Acórdão nº 1426/22.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Data19 Janeiro 2023
  1. RELATÓRIO “O..., LDª interpôs recurso da decisão judicial (art. 39º RGCLSS[1]) que apreciou a impugnação judicial e confirmou a decisão da ACT que lhe aplicou a coima única de €9.300,00 (sendo solidariamente responsável pelo pagamento da coima AA), e a sanção acessória de publicidade de decisão condenatória, pela prática das seguintes contra-ordenações: - uma contra-ordenação p.p. no artº. 264, nºs. 2, 3 e 4, do C. trabalho (não ter procedido ao pagamento do subsídio de férias de 2020 aos trabalhadores BB, CC, DD, EE, FF e GG, no prazo legalmente previsto) – coima de €9.200,00; - uma contra-ordenação p.p. pelo artº. 263º, nº 1 e 3 do C. Trabalho (não ter procedido ao pagamento do subsídio de Natal de 2020 aos trabalhadores BB, CC, DD, EE, FF e GG, no prazo legalmente previsto) – coima de €9.200,00.

Mais foi a arguida condenada no pagamento das quantias de €2.779,59 e €2.883,50, aos citados trabalhadores.

A ARGUIDA FORMULA AS SEGUINTES CONCLUSÕES (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS): …2- A Recorrente não se conforma com a decisão condenatória, uma vez que da prova produzida não resulta que atuou com dolo ou sequer com negligência, outrossim agiu com toda a diligência que lhe podia ser exigida.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO 3- Nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável ex vi artigo 549.º do CT, “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.” e nos termos do artigo 15.º do CP, ex vi artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, assume-se que o agente terá agido com negligência se não proceder com cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.

4- Da factualidade tida como no pontos 9 a 13 da SENTENÇA que a Recorrente teve todos os seus serviços encerrados durante a execução do Estado de Emergência, decretado a 20 de março de 2020, que foi sucessivamente prorrogada até 21 de abril de 2021.

5- Durante todo este período a Recorrente esteve sem atividade e/ou com atividade muito reduzida.

6- Essa situação teve impacto direto na situação financeira da Recorrente, colocando em causa a sua sobrevivência e obrigando-a a recorrer a todos os mecanismos legais ao seu dispor que pudessem ajudar a ultrapassar as referidas dificuldades financeiras.

7- A Recorrente apresentou um processo Especial de Revitalização (PER), que sob o nº 1225/21.... correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo em 28/04/2021 sido proferida sentença de nomeação de administrador judicial provisório e em 06/10/2021 sentença de homologação do plano de revitalização.

8- Nesse PER, apresentado e homologado, constam os subsídios de férias e de Natal aqui em causa, e foi dado como provado tal facto.

9- A testemunha HH, contabilista certificada a prestar serviços à Recorrente, afirmou que os compromissos assumidos no âmbito do PER têm sido escrupulosamente cumpridos.

10- Entendeu o Tribunal considerar como não provado que a Recorrente se encontre a cumprir o PER sem falhar as suas obrigações perante os trabalhadores credores.

11- O PER é um processo especial, previsto no CIRE e no artigo 17.º-F alínea 11 declara-se que a “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.” 12- O seu incumprimento gera os efeitos previstos nos artigo 218º do CIRE, ou seja “Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito: a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor; b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.” redundando em insolvência do Devedor.

13- Através da sentença homologatória do PER o Devedor fica obrigado por sentença judicial a cumprir o mesmo e a pagar os créditos reconhecidos e mesmo os não reclamado, de acordo com o plano homologado por sentença.

14- No termo do disposto no artigo 17.º-A do CIRE o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

15- Apresentar-se a PER e tendo este sido homologado, reconheceu-se por sentença judicial que a aqui Recorrente se encontrava numa situação económica difícil e/ou em situação de insolvência iminente.

16- A situação económica difícil porque passou e passa a Recorrente devido a factos totalmente externos à sua vontade, decorre de uma Pandemia e das decisões proferidas no âmbito do Estado de Emergência, que levaram a que a conduta da Recorrente não possa ser considerada nem sequer negligente.

17- Aliás, como resulta da sentença homologatória do PER junta aos autos, a Recorrente tinha dividas que ascendiam aos € 4.676.325,26, correspondente ao valor de créditos reconhecidos.

18- Relembrar que a Recorrente esteve sem atividade desde março de 2020.

19- Diz-se na douta SENTENÇA recorrida que a Apresentação da Arguida a um PER posterior ao não pagamento das remunerações em causa levanta “desde logo, dúvidas quanto à verdadeira motivação da arguida para a mesma. Tanto mais que a arguida nem tratou de juntar o relatório único dos anos subsequentes a 2018 para se poder aferir o seu volume de negócios.” 20- Vejamos o PER é um processo judicial, não é uma declaração unilateral do devedor e carece da aprovação da maioria credores, e de uma decisão judicial.

21- A situação de grave dificuldade económica da empresa tem-se por demonstrada ao ter sido requerido um PER, – o qual só pode ser requerido após a empresa estar numa situação económica difícil ou na iminência da insolvência - este ter sido aprovado pelos credores, incluindo trabalhadores, e o mesmo ter sido homologado por sentença judicial.

22- Dispõe artigo 15.º do Código Penal (CP) que “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz…”.

23- Caberia à ACT ter demonstrado que a Recorrente podia ter agindo de outra modo e fazê-lo com facto concretos.

24- Na sentença é citado João Soares Ribeiro, que refere “A culpabilidade deve ser apreciada na instrução do processo de contra-ordenação, de acordo com os factos apurados, sendo certo que, na maioria dos casos, só poderá extrair-se das regras da experiência comum dos homens ou resultar de prova prima facie extraída desses factos”.

25- Tendo em consideração as graves dificuldades financeiras atravessadas pela Recorrente, amplamente provadas pelo encerramento da sua atividade por um longo período e pelo seu recurso a um PER, o cumprimento de todas as suas restantes obrigações, que cuidado e diligência adicional lhe pode ser exigido, uma vez que a dilação do pagamento dos subsídios de férias e de Natal foi essencial para que os mesmos pudessem ser pagos e, adicionalmente contribuir, para assegurar a subsistência da Recorrente.

26- Foi graças à atuação da Recorrente que diversos postos de trabalho se mantiveram, que os trabalhadores continuaram a receber as suas retribuições e que receberão os subsídios de acordo com o plano de pagamento aprovado com o PER.

27- Como sustentado pela jurisprudência, um dos princípios basilares do direito contraordenacional é o princípio da culpa, e para que exista...

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