Acórdão nº 15/19.5PBPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 15/19.... da Comarca ... Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA condenado como reincidente, pela prática em autoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 alínea e), com referência aos artigos 202.º, alíneas a), d) e e) e 75.º, n.ºs 1 e 2 e 76.º, n.º 1 do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. O Arguido ora supra identificado impugna concretamente a matéria de facto tida como provada na Douta Sentença.

  2. Fá-lo em concreto no que tange aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 12, e da conjugação daqueles com a prova produzida em julgamento, desde logo, porque o Tribunal não valorou como deveria fazer a confissão integral e sem reservas dos factos de que o arguido vinha acusado.

  3. Nem tão pouco foi considerado de forma expressa ou tácita o facto dos objectos alegadamente furtados pelo Arguido terem sido todos recuperados.

  4. A simples detenção por parte do Arguido dos objectos em causa foi devidamente esclarecida pelo próprio em sede de julgamento quando lhe foi dada a palavra em audiência de julgamento e confessou a prática dos factos.

  5. Tal confissão não foi aqui sequer tida em linha de conta pelo julgador.

  6. A confissão do Arguido em julgamento permitia fazer um juízo de prognose mais favorável e como tal, permitiria a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a eventual regime de prova.

  7. Nem tão pouco no que tange à situação de doença do Arguido, quando se refere taxativamente no elenco dos factos provados que o arguido “refere” ser portador de HIV, quando na realidade resulta da prova junta aos autos de forma inequívoca que o Arguido é portador da referida patologia.

  8. No mais não é feita uma ponderação adequada entre as circunstâncias pessoais do Arguido, o facto dos objectos terem sido recuperados, a problemática aditiva 9. Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a pena aplicada é desproporcionada face às condições do agente, à gravidade do ilícito, e à actuação do Arguido, ao modo como foi executada a conduta, ás exigências diminutas de prevenção da pena, dentro dos limites legais que é sempre feita em função da culpa e das exigências de prevenção, desconsiderando-se a situação de reincidência nos moldes já expostos.

  9. Paralelamente, podemos afirmar que não houve um cumprimento rigoroso do artigo 40.º do Código Penal porquanto a pena em nada ajudará, mas antes contribuirá pelo contrário e pelo deficiente acompanhamento do Arguido pelos Competentes Serviços Públicos, mormente para a ressocialização do Arguido, pois que face ao cenário vivenciado e a iminência de nova prisão, em nada ajudarão a ressocialização do Arguido aqui Recorrente.

  10. No mais não deve ser considerado reincidente, nos termos conjugados das disposições contidas nos artigos 75.º e 76.º do Código Penal, pois que o Tribunal “a quo” considerou que se encontram preenchidos os requisitos formais, mas já não se pode dizer que o requisito material da reincidência se encontre preenchido.

  11. Para que se afirmasse, como se diz na Douta Sentença que o Arguido agiu como reincidente, nos termos e para efeito do disposto no artigo 75.º do Código Penal, era necessário que se pudesse concluir que as anteriores condenações não surtiram como advertência suficiente para não cometer novos crimes.

  12. Ora, no caso vertente, não obstante as condenações anteriores, é necessário fazer tal juízo de prognose, tanto das declarações do Arguido (vide gravação estereofónica da audiência de julgamento às 14:35 horas até às 14:53 horas de 08:13 Minutos até 16:28 minutos), como também os elementos documentais que dão nota do acompanhamento do Arguido em contexto de comunidade em que foi acolhido e se encontra a desenvolver actividade tendente à sua ressocialização.

  13. Assim, e se é facto que o Recorrente já antes foi condenado por crimes de furto, também é facto que no momento presente se encontra em pleno processo de ressocialização.

  14. Com a condenação sofrida, o Douto Tribunal “a quo” apenas vem permitir que se interrompa esse processo de ressocialização, e se colham os frutos de tal processo mais adiante.

  15. O Tribunal “a quo” desconsiderou, de forma grosseira (salvo o devido respeito) a situação socioeconómica do Arguido, e a sua desprotecção natural face ao seu próprio contexto débil.

  16. O tipo de crime pelo qual foi condenado não sendo substancialmente diferente dos que motivaram as condenações anteriores, ainda assim ocorreu em contexto muito específico, num momento muito específico, envolvendo ainda um “pano de fundo” de comportamento aditivo, como reconhece e bem o próprio Tribunal “a quo”.

  17. Acresce que quer das declarações do Arguido, quer da prova carreada para os autos que os objectos furtados foram recuperados.

  18. Impunha-se, por isso, e salvo o devido respeito, a ponderação da suspensão da execução da pena de prisão, com eventual sujeição a regime de prova.

  19. Acresce ainda que não foram tomadas as declarações do Ofendido em plena audiência de julgamento, pelo que a prova ali produzida não resulta do que foi submetido a julgamento mas tão só dos elementos constantes dos autos, o que não se concede e consubstancia violação do princípio da imediação, pelo que houve violação clara do artigo 355.º do Código do Processo Penal.

  20. Ainda assim, sempre se dirá que para efeito de aferição da questão da reincidência (artigo 75.º do Código Penal), e de acordo com a orientação dominante é necessário que se estabeleça uma íntima conexão/correlação entre os vários crimes pelos quais o Agente foi condenado, pois só assim podemos falar de reincidência.

  21. Ora, não tendo tal juízo sido efectuado cai por terra a condenação do arguido como reincidente.

  22. Falhando a reincidência o limite mínimo da moldura tem de se coadunar com o do tipo legal, pelo que sendo a pena a aplicar inferior a cinco anos, e considerando o contexto vivenciado pelo Arguido poderia e deveria o Tribunal ter suspendido a execução da pena de prisão.

  23. Ora, à falta de elementos probatórios, isto é das declarações do próprio Ofendido, que, repita-se, não compareceu ao julgamento e não prestou declarações, o dispositivo deveria ter sido outro, à luz dos princípios constantes do artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

  24. Tal deveu-se apenas à confissão do Arguido que assumiu a prática dos factos em julgamento, e conformou-se com as consequências de tal confissão, tendo manifestado arrependimento e pedido uma segunda oportunidade ao Tribunal, o que lhe foi recusado, e com o que o mesmo não se conforma.

  25. A condenação partiu pois de elementos de prova manifestamente subjectivos e não da prova produzida em julgamento.

  26. Porquanto ressalta da presente motivação (e nunca é demais dizer) que o Arguido não agiu com dolo de se apoderar dos objectos do Ofendido, pois que os mesmos foram recuperados.

  27. Ainda assim, e face à confissão e ao arrependimento demonstrado em sede de audiência de julgamento estariam reunidas as condições para que o Tribunal suspendesse a execução da pena de prisão que foi aplicada ao Arguido e Recorrente.

  28. Por outro lado, do texto da sentença recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

  29. Além disso, pela prova produzida nos presentes autos impunha-se que o tribunal “a quo” tomasse uma decisão oposta à que resulta da sentença, considerando que o Recorrente não praticou o crime de furto, e, por outra banda, face à confissão, poderia, dessa feita, ter procedido à suspensão da execução da pena de prisão, eventualmente sujeita a regime de prova.

  30. Ora, tal não terá acontecido no caso de que agora se cuida, uma vez que através das declarações das testemunhas foram efectuadas apenas meras correlações com outros elementos do processo que levaram o tribunal “ aquo” asufragar o entendimento vertido na acusação, sem uma correcta e coerente valoração dos elementos em jogo.

  31. Deste modo, ao considerar como provados os factos que foram sobejamente analisados supra, e além da clara e manifesta violação do princípio contido no artigo 127.º do CPP, o Tribunal violou claramente o artigo 355.º do CPP, uma vez que a condenação não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento.

  32. Mais, a conjugação dos elementos referidos deveria ter sido seguida de um posicionamento crítico por parte do Tribunal “a quo”, facto que não ocorreu no caso vertente.

  33. Assim, o facto do Tribunal ter entendido que a versão dos factos apresentada pelo Arguido não seria adequada a gerar dúvidas acerca dos factos constantes dos autos, é violadora das mais elementares garantias constitucionais contidas no princípio do “in dúbio pro reo”, porquanto não é ao arguido que cabe comprovar a sua inocência, mas sim a acusação que tem de ser comprovada e dessa comprovação se retirar a culpabilidade do arguido.

  34. Deste modo, o Tribunal “a quo” violou entre outros: - O artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio “in dúbio pro reo”).

    - Os artigos 97.º n.º 5; 127.º, 355.º; 358.º, 359.º, 374.º n.º 2, 379.º e 410,º n.º 2 a) e c) do Código de Processo Penal.

    - Os artigos 40.º, 50.º, 75.º e 76.º do Código do Processo Penal.

  35. No geral, e em face dos pontos de facto discutidos e da insuficiência da prova a que aludimos a decisão padece também de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º n.º 2 a) do CPP.

  36. Com efeito, impõe-se a concreta reapreciação da decisão e da prova produzida, e a consequente revogação da decisão de que se recorre.

    Ora, a factualidade acabada de referir não traduz um exame...

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