Acórdão nº 735/10.0GAPTL – A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução29 de Março de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1. No âmbito do inquérito n.º 735/10.0GAPTL, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Ponte de Lima, nos quais se investiga a eventual prática de um ou mais crimes de coacção, p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal, levados a cabo através de SMS`s do telemóvel da denunciada para o telemóvel da denunciante, efectuada, por determinação do Ministério Público, a transcrição das ditas mensagens, o Digno Magistrado titular do inquérito ordenou, invocando o disposto no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, a apresentação do telemóvel da denunciante, juntamente com a referida transcrição, ao JI.

  1. Perante o que o Mmº Juiz de Instrução proferiu o despacho que constitui fls. 7 a 14 dos presentes autos de recurso, no qual concluiu por não ocorrer motivo para a sua intervenção, considerando, assim, nada haver a determinar.

  2. Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. A Lei do Cibercrime é aplicável aos autos ao abrigo das disposições conjugadas dos seus artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 2.º, alíneas a) e b).

  3. No inquérito, o Ministério Público é a autoridade judiciária competente para ordenar a pesquisa de dados informáticos (sms`s) num sistema informático (telemóvel), nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime.

  4. A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público e, nessa medida, é este quem tem de avaliar os elementos que se afiguram relevantes para a investigação de um crime.

  5. Por esse motivo, é o Ministério Público quem deve tomar conhecimento, em primeira – mão, dos sms`s armazenados no telemóvel, decidindo quais (ou se algum) se afiguram úteis à produção de prova e interessam para a descoberta da verdade material.

  6. Se se afigurarem úteis, o Ministério Público apreende provisoriamente os elementos que interessam e apresenta-os ao juiz para que este, se assim o entender, ordenar a apreensão definitiva dos mesmos, juntando-os aos autos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º e 16.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime.

  7. O despacho do Ministério Público não é suficiente para conferir legalidade/licitude à junção dos sms`s aos autos.

  8. A intervenção do juiz é obrigatória, tal como dispõem os artigos 17.º e 16.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime, e 179.º do Código de Processo penal.

  9. A falta desta intervenção torna a prova recolhida no telemóvel nula, não podendo por isso ser utilizada, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

    Face ao exposto, A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que determine a competência do juiz de instrução para apreciar a apreensão provisória levada a cabo pelo Ministério Público, em ordem a ordenar (ou não) a junção aos autos da prova recolhida no telemóvel, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º e 16.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3, 2.ª parte, do Código de Processo Penal.

    Só assim farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA! 4. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

  10. Na Relação o Ilustre Procurador – Geral Adjunto, sufragando os argumentos expendidos em 1.ª instância pelo recorrente, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

  11. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I – A Série, de 28.12.1995].

    No presente caso trata-se de saber se, encontrando-se em curso, em fase de inquérito, investigação com vista a apurar da eventual prática de um ou mais crimes de coacção, a apreensão dos registos de mensagens SMS guardadas em suporte digital no telemóvel da denunciante – encontradas no decurso de pesquisa informática – carece, ou não, da intervenção do Juiz de instrução.

  12. O despacho recorrido É o seguinte o teor do despacho recorrido: “ No caso dos autos, como se refere na douta promoção de fls. 4, investiga-se a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1, do Código Penal.

    Na sequência da investigação em curso, veio o Ministério Público requerer a validação da apreensão das mensagens SMS, relevantes para a presente investigação, que fossem encontradas no telemóvel da ofendida, Lucília Lima, a operar com o n.º 968553461.

    Depois de melhor compulsado e estudado o âmbito e regime da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, - designadamente no confronto com o regime previsto no art. 189.º do C.P.P. – é tempo de aprofundar a razão de ser e, com base nisso, o rigor operatório dos conceitos que, sobretudo a nível processual, o legislador decidiu utilizar na “criação” de alguns dos institutos probatórios que constam do Capítulo III da citada Lei (como forma de transpor para a ordem jurídica nacional a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro).

    Mas vejamos: § 1. O art. 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, prevê que: “O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes”.

    Com a reforma de 2007, o legislador manteve a intenção (que já vinha do direito pretérito, de abranger pelo âmbito da protecção do regime das escutas telefónicas qualquer forma de comunicação que implique a transmissão de dados por via telemática (aparecendo aqui, profundamente descontextualizada a comunicação entre presentes).

    Contudo, nesta nova redacção do citado preceito, faz-se expressa menção à intenção de abranger no predito regime o conteúdo das transmissões “mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital” (na senda, segundo parece, do entendimento perfilhado pelo Ac. do STJ de 20/09/2006, in CJ, XIV, t. 3, p. 189).

    Entendem, por isso, os autores (cfr. Paulo Dá Mesquita, in Processo Penal, Prova e Sistema Judiciário, fls. 91/92, citando ainda Pedro Verdelho e Paulo Pinto de Albuquerque) que o legislador, com o dito acrescento, pretendeu ampliar o âmbito de tutela do regime das escutas às situações em que, mesmo depois de cessado o estrito acto comunicacional (isto é, o envio electrónico), o produto desse acto, isto é, os dados (informáticos) recebidos, lidos e armazenados no suporte digital, já se tenha autonomizado do acto comunicacional propriamente dito.

    Dizendo-se de outro modo, e reportando-nos directamente ao caso em apreço, quer a mensagem esteja a ser recebida ou não, quer já tenha sido lida ou não, i.e. mesmo depois de recebida, lida e guardada, a sua utilização probatória só pode ser feita se autorizada pelo juiz. (Neste mesmo sentido, cfr. Costa Andrade, no estudo designado “Bruscamente no verão passado”, a reforma do Código de Processo Penal – Observações criticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, in RLJ, ano 137º, n.º 3950 e 3951, pp. 353/354. Este autor, depois de dar conta do erro crasso da formulação normativa, aventando a possibilidade de se proceder a uma interpretação restritiva (ou correctiva, o que vai dar ao mesmo) da dita norma logo destaca que “não pode, na verdade, esquecer-se que uma interpretação restritiva com este sentido e alcance [i.e., de sorte a afastar a aplicação do regime das escutas aos documentos vertidos em suporte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT