Acórdão nº 1052/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2007

Data19 Novembro 2007

Acordam, em audiência, os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO: Tribunal Judicial de Ponte do Lima – 2.º juízo (Comum Colectivo n.º 247/05.3GBPTL).

RECORRENTE: L RECORRIDO : Ministério Público OBJECTO DO RECURSO : Por Acórdão de 6.03.2007, proferido no processo em epígrafe (fls. 294 a 311), foi decidido condenar a arguida L pela prática, em autoria material na forma consumada, de um crime de homicídio simples, p.p. pelo art. 131º do Cód. Penal, na pena concreta de 10 anos de prisão.

Inconformada veio a arguida recorrer, apresentando as seguintes Conclusões: (por economia, serão expostas no local do seu conhecimento).

***Admitido o recurso, respondeu o magistrado do M.P.º na 1.ª instância, pugnando pela manutenção do julgado.

***Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado parcialmente procedente, pois a matéria de facto dada como provada deverá manter-se intangível já que plenamente sustentada na prova produzida em audiência de julgamento, e só assim não é no que concerne ao segmento constante do nº 12 dos factos provados modificando-se a referência “Na noite de 04 para 05/12/2005…” para “Na noite de 07 para 08/12/2005…”, e não verificados os vícios previstos no art. 410, nº2, alíneas a) e c) do C P Penal, mas, entende que os factos dados como provados justificam a sua integração na hipótese típica do crime de homicídio privilegiado, tendo em vista a circunstância “desespero”, mas, se o privilegiamento não colher verificação, então a pena que caberá ao crime de homicídio simples deverá ser especialmente atenuada, nos termos do art. 72, nº2, al. b) do CPenal, por a arguida se ter determinado por motivo honroso; em todo o caso, a pena a aplicar àquela deverá situar-se nos 4 anos de prisão.

***Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

***Colhidos os vistos legais, e realizada a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, cumpre decidir.

***Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.

A recorrente suscita as seguintes questões: - Erro notório na apreciação da prova pois há desconformidade entre o que ela confessou e o que o tribunal deu como provado.

- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - Errada qualificação jurídica dos factos (há homicídio por negligência ou até infanticídio) Cumpre agora decidir: Com interesse para a decisão dos autos foram os seguintes os factos dados como provados e não provados no acórdão recorrido, bem como a respectiva fundamentação: “Factos Provados 1. - A arguida é solteira e vive em casa dos seus pais, juntamente com estes e com dois irmãos (um irmão e uma irmã).

  1. - Desde data não concretamente apurada, mas que se sabe ser em 2002, a arguida iniciou um relacionamento de cariz amoroso com um indivíduo, referenciado como sendo C, casado com uma colega de trabalho daquela, com ele mantendo relações sexuais de cópula completa de forma esporádica.

  2. - Logo após uma zanga tida com o C, a arguida iniciou um outro relacionamento com um indivíduo referenciado como sendo M, também casado com uma (outra) colega de trabalho da arguida, e com o qual também foi mantendo relações sexuais de cópula completa de forma esporádica.

  3. - Em consequência de um ou outro dos referidos relacionamentos, a arguida, contra a sua vontade, ficou grávida.

  4. - Desconhecia a arguida qual o pai da criança que gerava uma vez que, durante o período em que ocorreu a fecundação, deixou de se relacionar sexualmente com o C e começou a relacionar-se sexualmente com o M.

  5. - Por força desta circunstância, temendo também quais fossem as reacções dos seus familiares e mesmo dos seus dois referidos parceiros, a arguida procurou manter segredo da sua gravidez, continuando, inclusivamente, durante ela, os relacionamentos sexuais supra referidos, sem que os seus parceiros dela se apercebessem.

  6. - Para tal segredo, procurou a arguida ocultar os sinais da gravidez, usando roupas largas, e, deste modo, escondendo o volume do seu ventre que, natural e progressivamente, ia aumentando.

  7. - Não obstante tais esforços, a gravidez da arguida não era ignorada, designadamente pelos seus familiares, vizinhos e colegas de trabalho.

  8. - Tendo a mesma sido comentada e assumida no local de residência da arguida, pelos seus familiares e vizinhos, bem como no seu local de trabalho e no café por si frequentado, café “S”, sito na freguesia de A, local habitualmente frequentado pela arguida.

  9. - E, grosso modo, de forma generalizada na vila da sua residência.

  10. - Durante a gravidez, a arguida nunca recorreu a quaisquer serviços médicos — hospitais, centros de saúde ou médico(s) particular(es) -, tendo a mesma decorrido com normalidade.

  11. - Na noite de 4 para 5 de Dezembro de 2005, à 1h00, a arguida, encontrando-se em casa, no seu quarto, começou a sentir dores de parto.

  12. - Na mesma casa, pernoitavam, nos quartos respectivos, os seus pais e o seu irmão.

  13. - Apesar disso, a arguida não solicitou ajuda de quem quer que fosse.

  14. – Dirigiu-se a uma pequena divisão da casa, com área aproximada não superior a 1m2, e onde tão-somente existe uma latrina.

  15. – E aí chegada, sentou-se na dita latrina e começou a fazer força com o seu corpo, ao mesmo tempo que controlava a respiração, tudo de modo a expelir o bebé.

  16. - Agia do modo e no local descritos por forma a que o bebé, quando nascesse, caísse pela latrina.

  17. - Através de um cano de 18 cm de diâmetro, o qual estava ligado em linha recta desde aquela (latrina), localizada no primeiro andar do prédio onde a casa se inscreve, até a um vácuo que dá para uma pequena divisão, com 3,5 (três e meio) m2 de área aproximada, situada no rés-do-chão do prédio.

  18. - Em consequência dos descritos esforços, a arguida, na madrugada do dia 5 de Dezembro de 2005, entre as 01h00 e as 5h00m, deu à luz, com vida, uma criança de termo, do sexo feminino, registada com o nome de M, conforme assento de nascimento nº ---.

  19. - Que assim foi precipitada desde a identificada latrina onde a arguida se encontrava sentada, localizada no 1º andar da casa, até ao chão onde desagua o esgoto da mesma, na pequena divisão supra descrita, sita no rés-do-chão do prédio.

  20. - A uma altura não inferior a 2,5 m (dois metros e meio).

  21. - A M veio assim a cair no meio dos dejectos que aí se amontoavam.

  22. - O cordão umbilical rasgou-se em consequência da queda.

  23. - Após, a arguida dirigiu-se à cozinha a fim de buscar uma faca, o que fez, e com a mesma cortou a parte do cordão umbilical que ficou a pender da sua vagina, tendo-o atirado, pela janela da cozinha, para um rio que passa pelas traseiras da casa.

  24. - Depois, dirigiu-se à dependência do rés-do-chão para onde caiu a neonata e, verificando que a mesma chorava um pouco, assim a deixou no mesmo local, tal como tinha caído.

  25. - A arguida não prestou à M os elementares e necessários cuidados, nomeadamente: a. limpeza das vias respiratórias; b. colocação em posição conveniente à respiração; e c. laqueação do cordão umbilical.

  26. - A arguida abandonou o espaço onde a bebé se encontrava e subiu ao 1º andar da casa, dirigindo-se novamente à cozinha para se limpar, e, após, foi dormir para o seu quarto.

  27. - Entre as 5h00m e as 05h30m, acordou para ir à casa-de-banho e, no percurso, caiu-lhe a placenta, que, à semelhança do que havia feito com a parte do cordão umbilical que lhe havia ficado a pender da vagina, atirou para o rio que ali passa.

  28. - Regressou ao quarto, voltando a dormir.

  29. - Em consequência directa e necessária das acções por si empreendidas, designadamente: a. da queda; b. da falta dos cuidados elementares e necessários, designadamente dos supra elencados em 26; c. e do acondicionamento impróprio e nocivo a que foi votada, veio a M, sua filha recém-nascida, a sucumbir, perdendo a vida, o que sucedeu entre as 00h00 e as 07h00.

  30. - A arguida, entre as 7h00m e as 8h00m, levantou-se novamente, pegou numa camisa do seu irmão e numa toalha de rosto, dirigiu-se à divisão onde se encontrava a M, já cadáver, facto de que deu conta a arguida.

  31. - De seguida, procurando livrar-se do corpo da M, embrulhou-a totalmente com tais roupas, pegou nesta, assim embrulhada, e dirigiu-se para o interior do veículo automóvel com a matrícula X, marca Y, da propriedade da sua irmã.

  32. - Ao volante desta viatura, seguiu na direcção de C, e dali em direcção a V, passando pelo F, em P, e aí chegada, virou para o Monte de S., sito na freguesia do F, em direcção à Capela.

  33. - No recinto desta Capela, visualizando tal local, ermo e isolado de quaisquer construções habitacionais.

  34. - Decidiu-se a depositar o corpo da M no interior de um coreto que existe nas suas imediações, debaixo de um banco de pedra.

  35. - O que fez, aí deixando o corpo da bebé, totalmente embrulhado nas condições descritas.

  36. - A arguida, ao praticar os factos descritos, agiu com o propósito de tirar a vida à M, sabendo que a sua conduta era idónea a atingir tal propósito.

  37. - Pelo que, com este desiderato, a arguida precipitou a neonata do modo acima descrito, lançando-a pela latrina em vista a que caísse no piso de baixo, onde eram largados e aí se encontravam os dejectos próprios da defecação, entre outros detritos.

  38. - Aí a deixando, entre tais dejectos.

  39. - Assim lhe dando, depois da queda, um acondicionamento impróprio e nocivo.

  40. - Após, foi dormir, deixando a M, no descrito local.

  41. - Nunca lhe tendo prestado os mais elementares e necessários cuidados, nomeadamente limpeza das vias respiratórias, colocação em posição conveniente à respiração e laqueação do cordão umbilical.

  42. - A arguida sabia que mais ninguém ali, naquele local, encontrando-se a M assim fechada, lhe prestaria auxílio, nem os necessários socorros para sobreviver.

  43. - Mais sabendo que esta deles necessitava estando completamente dependente de terceiros, atenta a sua condição de...

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