Acórdão nº 1260/20.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório EMP02..., LDA., com sede em ..., ..., intentou a presente ação declarativa comum contra Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ....

Alegou, em essência, o seguinte: - Por ter sido aconselhada pelo “assessor financeiro” escolhido pelo Réu para acompanhar a sua conta nesse banco e por depositar total confiança no mesmo, a Autora, nos meses de junho e julho de 2014, aplicou as suas poupanças na aquisição de 500.000 unidades de obrigações (cfr. artigo 50.º da petição inicial), no montante de €400.000,00 (cfr. artigos 38.º, 41.º e 80.º da petição inicial), com o montante atual de €300.000,00 (cfr. artigo 38.º da petição inicial), à taxa de 6,875% e com vencimento em 21/10/2019, tendo pago por estas obrigações o valor de €308.368,40; - A Autora adquiriu as referidas obrigações convicta de que se tratava de Obrigações Banco 2..., tendo esta convicção sido determinante para a sua decisão de comprar; - O Réu omitiu-lhe dolosamente que se tratava de obrigações da sociedade EMP01..., S.A. (doravante também identificada pela sigla EMP01...), sediada no Luxemburgo, que em caso de incumprimento ou insolvência a autora teria de exercer os seus direitos num tribunal desse país, que as obrigações em causa eram subordinadas, que eram da sua própria carteira e que já havia um risco muito elevado de incumprimento, tendo agido com o propósito de se desfazer de tais ativos financeiros, cuja toxicidade já era do seu conhecimento; - O Réu não prestou à Autora qualquer informação sobre as características dessas obrigações, nem lhe entregou qualquer documento com essas informações, sendo certo que as gerentes desta não têm qualquer formação na área financeira ou contabilística, nem têm quaisquer conhecimentos sobre o mercado de capitais ou capacidade para perceber o complexo modo de funcionamento de tais estruturas financeiras; - O Réu bem sabia que a Autora não teria adquirido essas obrigações se conhecesse os riscos de perda do capital que as mesmas acarretavam, pois a autora sempre comunicou ao réu que apenas aceitava investir as suas poupanças em produtos seguros, sem riscos e com facilidade de disponibilização do capital em caso de necessidade; - Nenhuma das gerentes que obrigam a sociedade autora assinou a respetiva “carta de instruções”, nem lhes foi comunicada a informação padronizada constante da mesma – nos termos da qual o subscritor declara que, na prestação deste serviço, o intermediário financeiro não é obrigado a determinar a adequação da operação considerada às circunstâncias do cliente –, a qual foi pré-elaborada pelo réu e inserida em todos os documentos que traduzem ordens de compra e venda de valores mobiliários, destinada a uma generalidade de destinatários sem possibilidade de negociação; - As referidas obrigações valem, atualmente, apenas €15,00.

Concluiu pedindo: i. Se declare a exclusão da cláusula inserida na “carta de instruções”' de 04/06/2014 (doc. ... da petição inicial); ii. Se declare a anulabilidade dos negócios de aquisição de Obrigações EMP01... em 09/06/2014 e, atento o seu carácter retroativo, se condene o Réu a pagar à Autora a quantia de €437.310,33 (correspondente à quantia de €308.368,40 a restituir pelo Réu compensada com a quantia de €128.941,93 a restituir pela Autora), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para as operações civis, desde a data da aquisição das referidas obrigações até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos €128.941,93; Subsidiariamente ao pedido formulado em ii.: iii. Se declare a resolução dos contratos de aquisição das Obrigações EMP01... celebrados em 04/06/2014 e, atento o seu carácter retroativo, se condene o réu a pagar à autora a quantia de €437.310,33, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para as operações civis, desde a data da aquisição das referidas obrigações até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos €128.941,93; iv. Se condene o Réu, por força da responsabilidade civil delitual e contratual, a indemnizar a autora pela quantia de €437.310,33 acrescida dos juros remuneratórios das Obrigações EMP01... que a entidade emitente deveria pagar à autora na data de vencimento dos juros (outubro de cada ano e até 2019), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para as operações civis, desde a data da prática dos ilícitos (09/06/2014) até efetivo e integral pagamento, perfazendo os vencidos €128.941,93.

O Réu apresentou contestação, alegando, em síntese, o seguinte: - A partir de 13/05/2011 a conta da Autora no banco Réu, na qual estão registados e depositados todos os valores mobiliários e investimentos financeiros detidos pela primeira, passou a poder ser movimentada conjuntamente pelas assinaturas das suas gerentes, AA e BB, ou pela assinatura do seu procurador, CC, sendo este, desde então, o contacto e o interlocutor da autora junto do banco réu, o qual negociava operações de crédito em nome da Autora, movimentava a conta desta a débito e crédito, realizando pagamentos por cheque, transferências bancárias ou via homebanking, e realizava investimentos financeiros em nome da Autora; - O negócio de aquisição das obrigações em causa nestes autos foi celebrado entre a autora, como obrigacionista, e a EMP01..., S.A., emitente das obrigações, tendo-se limitado o banco Réu a receber e executar ordens de compra, datadas de 05/06/2014, 09/06/2014, 03/07/2014 e 09/07/2014, dadas pelo procurador da Autora, CC, da exclusiva iniciativa deste, o qual estava perfeitamente ciente – e, por seu intermédio, a autora – do que estava a adquirir e dos riscos inerentes às obrigações em causa, não tendo o banco réu prestado qualquer aconselhamento, recomendação ou serviço de consultoria para investimento, mas tão só informações; - O procurador da Autora foi expressamente advertido pelo colaborador do Banco Réu de que as obrigações em causa estavam a desvalorizar, mas este desvalorizou tal advertência, configurando a situação como uma oportunidade de negócio, e reiterou a execução de tais ordens de compra ao Banco; - A Autora foi informada e esclarecida sobre a natureza e os riscos das obrigações que pretendia adquirir; - Existia de uma prévia relação de clientela, sendo a Autora uma cliente do banco Réu com perfil devidamente analisado, aferido e conhecido do banco; - Ao contrário do que entende a autora, as Obrigações EMP01... são produtos financeiros simples, e não complexos; - Em 05/08/2014 o Réu remeteu ao procurador da Autora informação divulgada pelo EMP03... no âmbito do pedido de gestão controlada apresentada nos tribunais do Luxemburgo pela emitente EMP01..., em 22/10/2014 o Réu remeteu nova informação ao procurador da Autora no seguimento da declaração de insolvência da EMP01... e, no dia seguinte, a Autora deu instruções ao Réu quanto ao procedimento a seguir, instruções que o Réu cumpriu em 27/10/2014, tendo este remetido mais informação à Autora em 30/10/2014 e 20/02/2017; - No final de 2014, a gerente da Autora, BB, contactou o Réu e referiu as obrigações em causa nos autos, perfeitamente ciente de que eram obrigações EMP01...; - No final de 2014 a Autora deu ordem de venda de obrigações EMP01... no valor nominal de €100.000,00, pelo preço de 0,45%, e em dezembro de 2015 voltou a vender obrigações EMP01... no valor nominal de €100.000,00, fora do mercado regulamentado, a uma empresa sua subsidiária, tendo o documento de transação de títulos sido assinado pelo procurador da Autora, em representação da vendedora, e pela gerente da Autora, AA, em representação da compradora, tendo estas vendas visado a contabilização de menos valias nos respetivos exercícios, espelhadas nas declarações que o banco Réu emitiu e enviou à autora e nos seus relatórios de contas; - A Autora sempre recebeu, mensalmente, extratos de conta e extratos de investimento da sua conta bancária, em suporte de papel, com detalhe discriminado de todos e cada um dos seus investimentos, bem como notas de execução das operações de compra, venda e subscrição de obrigações e ações, faturas de corretagem, avisos de lançamento, declarações de IRC, declarações de menos valias e faturas de comissões de depósito; - Em novembro de 2019 a autora solicitou ao réu cópias das instruções de compras das obrigações em causa nos autos, o que este fez por email de 19/12/2019.

Concluiu pugnando pela procedência da exceção perentória de prescrição, pela improcedência da ação e pela condenação da autora como litigante de má-fé.

Foi realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, e despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, o tribunal julga a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolve o réu do pedido.

Custas pela autora.

Registe e notifique”.

Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, quando impugnada em sede de recurso, porquanto, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da ação.

2. A apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência e que decide da prova quanto à matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.

3. O Tribunal indica os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a...

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