Acórdão nº 21/06.0GAFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2010
Magistrado Responsável | CRUZ BUCHO |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2010 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I - Relatório No processo comum singular nº 21/06.0GAFLG do 2º Juízo do Tribunal Judicial Felgueiras, por sentença de 29 de Julho de 2008, os arguidos Paulo M..., Adolfo G... e Inácio M..., todos com os demais sinais dos autos, foram condenados: a) o Paulo M..., “como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no art. 347º do Código Penal, na pena de 12 (DOZE) meses de prisão.” b) o Adolfo G..., “como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no art. 347º do Código Penal, na pena de 12 (DOZE) meses de prisão.
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o Inácio M...
“como autor material de um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo art. 6 n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27/06, na pena de 18 (DEZOITO) meses de prisão.”*Os arguidos/demandados Paulo M..., Adolfo G..., e outros foram ainda condenados, solidariamente, a pagar, com juros de mora à taxa de 4%, contados desde a notificação: «- A cada um dos demandantes Renato F..., Luís V..., Jorge R... e Pedro F..., a quantia de € 2.000 (dois mil euros), absolvendo-os dos pedidos na parte restante.
- Ao demandante António F..., a soma de € 1.000 (mil euros) peticionada, que por expressa vontade do demandante, reverterá a favor da IPSS “Cercifel”.
- Ao demandante Estado/Português a soma de € 363 (trezentos e sessenta e três euros) peticionada.»*Inconformados com tal sentença, os arguidos Paulo M..., Adolfo G... e Inácio M... dela interpuseram recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1. Na sentença aqui posta em crise foram dados como provados factos que não o poderiam ter sido face à prova produzida em audiência, foram os arguidos condenados pela prática de crimes que não cometeram, e sem prescindir, as penas aplicadas são excessivas, pelo que se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito; 2. Na Sentença aqui posto em crise foram violados os princípios da presunção da inocência, da verdade material, da legalidade, da livre apreciação da prova, e também o dever de isenção e imparcialidade; 3. Na sentença aqui posto em crise os arguidos Adolfo, Paulo e Inácio foram estes condenados, respectivamente, na pena única de 12 (DOZE) meses de prisão, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no art. 347° do Código Penal, na pena única de 12 (DOZE) meses de prisão, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no art. 347° do Código Penal e na pena única de 18 (DEZOITO) meses de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo artigo 6°, n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27/06, bem como, nas custas do processo e ainda nos pedidos de indemnização civil, no montante unitário de € 2.000 e ainda € 363 ao demandante Estado Português; 4. Não podemos deixar de começar por salientar, a este respeito, e a título de questão prévia, que, na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente - o que não teve - que, tal como preceitua o artigo 32°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação ( ... )", e que deste principio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR, que "partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente ( ... ), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida" (JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), Derecho Penal. Parte General,2002, pág. 231).
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Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNANDEZ LÓPEZ, Prueba y presuncion de inocência, 2005, pág. 143 e nota 89). No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd NEVIO SCAPINI, La prova per indizi nel vigente sistema de processo penal, 2001, pago 2); 6. E nestes autos claramente devera ter sido ditada uma absolvição uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação aos arguidos dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no art. 347° do Código Penal e do crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo artigo 6°, n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27/06; 7. A prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento foi confusa, pouco coerente, contraditória, sendo também diminuta e despicienda a prova indiciária reunida e analisada em audiência; 8. Ora, naturalmente, neste tipo de processo, tendo em conta os concretos crimes em causa, teria o tribunal que proceder com o maior cuidado, objectividade, isenção e rigor, evitando a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto ou dos próprios crimes; 9. Mais deveria a convicção ser adquirida através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, no máximo respeito pelo princípio da presunção da inocência e da verdade material e da legalidade. Mais deveria ter sido respeitado o dever de isenção e imparcialidade. Mesmo que, na convicção dos julgadores, o respeito destes princípios e deveres pudessem resultar na eventual impunidade de uma agente de um crime; 10. Contudo, infelizmente, o respeito desses princípios e desses deveres que se impunham e que deveria ter sido consagrados na douta sentença, não ocorreu. E não aconteceu só no julgamento, mas em todo o processo, desde o inquérito até a prolação da douta sentença que aqui pomos em crise. Mas é só desta último que aqui recorremos pelo que só a esta nos vamos cingir; 11. O Tribunal, na formação da sua convicção, não teve, antes de mais, o cuidado de cotejar - ou fê-lo de forma insuficiente e deficiente - toda a prova documental com a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento. Aliás, para além de não ter tido esse cuidado e rigor nesse cotejo, também não teve o tribunal, sequer, cuidado e rigor exigível na analise individual dessas provas e, muito menos, na produção de um juízo crítico e sua descrição e explanação, por forma a que o mesmo seja conhecido e habilite uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório; 12. O tribunal a quo sublinhe-se fez, com o devido respeito que é devido a Mma. Juiz, uma muito pouco cuidada e errónea analise individual dessas provas, particularmente da prova testemunhal, dando como provados factos que não o podiam ser e interpretando e atribuindo versões, na douta "indicação probatória", alegadamente trazidas a juízo pelas testemunhas mas que, salvo melhor opinião, não têm correspondência com a realidade; 13. Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto vertida nos artigos 1º, 2°, 4°, 5°, 6°, 9°, 12º, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 2r, 22°, 23°, 25° os quais aqui se dão, por brevidade, por reproduzidos e integrados para todos os efeitos legais; 14. Acresce que, e sem prescindir o que infra se dirá e a análise critica que se fará, é nosso entendimento, salvo o devido respeito e melhor opinião, que foram dados como provados factos vertidos nos supra citados artigos - os quais não estavam descritos na douta acusação pública, com relevo para a decisão da causa - cfr. libelo acusatória e factos dados como provados -, sem que tivesse sido cumpridos os imperativos legais (art.s 358º e 359º), pelo que desde logo se afigura que a sentença aqui posta em crise é nula, nos termos do artigo 379°, n.º 1, alínea b). do Código Processo Penal; 15. Toda a prova produzida impõe decisão diversa sobre a matéria de facto dada como provada, nomeadamente há, da parte dos arguidos Paulo e Adolfo, através da sua contestação e o último também em declarações prestadas em sede de audiência, negação da prática dos crimes dos autos.
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O arguido Adolfo nas supras citadas declarações, prestadas na audiência de 19-06-2008, apresentou uma versão totalmente díspar da versão apresentadas pela globalidade dos agentes da G.N.R., a qual se encontra gravada em CD, com o registo n.º 1, e que aqui se dá, por brevidade, por reproduzida e integrada para todos os legais efeitos. Nessa versão, que se afigura credível, o arguido no essencial negou a pratica dos crimes, negou que nas circunstâncias de tempo e lugar descritos no libelo acusatório não se encontrava sequer na festa que decorria no bairro, mas sim em casa, local onde veio a ser detido; 17. Ora, este depoimento, de acordo com douta motivação do Tribunal a quo, não foi sequer va1orado, positiva ou negativamente, o que a ter acontecido certamente que permitiria ter dado como não provados os factos vertidos nos supra identificados artigos; 18. Acresce que, os depoimentos das testemunhas Renato F..., Pedro F..., António F..., Ana J..., Jorge R..., José P..., Paulo L..., Hélder M..., Luís V..., José B... e Paulo N..., todos agentes da G.N.R., e sem prescindir o que infra se dirá sobre a notória deficiência de apreciação dos seus depoimentos pelo Tribunal a quo, depuseram, no nosso entendimento e respeitando naturalmente opinião diversa, de forma contraditória...
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