Acórdão nº 990/19.0T8EVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

Por Acórdão datado de 10 de setembro de 2019, e transitado em julgado em 10 de outubro do mesmo ano, foi o arguido AA, melhor identificado nos autos, condenado, em cúmulo jurídico, resultante das penas parcelares de prisão que lhe haviam sido aplicadas nos processos nº 584/18...., do Juízo Local Criminal ...- J..., e 24/17...., do Juízo Local Criminal ...- J..., na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social e no cumprimento das seguintes sanções acessórias:

  1. Proibição de contactos durante o período correspondente à suspensão da execução da pena, por qualquer meio, com BB, salvo no que for estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos comuns menores de idade, bem como proibição de permanência na residência da ofendida, no respetivo local de trabalho e em qualquer local onde esta se encontre, a menos de 200 (duzentos) metros de distância da mesma. O cumprimento de tal pena acessória será fiscalizado através de meios eletrónicos de controlo à distância.

  2. Obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD) desenvolvido pela DGRSP, com a duração de 24 (vinte e quatro) meses.

  3. No pagamento a BB da quantia de € 900 (correspondente à soma das indemnizações parcelares fixadas em € 300 e € 600).

  1. Por despacho com a Referência Citius ...03, proferido em 18 de junho de 2022, foi determinada a revogação da suspensão da execução daquela pena de prisão e o cumprimento efetivo da mesma pelo arguido.

  2. O Digno Mº Pº, notificado de tal decisão, veio interpor o presente recurso pedindo a sua revogação, defendendo que, ao invés da revogação, deverá antes o Tribunal impor uma advertência solene ao condenado, nos termos da alínea a) do artigo 55º do CPenal, mantendo a suspensão da execução da pena de prisão, para o que apresenta as seguintes conclusões que extrai da sua motivação: (transcrição) 1. Nestes autos veio o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 56º nº1 al. a)do Código Penal, decidir a revogação da suspensão da pena de prisão que foi aplicada ao arguido AA.

  3. Entende o Ministério Público que foi aplicado o disposto no artigo 56º do Código Penal sem que estivessem reunidas as condições para o efeito, por se entender que não se mostram verificados os pressupostos de aplicação da revogação da pena suspensa, tudo isto em detrimento do disposto no artigo 55º do Código Penal.

  4. Entende ainda o Ministério Público que o Tribunal a quo decidiu sem que estivesse reunida toda a prova relevante para a decisão, conforme impunha o disposto no nº2 do artigo 495º do Código de Processo Penal.

  5. Para aplicação da suspensão da pena de prisão, o Tribunal entendeu que se verificava que o arguido se encontrava profissional e socialmente inserido, não possuindo quaisquer outros antecedentes criminais para além dos que aqui se apreciavam nos autos, e pelo exposto, considerou que a mera ameaça do cumprimento da prisão era suficiente para potencializar a sua ressocialização na comunidade, sendo igualmente adequada às necessidades de prevenção especial que arguido demonstrava carecer, tanto mais que tinha vindo a cumprir a pena acessória de proibição de contactos em que foi condenado, sendo legitimo ao Tribunal perspectivar que tal cumprimento se verificasse no futuro, pelo que fixou a pena numa única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social.

  6. O Plano da reinserção social identificou objetivos a alcançar pelo condenado: manter-se abstinente do consumo de bebidas alcoólicas, o reconhecimento dos fatores de risco associados à prática do comportamento violento e motivação para a mudança, aprendizagem e utilização de estratégias alternativas ao comportamento violento, nomeadamente nas relações de intimidade, e consolidar as estratégias de gestão de risco individuais e desenvolver um plano de prevenção de recaída do comportamento violento.

  7. Para atingir estes objetivos, o condenado, segundo este mesmo plano, deveria marcar e comparecer em consultas de alcoologia para diagnóstico e eventual tratamento, se for prescrito, e com a periodicidade determinada; Comparecer com assiduidade às entrevistas com técnico de reinserção social, colaborando pró-ativamente nos conteúdos abordados; Adotar condutas de relacionamento intrafamiliar adequadas no contexto vivencial atual, abster-se de novos comportamentos violentos, físicos e/ou verbais, em eventuais contactos a estabelecer com a vítima, participar de modo adequado no acompanhamento das filhas menores, cumprindo o que vier a ser determinado pelo Tribunal de família e menores; Participar com assiduidade e cumprir o regulamento de frequência da fase psico educacional de PAVD; Comparecer com assiduidade às entrevistas com o técnico de reinserção social, colaborando pró-ativamente na identificação de potenciais desencadeadores do comportamento violento e de estratégias de prevenção e gestão do mesmo.

  8. Para além do incumprimento qualificado previsto no artigo 56º do C. Penal (face ao mero incumprimento culposo a que se refere o artigo 55º), a revogação da pena de prisão suspensa depende ainda de aquele incumprimento revelar que “…as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderão, por meio dela, ser alcançadas”, condição esta que constitui um verdadeiro critério material da revogação da suspensão da pena (cfr Pinto de Albuquerque, Comentário do C. Penal 2008 p. 202).

  9. A revogação não é automática e só deve ter lugar quando o incumprimento dos deveres ou o cometimento do facto ilícito que determinou a condenação posterior revelarem que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem ser atingidas através dessa suspensão.

  10. Mal andou o Tribunal a quo, porquanto do facto de o condenado ter demonstrado um uso incorreto dos meios de controle de distância da proibição de contactos com a vítima, e do facto de ter faltado a algumas consultas de alcoologia, não se pode inferir que o arguido será incapaz de cumprir com as finalidades que o plano da DGRSP propunha alcançar.

  11. O douto Tribunal a quo não relevou a postura do arguido ao longo de todo o processo.

  12. O Tribunal a quo partiu de uma premissa errada dando por verificado o incumprimento das sanções acessórias, quando na verdade o arguido foi a várias consultas e deu início ao cumprimento do programa PAVD, que, entretanto, ficou suspenso como medida para evitar a propagação da doença COVID-19, ou seja por motivo não imputável ao arguido.

  13. Mal anda o Tribunal ao não dar qualquer relevo a parte importante da prova produzida nos autos, desde logo, os Relatórios da DGRSP que focam de forma positiva a postura do arguido, o facto de o arguido se encontrar atualmente em situação de sem-abrigo, e a circunstância de manter consciência da sua obrigação de permanecer afastado da vítima.

  14. Apenas o último Relatório se mostra mais preocupante, e como tal, afigura-se ao Ministério Público que uma advertência solene, nos termos do disposto no artigo 55º do Código Penal e que nunca foi feita ao condenado teria tido um efeito útil e responsabilizante na atitude do condenado.

  15. Os Relatórios demonstram no geral uma vontade em colaborar com os técnicos da DGRSP, pois não estamos, na verdade, perante uma pessoa que tenha demonstrado uma total falta de vontade em cumprir com as obrigações que lhe foram impostas, nem uma pessoa que se mostre totalmente adversa ao cumprimento do Plano.

  16. É notório nos autos que parte do plano não teve o devido seguimento, não por culpa do condenado AA, mas sim, porque estiveram suspensas diversas atividades (tais como a que devia cumprir o condenado do PROGRAMA PAVD) durante o período da pandemia, não podendo o arguido ser agora prejudicado por conta das suspensões do Plano devido ao estado pandémico mundial.

  17. Também facilmente se infere que, caso não estivessem suspensas as atividades durante quase dois anos devido à pandemia, o condenado há muito teria decerto cumprido com as suas obrigações no que concerne às atividades grupais do Programa PAVD.

  18. O Ministério Público entende que da prova existente nos autos, se retira que o condenado AA não colocou definitivamente em causa as finalidades da suspensão da pena, sendo assim, mal andou o Tribunal a quo.

  19. Os Relatórios da DGRPS existentes nos autos, não apontam um comportamento repetido de incumprimento dos deveres ou regras de conduta, nem indicam uma violação grosseira desses mesmos deveres.

  20. Repare-se que dos Relatórios retiramos sempre uma informação positiva, tal como: “apesar de adotar uma atitude recetiva face às orientações e advertências dos serviços da reinserção social, e de até à data não ter efetuado qualquer tentativa de contacto e/ou aproximação da vítima, o condenado AA tem evidenciado ligeiras dificuldades quanto à utilização do equipamento de vigilância eletrónico (..)” ; “Embora AA cumpra as obrigações a que se encontra sujeito e adira, formalmente, às atividades previstas no plano de reinserção social (..)”.

  21. Nestes autos encontra-se ainda concretamente identificada uma necessidade de o condenado frequentar consulta de psicologia e psiquiatria. Ora, tal circunstância leva o Ministério Público a emitir algumas reservas acerca do estado psicológico em que se encontrará atualmente o condenado e o que o terá levado a dizer aos técnicos de que não necessita do acompanhamento nas consultas de CRI.

  22. Diz o artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal que o Tribunal decide, depois de recolhida a prova e acerca da necessidade de o arguido recorrer às consultas de psicologia e psiquiatria e não foi pelo Tribunal a quo diligenciado no sentido de apurar o estado da frequência dessas consultas.

  23. Não se mostrando recolhida toda a prova, no Tribunal a quo...

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