Acórdão nº 649/19.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Nos autos de ação de impugnação de deliberações sociais que J. F. deduziu contra X – Sociedade Industrial de Painéis, S.A., requereu aquele que: A) fosse declarada a invalidade da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovara o Contrato de Sociedade pelo qual a Ré passará a reger-se, por força do disposto nos artigos 58º n.º 1 alíneas a) e b) e 56º n.º 1 alínea d) do Código das Sociedades Comerciais; B) fosse declarada a invalidade da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovara a sua transformação, nos termos do disposto no artigo 58º n.º 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais; E, em consequência; C) fosse declarada a invalidade da transformação da Ré em sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

Em defesa da anulabilidade, nos termos previstos no artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais, da deliberação respeitante à aprovação do artigo 8º n.º 6, alíneas a), b) e d) do Contrato de Sociedade, que contém o regime dos poderes da gerência, alegou, em suma, que a mesma viola art. 246º do Código das Sociedades Comerciais e a respetiva ratio, porquanto, de acordo com as referidas alíneas do art. 8º, os gerentes da Ré poderão praticar todos os atos sem respeito pelas deliberações dos sócios pois não precisam de os consultar e com esta ampliação de poderes fica totalmente vedado aos sócios tomarem conhecimento ou terem informação de atos de gestão de extrema importância e que poderão ter um impacto profundo na sociedade, designadamente alienação ou oneração do património da Ré em circunstâncias desvantajosas para a mesma, bem como tal ampliação impede a Assembleia Geral de verificar se os gerentes, no exercício dos seus poderes tão amplos, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré.

Citada, a Ré contestou, pugnando pela validade das deliberações tomadas, porquanto, segundo ela, no que para agora interessa, confrontando o artigo 16º dos anteriores estatutos com o atual art. 9º do contrato de sociedade por quotas, verifica-se que as alíneas a), b) e c) do mesmo nada inovam relativamente aos poderes do conselho de administração da sociedade enquanto anónima e, por outro lado, nas sociedades por quotas os gerentes estão obrigados a prestar informações aos sócios de forma tanto ou mais abrangente do que nas sociedades anónimas (artigos 214º e 216º do CSC). Invocou, por fim, que o Autor agia em manifesto abuso de direito.

O Autor respondeu à referida exceção.

Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença contendo decisão com o seguinte teor: Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

  1. Declarando ineficazes as clausulas 6.ª e 7.ª do novo contrato social, julgo inverificada a nulidade ou anulabilidade invocada da deliberação que aprovou o novo contrato social; b) Julgo inverificada a anulabilidade da deliberação que aprovou a transformação da Ré em sociedade por quotas; c) Julgo inverificada a invalidade da transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas. As custas serão suportadas pelo Autor, dado que este decaiu na totalidade do pedido.

    Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados, não se conformando com a douta sentença que decidiu: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

  2. Declarando ineficazes as clausulas 6.ª e 7.ª do novo contrato social, julgo inverificada a nulidade ou anulabilidade invocada da deliberação que aprovou o novo contrato social; b) Julgo inverificada a anulabilidade da deliberação que aprovou a transformação da Ré em sociedade por quotas; c) Julgo inverificada a invalidade da transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas”; 2 - Ora, a questão a apreciar relativamente à douta sentença do Tribunal a quo, prende-se com: A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito – a errada subsunção dos factos ao direito, designadamente quanto às alterações ao Contrato Social que se prendem com os poderes da gerência; 3 - Ora, salvo o muito devido e merecido respeito pela Meritíssima Juiz a quo, deve a douta sentença, ora em crise, ser revogada e substituída por outra que declare a anulabilidade do artigo 8º n.º 6, alíneas a), b) e d) do Contrato de Sociedade pelo qual a Ré se passará a reger, por força do disposto no artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais; 4 - Verifica-se que não andou bem a douta sentença a quo quando decidiu: “Relativamente aos imóveis, não existe qualquer inovação. Quanto às participações sociais, essa competência estava expressamente prevista no artigo 16.º, n.º 2 e, por fim, quanto aos contratos de locação financeira, sempre a competência coube ao conselho de administração, não existindo, à data, qualquer referência expressa aos mesmos. Improcedem, pois, os argumentos do Autor”; 5 - Na verdade, o novo Contrato Social dá os poderes especiais à gerência para, sem necessidade de deliberação dos sócios, adquirir, alienar, permutar ou onerar bens imóveis e proceder à alienação, oneração e locação de estabelecimentos, bem como para celebrar contratos de locação financeira, poderes estes que não eram conferidos ao Conselho de Administração no artigo 16º do Pacto Social da Ré enquanto sociedade anónima; 6 - De facto, Conselho de Administração da Ré tinha tais poderes mas só quanto a bens móveis e imobiliários; 7 - Convém salientar que os gerentes eleitos na Assembleia Geral Extraordinária aqui em causa nos autos são exatamente os mesmos que compunham o Conselho de Administração da Ré e, os quais são os seus sócios maioritários, diretamente ou indiretamente, através de outras sociedades comerciais _ Vd. Facto Provado b) e documentos nºs., 2 a 5 juntos com a Petição Inicial; 8 - O artigo 246º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais prevê: “2 -Se o contrato social não dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre: a) A designação de gerentes; b) A designação de membros do órgão de fiscalização; c) A alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento; d) A subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração”; 9 - O que significa que, a alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento, bem como a subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração, não são atos de gerência, mas de deliberação, visto serem da competência específica da assembleia geral; 10 - Esta ampliação de poderes não encontra apoio na rácio legis do artigo 246º, nem no espirito do regime de uma sociedade por quotas que permite aos seus sócios uma “intromissão” na vida societária muito maior do que na de uma sociedade anónima; 11 - A própria Ré não apresentou uma justificação para tamanha ampliação dos poderes da gerência numa sociedade por quotas de responsabilidade limitada _ Vd. Documento n.º 7 junto com a Petição Inicial; 12 - Na verdade, esta ampliação de poderes, visa tão só retirar da assembleia geral todo e qualquer poder deliberativo sobre assuntos importantes da vida societária; 13 - Com esta ampliação de poderes fica totalmente vedado aos sócios tomarem conhecimento e/ou terem informação, bem como participarem de atos de gestão de extrema importância e que poderão ter um impacto profundo na sociedade, designadamente alienação ou oneração do património da Ré em circunstâncias desvantajosas para a mesma; 14 - Bem como impede a Assembleia Geral de verificar se os gerentes, no exercício dos seus poderes tão amplos, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré; 15 - Pois, tal como alegado nos autos, alguns atos de gestão praticados pelos Administradores da Ré, atualmente seus gerentes, encontram-se já sujeitos a apreciação judicial, por alegadamente terem atuado em situações de conflitos de interesses com a Ré, designadamente no processo n.º 4416/17.5T8VNF, que corre termos no Juiz 3 deste Juízo de Comércio _ Vd. Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial; 16 - Tendo-se, no referido processo, realizado perícia colegial, cujo relatório comprova que os Administradores da Ré (atualmente gerentes), no exercício dos seus atos de gestão, designadamente celebrando um Contrato de Locação de um Pavilhão Industrial, decidiram que a Ré pagaria uma renda mensal de €: 40.000,00 (quarenta mil euros), quando na verdade o valor de mercado para a renda mensal desse mesmo pavilhão é de €: 16.207,80 (dezasseis mil duzentos e sete euros e oitenta cêntimos), o que se comprova pelo Relatório Pericial (página 14) que aqui se junta e, cuja junção se requer ao abrigo 680º do Código de Processo Civil; 17 - Mais grave tal facto se torna, quando o locatário do pavilhão em causa é uma sociedade comercial “Y – Polimento de Superfícies Metálicas e Tratamento de Efluentes Industriais, Lda.” detida, indiretamente (através de outras sociedades comerciais), pelos Administradores/Gerentes da Ré _ Vd. Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial; 18 - Face ao exposto, dúvidas não subsistem que a deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovou o Contrato de Sociedade pelo qual esta se passará a reger, designadamente a sua cláusula/artigo 8º n.º 6, a qual amplia os podres (sic) da gerência, sem necessidade de deliberação da Assembleia Geral, viola disposições da Lei, bem como é uma deliberação apropriada para satisfazer o propósito dos sócios conseguirem, através do seu voto, vantagens especiais para si, em prejuízo da sociedade, nos termos do artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais; 19 - Salvo o devido respeito por...

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