Acórdão nº 204/22.5YUSTR.L1-PICRS de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA POTT
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa 1. A recorrente, veio interpor o presente recurso da decisão judicial com a referência citius 371153, proferida em 21.9.2022, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), que não admitiu o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da ANAC, interposto pela recorrente, por tê-lo julgado intempestivo.

  1. No recurso, a recorrente, conclui pedindo o seguinte: “Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, revogado o Despacho Recorrido e ordenada a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí ser proferido novo despacho que não seja de rejeição, sendo, consequentemente, admitido o recurso de impugnação da decisão e coima em apreço”.

  2. Nas alegações de recurso, vertidas nas conclusões, a recorrente invoca, em síntese, argumentos que o Tribunal agrupa como se segue: A invalidade da notificação § A notificação à arguida, da decisão condenatória da ANAC, não observou o disposto no artigo 223.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) quanto à citação das sociedades; o aviso de recepção foi entregue a pessoa desconhecida no dia 25.7.2022 não contendo o nome completo nem o documento de identificação de quem o recebeu; o destinatário da notificação, o presidente do conselho de administração da arguida, só recebeu a notificação no dia 28.7.2022; O erro na aplicação e interpretação das regras de contagem do prazo § Ainda que a notificação seja válida, aplica-se a dilação de 15 dias úteis prevista no artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por se tratar de um prazo administrativo, como resulta do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – STJ - 2/94; os artigos 59.º e 60.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) devem ser interpretados de acordo com as regras gerais previstas no artigo 9.º do Código Civil (CC); § O despacho recorrido viola os princípios da tutela jurisdicional efectiva, da confiança, da boa fé e da segurança jurídica, consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º, 2.º e 226.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

  3. O Ministério Público respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando, em síntese, que: § O prazo previsto no artigo 59.º do RGCO não é judicial nem administrativo, mas um prazo próprio, regulado especificamente no RGCO; § Não foi invocado pela arguida o justo impedimento previsto no artigo 107.º do CPP, quando impugnou judicialmente a decisão da ANAC; § A arguida recebeu a notificação da decisão condenatória da ANAC não tendo alegado a invalidade da mesma quando interpôs o recurso de impugnação judicial; § O regime aplicável à notificação da decisão da ANAC é o previsto nos artigos 46.º e 47.º do RGCO, estando o processo de contraordenação sujeito ao princípio da legalidade, sem ser necessário recorrer ao regime subsidiário do CPP, mas, ainda que tal se mostre necessário, o regime previsto no CPP é o único que se aplica subsidiariamente, por opção legislativa.

  4. A ANAC pugnou pela improcedência do recurso com base, em síntese, no seguinte: § A notificação da decisão condenatória foi enviada para a sede da arguida na Alemanha, acompanhada de uma tradução de cortesia; o respectivo aviso de recepção foi assinado em 25.7.2022 por pessoa autorizada, o que a ANAC confirmou em consulta ao site do serviço postal alemão que fez em 12.10.2022; nem a lei nem a jurisprudência exigem que o aviso de recepção seja assinado pelo presidente do conselho de administração mas tão só que a notificação seja correctamente endereçada para a sede da pessoa colectiva, como sucedeu; não houve violação do direito de defesa uma vez que, pelo menos três dias após a recepção a notificação chegou ao conhecimento do presidente do conselho de administração, como reconhece a arguida, isto é, ainda dentro do prazo legal de impugnação; na impugnação judicial a arguida não invocou a invalidade da notificação da decisão da ANAC que agora vem arguir no presente recurso; § A impugnação judicial da decisão condenatória da ANAC foi recebida em 29.8.2022, na autoridade administrativa, que a transmitiu ao Tribunal; o prazo de 20 dias úteis para impugnar a decisão da ANAC terminou em 23.8.2022 não sendo aplicável a dilação prevista no artigo 88.º do CPA ao processo de contraordenação.

  5. Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer, defendendo, em síntese o seguinte: § Não existe invalidade da notificação da arguida nem a mesma foi invocada na impugnação judicial da decisão da ANAC; § Não é de aplicar o CPA mas deve aplicar-se subsidiariamente o artigo 107-A do CPP, por força do artigo 41.º do RGCO, tal como foi decidido pelo acórdão de fixação de jurisprudência STJ 3/2022, em matéria de contraordenações laborais; § A arguida remeteu a impugnação judicial no 23.º dia útil após a notificação (25.07.2022), ou seja, no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo; § Quando o acto é praticado em qualquer dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, independentemente de justo impedimento e sem ter sido paga a multa devida, deve a secretaria, logo que a falta seja verificada e independentemente de despacho, notificar o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário (artigos 107.º, n.º 5, e 107.º-A, alínea c), do Código de Processo Penal e artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil); § Tendo havido omissão deste acto oficioso da secretaria, a mesma deve ser suprida, ou seja, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a notificação da recorrente para proceder ao pagamento da multa de 2 (duas) UC, acrescida de 25%, por parte da respetiva secretaria.

  6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP.

  7. A ANAC veio juntar resposta ao parecer do digno magistrado do Ministério Público defendendo que não há lugar à aplicação da dilação prevista no artigo 107.º - A do CPP.

  8. Admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos, cumpre decidir.

    Delimitação do âmbito do recurso 10. São as seguintes, as questões relevantes para a decisão do recurso: Questões de que o Tribunal conhece oficiosamente A. Participação da autoridade administrativa na fase judicial D. Notificação à arguida do presente acórdão Questões suscitadas pelas conclusões dos sujeitos processuais B. Invalidade da notificação da arguida C. Prazo do recurso de impugnação Factos que o Tribunal leva em conta para decidir o recurso 11. Para decidir o presente recurso, o Tribunal leva em conta as peças processuais, documentos/informações e decisões com as referências citius a seguir mencionadas, juntas ao processo electrónico.

  9. Por decisão administrativa de 16.12.2021, cujo teor se dá por reproduzido, a ANAC condenou a arguida pela prática negligente de onze contraordenações previstas no artigo 2.º - i) do DL 28-B/2020 de 28 de Junho na redacção aplicável à data dos factos, respectivamente, em onze coimas de 500 euros cada uma e, em cumulo jurídico, na coima única de 5 600 euros, por factos praticados em 13, 14 e 15 de Março de 2021 – cf. decisão junta com a referência citius 370688.

  10. A decisão da ANAC mencionada no parágrafo anterior acompanhada da tradução em inglês junta aos autos, que se dá por reproduzida, foi notificada à arguida, na sua sede na Alemanha, via postal, por carta registada com aviso de recepção, expedida em 21 de Julho de 2022, tendo o aviso de recepção sido assinado em 25 de Julho de 2022 – cf. documentos juntos com a referência citius 371091 e a fls. 37 a 55, cujo teor se dá por reproduzido.

  11. Por registo de 26 de Agosto de 2022, a arguida enviou à ANAC o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa mencionada no parágrafo 11, cujo teor se dá aqui por reproduzido, recebido na ANAC em 29 de Agosto de 2022 – cf. peça processual junta com a referência citius 370689 e informação constante do ofício junto com a referência citius 370690.

  12. Por despacho proferido em 21 de Setembro de 2022, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o Tribunal recorrido não admitiu o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida, referido no parágrafo anterior, por julgá-lo intempestivo – cf. despacho com a referência citius 371153.

    Quadro legal relevante 16. Têm relevo para a decisão do recurso, essencialmente, as seguintes disposições legais: Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da União Europeia de 29.5.2000 ou Convenção de auxílio mútuo em matéria penal entre os Estados Membros [Ratificada pela resolução da Assembleia da República 63/2001 de 16.10 e pelo Decrto do Presidente da República 53/2001 de 16.10, em vigor em Portugal desde 23.8.2005 e que vincula igualmente a Alemanha] Artigo 3.º Processos em que também é concedido auxílio judiciário mútuo 1. O auxílio judiciário mútuo também é concedido em processos instaurados pelas autoridades administrativas por factos puníveis nos termos do direito do Estado-Membro requerente ou do Estado-Membro requerido, ou de ambos, como infracçoões a disposições regulamentares, e quando da decisão caiba recurso para um órgao jurisdicional competente, nomeadamente em matéria penal.

  13. O auxílio judiciário mútuo também é concedido em processos penais e nos processos a que se refere o n.º 1 relativamente a factos ou infracções pelos quais uma pessoa colectiva seja passível de responsabilidade no Estado-Membro requerente.

    Artigo 5.º Envio e notificação de peças processuais 1. Cada Estado-Membro enviará directamente pelo correio às pessoas que se encontrem no território de outro Estado-Membro as peças processuais que lhes sejam destinadas.

  14. As peças processuais só poderão ser enviadas por intermédio das autoridades competentes do Estado-Membro requerido, se: a) o...

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