Acórdão nº 852/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 852/2022

Processo n.º 985/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo aqui reclamante, confirmando assim a respetiva condenação, pela prática de dois crimes de incêndio florestal, previstos e punidos pelo artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de três anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova.

2. Através da Decisão Sumária n.º 672/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

O recorrente interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, não precisando a respetiva data ou outra referência. Não obstante, apesar de o Tribunal da Relação de Coimbra ter proferido duas decisões — a primeira, uma decisão sumária prolatada pelo Juiz Desembargador Relator e, a segunda, o acórdão que apreciou a reclamação para a conferência que sobre aquela recaiu —, o recurso só pode incidir sobre o «Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, da negação de provimento do recurso interposto pelo arguido», que consumiu aquela primeira.

4. Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é posta em causa pelo recorrente.

Trata-se de um pressuposto que decorre do caráter instrumental dos recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade: uma vez que o exercício da jurisdição constitucional não se destina a dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente. Sempre que a resolução da questão de constitucionalidade for insuscetível de confrontar o tribunal a quo com a necessidade de reformar o sentido do seu julgamento, o conhecimento do objeto do recurso carecerá de utilidade (v. os Acórdãos n.ºs 768/1993, 769/1993, 332/1994, 343/1994, 60/1997, 477/1997, 162/1998, 227/1998, 556/1998 e 692/1999).

Tendo em conta o que acaba de expor-se, é altura de verificar se tal pressuposto se encontra preenchido no caso presente.

5. De acordo com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver apreciadas as seguintes questões: i) «que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artº artº 59º nº 1 do CPP por violação do disposto no artº 32º nº 1 da C.R.P., na interpretação que o douto tribunal a quo realiza em que o agente da autoridade da G.N.R. não poderia constituir arguido numa tomada de declarações do individuo por não ter competência investigatória» ii) «o artº 355º nº 1 do C.P. Penal é inconstitucional por violação do disposto no artº 32º nº 5 da C.R.P., na interpretação que o douto tribunal a quo faz de que os depoimentos efetuados pelos agentes de autoridade que recolheram as declarações do arguido em fase de inquérito fazem prescindir a leituras das declarações em sede de audiência de julgamento e fazem fá em sede de audiência de julgamento».

Tendo em conta a fundamentação constante do acórdão recorrido, verifica-se que o conhecimento de qualquer das duas questões que integram o objeto do recurso não reveste utilidade.

No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso interposto pelo ora recorrente, ao abrigo do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal («CPP»), por considerá-lo manifestamente improcedente. Para alcançar tal conclusão, começou por relembrar que as questões relativas à regularidade do depoimento de B., «agente da autoridade da G.N.R» inquirido na qualidade de testemunha, haviam sido decididas por despacho transitado em julgado, ficando prejudicada a apreciação de qualquer vício que pudesse pôr em causa esse mesmo julgamento. Atentando seguidamente nos argumentos destinados à invalidação do depoimento prestado pela testemunha C., inspetor da Polícia Judiciária, o Tribunal recorrido verificou que o recorrente não especificara a parte, ou partes, desse depoimento que, apesar de abrangida(s) pela proibição constante do n.º 7 do artigo 356.º do CPP, havia(m) sido considerada(s) na formação da convicção do tribunal, o que consubstanciava uma deficiência do recurso que o tornava neste segmento inviável.

Reconstituído o essencial do percurso lógico-argumentativo subjacente ao acórdão recorrido, verifica-se que nenhuma das duas normas impugnadas perante o Tribunal Constitucional (i.e., os artigos 59.º, n.º 1 e 355.º, n.º 1, ambos do CPP), integra as rationes decidendi que ditaram a rejeição in totum do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra. Tal rejeição foi determinada pela manifesta improcedência do recurso e esta, na síntese do próprio Tribunal a quo, pelo «trânsito quanto às questões relativas à testemunha B. e falta de concretização dos extratos do depoimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT