Acórdão nº 3813/18.3T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2020

Data28 Setembro 2020

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães Secção Penal I. RELATÓRIO No processo comum singular nº 3813/18.3T9BRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 1, da comarca de Braga, foi submetida a julgamento a arguida D. C., com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 12 de dezembro de 2019 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Parte Criminal

  1. Condenar a arguida D. C. pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art.º 205º nº 1 do CP na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, suspensão condicionada ao pagamento aos demandantes J. C. e M. T., no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da sentença proferida, da quantia de €5 000,00 (cinco mil euros).

  2. Custas pela arguida, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça, reduzida a 1/2 atenta a confissão integral e sem reservas.

    Parte Cível

  3. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes J. C. e M. T. parcialmente procedente e, em consequência, condenar a demandada D. C. a pagar aos demandantes a quantia de €6 200,00 (seis mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o trânsito em julgado da sentença proferida até integral pagamento.

    Custas por demandantes e demandada na proporção do decaimento.

    *Após trânsito, remeta boletim à DSIC.

    Proceda-se a depósito (art. 372.º, n.º 5 do CPP)»*Inconformada, a arguida interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: 1. «Sendo tipificado como crime de abuso de confiança nos termos do artigo 205º do Código Penal: 1ª – O crime de abuso de confiança consiste no descaminho ou dissipação de qualquer coisa móvel, que ao agente tenha sido entregue, de forma licita e voluntária, por título e com um fim que o obrigaria a restituir essa coisa ou um valor equivalente.

    1. Não pode existir o preenchimento do tipo objetivo se à arguida não foi entregue qualquer coisa móvel.

    2. Ou seja, o dinheiro dos Assistentes foi entregue à Mediadora, e não à aqui arguida.

    3. Depois de entrar na conta bancária da imobiliária, a arguida não incorporou os montantes em causa na sua esfera patrimonial.

    4. Nem a mediadora se recusou a devolver os montantes em causa, assim que a sua situação financeira o permitisse.

    5. Pelo que, não guardando a arguida dinheiro dos ofendidos não poderia estar preenchido o elemento do tipo de crime de abuso de confiança.

    6. Pelo que, do ponto de vista jurídico é profundamente errado confundir a arguida com a empresa mediadora, e condená-la à devolução de um montante que nunca recebeu na sua esfera pessoal.

      Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto provada, requer a eliminação dos considerandos constantes do ponto 10, ponto 12, ponto 13 e ponto 14 da matéria dada como provada na sentença com fundamento na prova supra considerada.

      Mais suscitando a insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 410º do CPP, existe, porquanto a matéria de facto provada ser insuficiente para a formulação de uma solução correta de direito, dado não conter todos os elementos necessários à mesma, como supra se requer. Desde logo por não preenchidos todos os elementos do tipo relativamente ao crime e na matéria civil por não haver indicação sobre a matéria de facto que levou o tribunal a condenar a arguida no pagamento da quantia de 6.200,00€ acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde o trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento.

      Tendo sida perdida a eficácia da prova produzida resulta que inexiste prova nos autos de onde possa emergir a condenação da arguida.»*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, com o regime e efeito adequados.

      A Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pelo não provimento do recurso.

      Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, igualmente no sentido da improcedência do recurso.

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.

      Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

      *II. FUNDAMENTAÇÃO Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (1).

    7. Questões a decidir A.

      Impugnação da matéria de facto descrita nos pontos 10, 12, 13 e 14 dos Factos Provados.

      B.

      Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por esta não integrar o tipo objetivo do crime de abuso de confiança pelo qual a arguida foi condenada e não haver indicação sobre a matéria de facto que levou à condenação cível.

      *2. Factos Provados Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida.

      Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. A arguida D. C. é a única sócia e gerente da sociedade D. C. - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., que se dedica à mediação imobiliária, actuando no giro comercial com a denominação X.

      2. Em data próxima do dia 08/08/2017, os ofendidos J. C. e M. T., casados, dirigiram-se às instalações da sociedade acima referida, com o propósito de adquirirem um apartamento.

      3. Foi-lhes, então, apresentada a fracção autónoma designada pela letra BD, apartamento nº .., destinado a habitação, do tipo T2, lado sul/nascente, com a entrada pelo nº .. e um lugar de aparcamento na cave, designado pelo nº3, que faz parte do imóvel em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Braga, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….

      4. Mostrando-se os ofendidos interessados na aquisição da mencionada fracção, no dia 08/08/2017, na presença da arguida D. C., assinaram um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual se comprometiam a comprá-la a T. F., proprietária do referido imóvel, e esta se comprometia, em contrapartida, a vendê-la aos ofendidos, pelo preço de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), devendo a escritura de compra e venda ser outorgada no prazo máximo de 30 dias, a contar da data da assinatura do contrato-promessa.

      5. Nos termos do referido contrato, por conta do pagamento do preço e ainda como sinal, os ofendidos entregaram, naquela data, à arguida um cheque com o n.º 5353573975, sacado sobre o Banco …, emitido não à ordem de D. C. – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).

      6. Tal cheque foi depositado, no dia 09/08/2017, pela arguida na conta bancária aberta junto do Banco ..., com o n.º 010/200048665, titulada pela sociedade D. C. - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda.

      7. O contrato-promessa atrás referido apenas foi assinado pelos ofendidos, que nele figuravam como segundos outorgantes, porquanto a arguida D. C. comprometeu-se perante eles a recolher a assinatura do primeiro outorgante, J. F., que iria outorgar na qualidade de procurador da promitente-vendedora T. F..

      8. Não obstante a assinatura daquele contrato-promessa de compra e venda por parte dos ofendidos, até hoje, a arguida nunca logrou entregar-lhes uma via do mesmo assinada pela...

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