Acórdão nº 819/17.3T8AVR.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1. Os autores, AA e mulher BB, instauraram (em 2017) contra o réu, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., todos com os demais sinais dos autos, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo: “a).

Que o R. seja condenado a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento; Ou assim não se entendendo: b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006; c) Ser declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes; d) Condenar-se o R. a restituir aos AA. € 57.000,00 que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento; E, sempre, e) Ser o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais.” Para o efeito, e em síntese, alegaram: Serem à data de 2006 clientes do banco R., na sua agência de ... onde, em 13 de abril desse ano, o gerente desta agência disse ao A. marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada – Obrigações SLN 2006.

O A. marido autorizou a colocação do seu dinheiro - € 100.000,00 – em tal aplicação, em virtude de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo banco R, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

E fê-lo na convicção, face ao que lhe fora dito perlo referido gerente da aludida da agência do banco R., de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto sem risco.

Tendo, entretanto, em 2009, colocado uma daquelas obrigações em terceiro, os AA. são atualmente detentores de uma obrigação no valor de € 50.000,00.

Em novembro de 2015 o R. deixou de pagar os juros respetivos.

Nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou aos AA. o que eram obrigações, em concreto, e em particular o que eram Obrigações SLN 2006.

Foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os AA. nunca aceitariam se o R. lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo próprio banco.

A liquidez, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros ou retribuição, são cláusulas essenciais de qualquer aplicação financeira.

Pelo que sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5º e seguintes do DL nº. 446/85, de 15/10, o que expressamente invoca para os devidos e legais efeitos.

Na data de vencimento contratada, o R. não lhes restituiu o montante que os AA. lhe confiaram, sendo que na agência de ... lhes diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações.

Também não tem o R. cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Maio de 2015.

Devendo, assim, o R. ser condenado a pagar aos AA. imediatamente o capital de € 50.000,00 e os juros legais desde a mora até efetivo e integral pagamento, e, que momento – 03/03/2017 -, ascendem ao montante de 7.000,00€, o que perfaz o total de € 57.000,00, acrescido dos juros vincendos sobre essa quantia desde a citação até efetivo e integral pagamento, e bem como ainda quantia indemnizatória por si acima peticionada, no valor de € 3.000,00, com vista a serem ressarcidos pelos danos não patrimoniais que sofreram com a referida atuação do R..

  1. Contestou o réu, defendendo-se por exceção e por impugnação.

    No que concerne àquela primeira defesa invocaram, além do mais, a prescrição do direito dos autores.

    E no que concerne àquela segunda defesa, alegou, em síntese, que cumpriu para com os AA. os deveres a que estava vinculado, e particularmente o dever de informação, declinando qualquer responsabilidade pelos danos que os AA. alegam ter sofrido.

    Concluiu pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

  2. Os AA. responderam àquela matéria de exceção.

  3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu: « Condenar o réu a pagar aos autores a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; b) Absolver o réu da restante parte do pedido » (incluindo-se nessa absolvição o pedido de indemnização relativo aos danos não patrimoniais que os AA. alegavam ter também sofrido devido à conduta do R.).

  4. Inconformado como tal decisão (na parte que em que lhe foi desfavorável), dela apelou o R. .

  5. Na apreciação desse recurso, a Relação (TRP), por acórdão de 22/05/2019, decidiu, no final, e sem voto de vencido, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

  6. Novamente irresignado com tal acórdão decisório, o R. dele interpôs recurso de revista excecional, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia): « 1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

    2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

    3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

    4)Pontificaaestepropósitoasdiferentesposiçõesquantoànecessidadeegraudeinformaçãodorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

    5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

    6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

    Além disso, 7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

    8) Além do mais, o acórdão recorrido contradiz frontalmente vária, e já vasta, jurisprudência de várias instâncias que se pronunciam quanto ao ónus da prova do nexo de causalidade, citando-se a título de fundamento o douto acórdão proferido no âmbito do processo nº 2468/16.4T8LSB.L1.S1.

    9) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a), b) e c) do Código de Processo Civil.

    Acresce que...

    10) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão! 11) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 12) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! 13) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 14) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

    15) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! 16) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à...

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