aqui em apreço, não podemos esquecer que para a aplicação concreta da medida da pena são tidos em consideração outros elementos, como seja as consequências reais da alegada conduta do arguido, a sua personalidade, a ausência de antecedentes criminais relativamente a crimes desta natureza (não tendo, no caso o arguido registados antecedentes criminais pela prática de crimes desta natureza)” VIII-Que, identifica-se um intenso perigo de continuação da actividade criminosa decorrente da época do ano que atravessamos e as condições climatéricas que se têm feito sentir. De facto, ainda nos encontramos numa ocasião de condições climatéricas ainda extremamente favoráveis à propagação do fogo, dada a acumulação de grandes quantidades de combustíveis existentes nas manchas florestais, pode a qualquer momento e mediante o mesmo tipo de motivação replicar novamente a conduta ilícita.

    \No entanto, não existe notícia que o mesmo anteriormente tivesse tido ímpetos desta natureza, conforme resulta do seu CRC.

    IX - “Por outro lado, são factos que, pela sua natureza e modo de actuação do interveniente, são geradores de enorme alarme social e de sentimentos de insegurança para as populações, pela danosidade que importa a conduta destas práticas e cuja memória colectiva associa à deflagração de incêndios de grande dimensão ocorridos no nosso país num passado recente (incêndios de Pedrógão) “ No entanto, atenta a prova que está carreada para os autos não se vislumbra qual concreto perigo de perturbação do inquérito.” X - Tendo concluído que eram necessárias, adequadas e proporcionais a aplicação das seguintes medidas de coação:

  4. Termo de identidade e residência já prestado.

  5. Obrigações de apresentações periódicas diárias, no posto da GNR de ...

    , entre as 8h00 e as 20H00.

  6. Não se ausentar da povoação da freguesia de ...

    ; d) Não frequentar zonas agrícolas, de mato ou floresta; d) Não adquirir ou usar objectos ou utensílios que detiver susceptíveis de ser usados para a prática dos crimes de incêndio, devendo, caso os detenha proceder à sua entrega imediata às autoridades; e) Ficar suspenso das funções que exerce na Associação Humanitária de Bombeiros ..., designadamente de Subchefe da Corporação.

    XI - Ora, ao aplicar as medidas de coação supra referidas, não teve a M.ma JIC em devida conta que, o facto de o arguido ter o CRC limpo, não significa que o mesmo não tenha praticado factos da mesma natureza anteriormente. Na verdade, apenas significa que não foi apanhado, acusado e condenado.

    XII - Na verdade, atento o facto de o arguido ter praticado indiciariamente, 6 crimes de incêndio só neste verão, havendo ainda a suspeita de ter praticado outros que estão a ser investigados no mesmo inquérito, aponta para a existência de haver XIII - Por outro lado, o facto de o arguido ter praticado indiciariamente 6 incêndios para poder subir na hierarquia dos Bombeiros Voluntários ..., aumenta o perigo de continuação da atividade criminosa do arguido, já que a sua personalidade egoísta, potencia tal perigo.

    XIV - Perigo esse que aumenta também, devido ao facto de o arguido possuir vários meios de transporte – carrinhas, motoquatro, etc, - devido à sua qualidade de bombeiro, ser conhecedor da maneira de atuar dos B.V de … e da própria GNR, pelo que se deve concluir pela existência de perigo de continuação da atividade criminosa.

    XV - Além disso, o facto de o arguido ter ido “pedir satisfações” à testemunha V. G., depois de saber que ele tinha ido contar ao seu Comandante que tinha visto o arguido a conduzir a carrinha NISSAN azul, no local onde pouco depois foi avistado o deflagrar de um incêndio, sem que na sua opinião nada justificasse a ida do arguido àquele local, demonstra a existência de um perigo real e concreto de o mesmo amedrontar esta e outras testemunhas, perturbando, desse modo, o decurso do inquérito.

    XVI - Ora, sendo o crime de incêndio, um crime que causa...

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