Acórdão nº 918/18.4JALRA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo comum n.º 918/18.4JALRA do Juízo Central Criminal ..., Comarca ..., o arguido AA foi submetido a julgamento, após ter sido pronunciado da prática, como autor material e em concurso real, dos seguintes crimes: - Vinte crimes de coação sexual agravada, p. e p. nos artigos 163.º, n.º 1 e 177, n.º 1, alínea b), n.º 6 e n.º 8, ambos do Código Penal; - Um crime de violação agravado, p. e p. nos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177, n.º 1, alínea b), n.º 6 e n.º 8, ambos do Código Penal; - Um crime de violação agravado na forma tentada, p. e p. nos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 164.º, n.º 1, alínea a) e 177, n.º 1, alínea b), n.º 6 e n.º 8, todos do Código Penal; - Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1 e n.º 2, este referido ao artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e g), todos do Código Penal.

Realizada a audiência, na qual foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos e uma alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, e facultado o exercício do direito ao contraditório nos termos e para os efeitos previstos no artigo 82.º-A do CPP no sentido de que a matéria factual da acusação é susceptível de consubstanciar a prática pelo arguido, em autoria material, não de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. peio artigo 171°, n°. 1, do Código Penal e de três crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.°, n.ºs 1 e 3, al. a) e 170°, ambos do Código Penai, conforme o mesmo se encontrava acusado, mas de, pelo menos, dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171°, n°. 1, do Código Penal e de seis crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.°, n.ºs 1 e 3, al. a) e 170°, ambos do Código Penal.

A final, foi proferido acórdão em que foi decidido, na parte que ora releva: “1. Absolver o arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1 e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e g), todos do Código Penal.

  1. Convolar o crime de violação agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, nº 1 e 2, al. b), 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), n.ºs 6 e 8, todos do Código Penal, num crime de violação agravada na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal [na redação em vigor à data dos factos].

  2. Condenar o arguido pela prática de quinze crimes de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal [na redação em vigor à data dos factos], absolvendo-o dos demais, nas penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão e nas penas acessórias parcelares de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, cada uma por um período de 5 (cinco) anos.

  3. Condenar o arguido pela prática de dois crimes de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal [na redação em vigor à data dos factos], nas penas parcelares de 5 (cinco) anos de prisão e nas penas acessórias parcelares de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, cada uma por um período de 5 (cinco) anos.

  4. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de prisão efetiva de 12 (doze) anos, na pena acessória única de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, por um período de 6 (seis) anos, e na pena acessória única de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no artigo 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, por um período de 6 (seis) anos.

  5. Condenar o arguido no pagamento à vítima BB de uma indemnização arbitrada no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a presente data e até efetivo e integral pagamento – arts. 16.º da Lei n.º 130/2015, de 04/09, 67.º-A e 82.º-A, do CPP.” Deste acórdão condenatório veio o arguido interpor recurso, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “1. O art.º 32.º n.º 5 da Constituição, ao violar, como se demonstrou nas alegações o princípio do acusatório, princípio estruturante do processo penal português, bem como do seu corolário o princípio da delimitação do objecto do processo, que ocorre com a acusação ou com o despacho de pronúncia, sendo inconstitucional na interpretação que faz ao entender que pode condenar o arguido por factos não provados, nomeadamente, os 15 crimes de coacção sexual agravada e os dois de violação agravada, quando as provas objectivas, para além das declarações para memória futura da menor BB demonstram que a violação não ocorreu.

  6. O art.º 32.º n.º 10 da Constituição ao entender que o arguido podia ser condenado pela prática de 15 crimes de coacção que nos termos da acusação, do despacho de pronúncia e das declarações para memória futura da menor BB, foram cometidos às 4.ªs e 5.ªs feiras de cada semana. Ao ser demonstrado que tal não seria possível, pela junção do horário escolar da menor, o tribunal alterou a acusação, incluiu-lhe outros factos e condenou o arguido sem que este tivesse tido oportunidade de se defender, de exercer o contraditório. Entendeu o tribunal que se os crimes de coacção sexual agravada não ocorreram às 4.ªs e 5.ªs feiras entre as 10 e as 12h é porque ocorreram noutros dias e a outras horas, sem determinar quais e condena o arguido em qualquer dos casos. Sem prova, sem determinação das circunstâncias, sem que o arguido tivesse tido oportunidade de se defender destes novos factos. Tal interpretação do n.º 10 do art.º 32.º da Constituição é inconstitucional.

  7. O art.º 355.º do CPP, que determina que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Ora o tribunal a quo valorizou, como se viu, prova não produzida em juízo, nomeadamente a de, alegadamente, incriminador áudio, que não foi ouvido em juízo e com o qual o arguido não foi confrontado, para saber o que este contém e para se defender sendo caso disso.

  8. Violou também o art.º 355.º, n.º 1 do CPP, que proíbe a valoração de provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Seja, como já se referiu tanto pelo áudio, como pelos dias e horas em que ocorreram os alegados crimes de coacção sexual agravada.

  9. Violou o art.º 410.º n.º 2, al c) por erro notório na apreciação da prova, tudo como se demonstrou durante o DESENVOLVIMENTO.

  10. Violou o art.º 163.º n.º 1 e art.º 177.º n.º 6, ambos do Código Penal, ao condenar o arguido por 15 crimes de coacção sexual agravada dado que não se produziu prova que permitisse integrar a conduta do arguido no tipo de crime previstos nestas disposições legais.

  11. Violou o art.º 164.º, n.º 1 al. a) e art.º 177.º n.º 6, ambos do Código Penal ao condenar o arguido pela prática de dois crimes de violação agravada dado que não se produziu prova que permitisse integrar a conduta do arguido no tipo de crime previsto nestas disposições legais.

  12. Violou o art.º 69.º - B, n.º 2 e art.º 69.º - C n.º 2, ambos do Código Penal ao condenar o arguido nas penas parcelares de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou provadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, bem como a proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pois não tendo cometido os crimes de que foi acusado e deles devendo ser absolvido, não se justifica a aplicação das penas acessórias parcelares.

  13. Violando também o art.º 16.º da Lei n.º 130/2015, de 04/09 e o art.º 67.º-A e art.º 82-A, ambos do Código de Processo Penal, ao condená-lo no pagamento à menor BB uma indemnização arbitrada no valor de € 5000,00 (cinco mil euros), pois não causou dano algum à menor por não ter cometido os crimes de que vem acusado.” Conclui no sentido de a sentença recorrida ser declarada nula por falta de fundamentação, e o arguido absolvido dos crimes pelos quais foi condenado.

    O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo: “1. O princípio da vinculação temática do processo penal aos factos constantes da acusação/pronúncia, um dos corolários do princípio do acusatório constitucionalmente consagrado, sofre as derrogações previstas na lei, nomeadamente, a do artigo 358.º do CPPenal.

  14. O regime previsto no citado preceito legal foi estritamente observado em julgamento, tendo o arguido declinado exercer, como podia e devia, o seu direito de defesa quanto aos factos e qualificação jurídica novos que então lhe foram dados a conhecer, redundando a presente alegação, nesta fase processual, em manifesto abuso desse direito.

  15. No parecer do recorrente, os factos novos que, concretamente, põem em crise a...

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