Acórdão nº 288/19.3GCCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo comum singular nº 288/19.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ... -, por sentença datada de 21 de Junho de 2022, foi decidido o seguinte: 1. «Absolvo o arguido AA da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, e 155º, nº 1, do Código Penal.

  1. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo art. 291º, nº 1, al. b), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

  2. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de ameaça, previsto e punível pelo art. 153º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão.

  3. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de coação, previsto e punível pelo art. 154º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão.

  4. Em cúmulo jurídico, condeno o arguido AA na pena única de 13 (treze) meses de prisão.

  5. Substituo a pena de prisão por 395 (trezentas e noventa e cinco) horas de Trabalho a Favor da Comunidade, a prestar nas condições e local que venham a ser definidos pela DGRSP, mas que deverão ter em atenção as características específicas de personalidade do arguido e os aspetos que se pretende, com esta pena, debelar na mesma.

  6. Nos termos do disposto no artº 52º, nº 1, als. b) e c), do Código Penal, aplico ao arguido as seguintes regras de conduta: frequência do programa STOP – Responsabilidade e Segurança Rodoviária e entrega, aos Bombeiros Voluntários ..., da quantia de 500,00€ (quinhentos euros), no prazo de 1 (um) ano contado do trânsito em julgado da presente decisão.

  7. Condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, pelo período de 1 (um) ano.

  8. Custas criminais a cargo do arguido, com taxa de justiça pelo mínimo.

  9. O arguido fica, desde já, expressamente advertido de que está obrigado a entregar a sua carta de condução na secretaria deste Tribunal, ou no posto policial mais próximo da área da sua residência, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de apreensão e de cometer o crime de desobediência (cfr. art. 69º, nºs 3 e 5, do Código Penal e art. 500º, nºs 1, 2, 5 e 6, do Código de Processo Penal, e art. 5º, nº 4, do DL 2/98, de 03/01).

  10. O arguido fica, igualmente, advertido de que, caso conduza no período da proibição fixada, incorrerá na prática de um crime de violação de proibições».

    2.

    O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A. «O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

    1. O presente recurso versa sobre a matéria de facto dada como provada e que, na perspectiva do arguido, em confronto com a prova produzida em julgamento, foi incorretamente julgada, devendo ter sido decidida de forma diversa.

    2. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: “...o arguido realizou a ultrapassagem do veículo conduzido pela queixosa pisando e transpondo para o efeito as marcas obliquas e longitudinais contínuas marcadas no pavimento, passando desta forma a circular imediatamente à frente da mesma, ocasião em que, sem que nada o fizesse prever, realizou uma travagem repentina do seu veículo, tendo a queixosa a muito custo imobilizado o seu veículo conseguindo fazê-lo ainda antes de embater no veículo tripulado pelo arguido”(ponto 3 dos factos provados da douta sentença) e “ No dia 25/10/2019, cerca das 17h e 50m, na Estrada Principal, junto à escola primária da localidade denominada ..., área do concelho das ..., na sequência de um desentendimento quanto a uma manobra de trânsito realizada pela queixosa BB, o arguido abeirou-se do veículo conduzido por aquela, com a matrícula ..-..-ZV e em “voo” mandou-se para cima do capot do mesmo.”, “Após dirigiu-se à porta do lado do condutor do veículo e tentou abrir a mesma o que só não conseguiu porque a queixosa a tinha trancada.”, “De seguida o arguido desferiu um número não concretamente apurado de murros e pontapés no vidro e nas portas do referido veículo ocasião em que a queixosa lhe disse que ia chamar a polícia tendo o arguido respondido: “se chamares a polícia eu mato-te”.”e “O arguido ao atuar da forma descrita em 9. a 11. fê-lo com firmeza e seriedade, e com intenção concretizada de fazer convencer a queixosa que pretendia concretizar o que disse, conseguindo desta forma perturbar o sossego e a tranquilidade desta causando-lhe medo.” e “O arguido proferiu a expressão referida em 11. com firmeza e seriedade, e com intenção de fazer convencer a queixosa que viria a atentar contra a sua vida, caso a mesma chamasse as autoridades policiais ao local, por forma a perturbar o sossego e a tranquilidade desta e a causar-lhe medo, tendo em vista constranger a queixosa a não atuar da referida forma, o que conseguiu. “(pontos 9 a 13 dos factos provados).

    3. Tal conclusão assenta apenas e parcialmente nas declarações das ofendidas, situações em que ambas assumem ter infringido as regras estradais ao não ceder passagem ao arguido e estacionando na faixa de rodagem imediatamente a seguir a uma curva, conforme expressamente descrito nas motivações do presente recurso. Ambas as ofendidas revelaram consciência da ilicitude das suas acções.

    4. As versões apresentadas pelas ofendidas são contrapostas de forma coerente pelo arguido, pelo que, no minimo, o douto Tribunal a quo, face à descrição antagónica dos mesmos factos e na ausência de quaisquer outras provas, deveria absolver o arguido de harmonia com o principio in dubio pro reo.

    5. Ora, o arguido é condenado ab initio apenas porque não concorda com o teor da acusação e contrapõe os factos alegados pelas ofendidas.

    6. Assim, o presente recurso incide na condenação propriamente dita, uma vez que é sua convicção face à prova produzida em audiência de julgamento, que deveria ter sido absolvido.

    7. Entende assim o arguido, que o tribunal a quo interpretou de forma incorrecta o disposto nos artigos 50º, 70º, e 71º do Código Penal e violou o disposto nas diversas alíneas do artigo 410º nº 2, do Código de Processo Penal.

      I. Pelo que se impunha decisão diversa, no sentido da absolvição do arguido dos crimes de que se encontrava acusado.

      J.

      DO DIREITO: K. QUANTO AO CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA (art. 291º Código Penal) releva que, na situação em apreço nos presentes autos e ainda que sejam mantidos os factos dados como provados, nunca poderá ser entendido que se verificou um perigo real e efetivo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de outrem.

      L. Na realidade, não ficou provada qualquer situação que fizesse perigar a vida, a integridade fisica ou os bens patrimoniais de outrém.

    8. Conforme declarações da ofendida CC gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início pelas 12.35 horas e termo pelas 12.50 horas, do dia 19 de Maio de 2022, ao Minuto 5:40 “Incrivelmente não passou ninguém, nem para um lado nem para o outro...”, as circunstâncias concretas verificadas no tempo e lugar, obstavam à verificação da existência de um perigo concreto, real e efectivo.

    9. Assim, não seria possível a criação desse perigo concreto, real e efectivo.

    10. Pelo exposto, e não se encontrando preenchidos todos os elementos do tipo de crime, terá o arguido de ser absolvido do mesmo.

      P.

      QUANTO AO CRIME DE AMEAÇA, e Tal como é afirmado no Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2006, proc. nº 0614091, em www.dgsi.pt, “haverá crime de ameaça quando alguém diz: “quando te apanhar (momento futuro), vou dar-te uns socos” (anúncio de um mal para a integridade física). Que se distingue do acto intimidatório de execução imediata de ofensa à integridade física quando alguém diz: “ou sais, ou levas já um soco”. Na primeira hipótese, ocorre o anúncio de um mal futuro, limitador da liberdade individual da pessoa ameaçada. Na segunda hipótese ocorre o anúncio de um mal actual, contra a ofensa à integridade física, que começa e acaba ali: ou porque é executado de mediato, integrando o crime de ofensa à integridade física, ou porque o agente ameaçador desiste de o executar, sem que o mal anunciado se projecte na liberdade de decisão e de acção futura da pessoa visada”.

    11. No caso dos presentes autos a actuação do arguido não configura uma ameaça futura, não configura um anúncio de um mal a praticar no futuro, noutro momento posterior, não se encontrando preenchido um requisito essencial para preenchimento do tipo de crime, devendo também, neste caso, ser o arguido absolvido da prática do crime de ameaça agravada.

      R.

      QUANTO AO CRIME DE COAÇÃO, desconhece o arguido em que prova se baseia o tribunal para concluir da forma supra descrita quando do Depoimento de BB, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início pelas 12.35 horas e termo pelas 12.50 horas, do dia 19 de Maio de 2022, ao Minuto 4:27 resulta que “Eu depois queria me ir embora porque as minhas filhas estavam em pânico....”.

    12. Assim, conclui-se que a ofendida não chamou a policia porque quis sair do local atento o comportamento das filhas, e não porque o arguido a tivesse coagido a tal., não podendo o facto de a arguida ter apresentado queixa posteriormente, justificar a prática do crime de coação. Trata-se apenas do exercicio de um direito que a lei lhe confere e que não permite que se extrapolem conclusões sem qualquer fundamento.

    13. Em suma, e não se encontrando preenchidos os elementos do tipo de crime de coação em que o arguido foi condenado, deverá este ser absolvido do mesmo.

      U.

      QUANTO À ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DA PENA, importa realçar que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e, em caso algum, a pena pode ultrapassar a...

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