Acórdão nº 115/02.0TAFAF de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução08 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório [1] Por sentença proferida em 13/03/08 nos presentes autos com o NUIPC 115/02.0TAFAF, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, foi o arguido M.P. condenado pela prática de um crime p. e p. pelo artº 254º, nº1, al. a) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), perfazendo a multa global de €800,00 (oitocentos euros). Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante/assistente M. M. F. L. C. F. e condenado o arguido/demandado a pagar-lhe a compensação de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

[2] O arguido recorreu para esta Relação, vindo a ser decidido, por acórdão de 15/09/2008, declarar a nulidade da sentença recorrida e determinar a prolação de nova sentença que obedecesse completamente ao disposto no artº 374º, nº2, do Código de Processo Penal.

[3] Regressado o processo à 1ª instância, em 03/11/2009 foi proferida nova sentença, na qual voltou o arguido a ser condenado pela prática de um crime p. e p. pelo artº 254º, nº1, al. a) Pese embora se aluda na sentença à alínea b) do preceito, trata-se de lapso de escrita evidente.

do Código Penal, mas agora em pena e em indemnização distinta, designadamente na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), perfazendo a multa global de €1.000,00 (mil euros), e na compensação de €2.000,00 (dois mil euros).

[4] Inconformado, veio o arguido recorrer para esta Relação, deixando a seguinte síntese conclusiva: 1°- O ora recorrente não se conforma com a douta sentença que o condenou, pela prática de um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, p. e p., pelo artigo 254º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 10,00 e no pagamento da quantia de €2.000,00, a título de indemnização civil, proferida após determinação deste Tribunal para que em nova sentença se sanasse o vício de falta de fundamentação.

  1. - O Tribunal "a quo" incorreu num erro de julgamento da matéria de facto, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 1., 2., 3. e 5.

  2. - Dentre toda a prova produzida em audiência de julgamento, o depoimento do executor material da limpeza ao jazigo, registado na fita magnética n.° 1, lado A, do n.° 201 ao n.° 417, é a chave mestra para se apreciar da prática ou não do ilícito penal: 4°- É o único que conhece as instruções dadas; e 5°- É o único que "conhece" a limpeza executada e o modus operandi.

  3. - Testemunha que declarou que apenas lhe foi pedida a limpeza por quem era proprietário do jazigo e que exibiu a licença camarária para a mesma limpeza — o arguido — e que não disse para retirar quaisquer cadáveres ou ossadas e que, porventura, nem sabia da sua existência. Mais declarou que colocou o caixão com as ossadas intactas, junto ao jazigo.

  4. - As declarações prestadas em sede de inquérito pela testemunha, entretanto, falecida, não podem, desde logo, ser valoradas, pois que a sua leitura não é permitida — artigo 125° C.P.P. conjugado com o n.º 4 do artigo 365° do mesmo diploma — uma vez que não foram prestadas perante juiz ou Ministério Público.

  5. - Independentemente disso, a testemunha limitou-se a corroborar as declarações do colega que veio a retirá-las, em sede de audiência de julgamento, momento em que já sabia que lhe não seria assacada qualquer responsabilidade penal, o que, em momento anterior, ou seja, em fase de inquérito, temeria, pois que havia sido ele, ao lado do coveiro falecido, co-autor dos factos.

    Assim, de toda a prova produzida 9°- Não resultou provado que o arguido tivesse dado "indicações (aos coveiros) para que procedessem à limpeza do jazigo, nomeadamente que retirassem do mesmo os cadáveres ou as partes deles que aí se encontrassem.

  6. - Não resultou provado que os coveiros tivessem retirado as ossadas e as tivessem colocado num espaço, na terra; pelo contrário, resulta do depoimento do coveiro que as ossadas ficaram intactas, dentro do caixão, e junto ao jazigo.

  7. - Não resultou provado que "O arguido sabia que na sepultura em questão se encontravam depositados cadáveres.".

  8. - Aliás, não resultou provado que ali houvesse qualquer cadáver, mas tão só ossadas.

  9. - Como não resultou provado que o arguido tivesse agido em desrespeito pelos sentimentos pelos defuntos.

  10. - Uma vez mais, a fundamentação da sentença peca por vício de falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 3740, n.° 2 e 379°, n.° 1, al. a), ambos do C.P.P.

  11. - O Tribunal "a quo" baseou-se apenas na dita "experiência comum", pois que manteve ipsis verbis a fundamentação no que respeita ao depoimento da ofendida M. F. e, relativamente ao depoimento do coveiro A. R., ficou-se por afirmar a calma e simplicidade do seu depoimento, não demonstrando de que forma o conteúdo dos mesmos depoimentos serviu para alicerçar a factualidade apurada e, concretamente, a factualidade ora posta em crise, pois como supra alegado, em nosso modesto entendimento, essa tarefa não é possível...

  12. - No que toca ao aditamento acerca das declarações lidas, em audiência de julgamento, do coveiro, entretanto, falecido, dá-se aqui por reproduzido o supra alegado sob os pontos 7 e 8 das conclusões.

  13. - Do supra exposto resulta que se mantém o vício, porquanto não é possível compreender o itinerário cognitivo do tribunal 18°- Ainda, é errada a subsunção dos factos à previsão do artigo 254°, n.° 1, al. a) do Código Penal.

  14. - O arguido não subtraiu, destruiu ou ocultou cadáver ou parte dele ou cinzas de pessoa falecida, porquanto em momento posterior à ordem de limpeza do jazigo, os coveiros limitaram-se a manter as ossadas dentro do caixão, intactas, e junto ao jazigo, nunca as retirando da guarda de quem sobre elas tem direito e sabendo precisar o local exacto onde se encontram.

  15. - Como, igualmente, o arguido não violou o respeito devido aos mortos - elemento constitutivo do tipo legal de crime -, conforme decorre do explanado acerca do ponto 5 dos Factos Provados; entendimento, aliás, sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto, nos Acórdãos n.° JTRP00009699 e JTRP00031694, ambos em www.dgsi.pt.

  16. - Donde se impõe a absolvição do arguido.

  17. - Finalmente, o agravamento da medida da pena e do quantum indemnizatório é violador da lei processual e da Lei Fundamental.

  18. - A razão de ser do princípio da reformatio in pejus, contido no artigo 409° do C.P.P., tem plena aplicação ao caso concreto, sob pena de que o exercício de um direito de defesa redunde em dano da própria defesa.

  19. - Conforme foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 236/2007, julgou-se " inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido".

  20. - O caso dos autos assume ainda maior gravidade por maior ser a violação, pois que o julgamento é um só — este Tribunal apenas determinou que o Tribunal "a quo" proferisse nova sentença, para sanação do vício de falta de fundamentação -, a matéria de facto está fixada, isto é, está assente, segundo o Tribunal "a quo", a ilicitude e a culpa e as respectivas medidas, como assim, não resulta dos autos a apreciação de uma eventual alteração (melhoramento) da situação económica e financeira do arguido.

  21. - Em sede de fundamentação daquele Acórdão, entre várias outras citações, designadamente de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, pomos em relevo o estudo de Jorge Dias Duarte, "Proibição da reformatio in pejus, Consequências processuais": "a actual compreensão do processo penal como um processo equitativo, em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do processo, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas, como um princípio dos recursos, mas como um princípio de todo o processo; de tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto recurso apenas pelo arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido), tal recurso estabelece um limite à actividade jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alterar a decisão em desfavor do arguido (repete-se, único) recorrente; tal limite será plenamente operante mesmo para os casos em que o arguido tenho suscitado uma questão que implique a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, que não poderá(ão) condenar em pena mais grave do que aquele que é posta em causa no recurso, pois esta é, aliás, a única forma a obviar à possibilidade da reformatio indirecta, isto é, consiste na única forma de impedir que o tribunal do novo julgamento ou de reenvio tenho mais poderes que o tribunal de recurso não tinha".

  22. - Pelo que, a não ser o arguido absolvido, o que não se concebe, sempre deverá a medida da culpa e o quantum indemnizatório ser mantido ou reduzido, relativamente à primeira das sentenças proferidas.

    Termos em que, revogando a douta sentença e, consequentemente, absolvendo o arguido, fará este Venerando Tribunal, como sempre, Justiça [5] O Ministério Público, através do Sr. Procurador-adjunto junto do Tribunal a quo, apresentou resposta, na qual, em síntese, considera a prova foi correctamente ponderada e que não foi infringida proibição da reformatio in pejus, porque permitida pelo artº 409º, nº2 do CPP a alteração da taxa diária de multa, pese embora injustificada no caso concreto. Termina pela revogação da decisão recorrida nessa parte.

    [6] Por seu turno, a assistente respondeu, defendendo o acerto da decisão e a improcedência do recurso.

    [7] Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

    [8] Colhidos os vistos, procedeu-se a conferência.

    1. Fundamentação 2.1. Delimitação do objecto do recurso [9] É pacífica a doutrina e...

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