Acórdão nº 1167/20.7T8VRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., ..., e BB, residente na Rua ..., ..., instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade Agrícola ..., Lda., com sede no Lugar ..., ..., ..., pedindo que se declarasse nula a assembleia geral da Ré de 16 de maio de 2020 e, consequentemente, todas as deliberações aí tomadas e, subsidiariamente, se declarasse a anulabilidade, pelo menos, das deliberações tomadas nessa mesma assembleia relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos.

Para tanto alegaram, em síntese, que a convocatória expedida para assembleia geral que teve lugar no dia 16 de maio de 202 não respeitou a antecedência mínima a que alude o art. 377º n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) e era omissa quanto ao lugar em que se realizaria a dita assembleia.

Acresce que, a primeira Autora viu-se impedida de participar nas deliberações tomadas na mencionada assembleia, uma vez que não se encontrava familiarizada com os meios eletrónicos e não possuía internet em casa.

Na assembleia omitiu-se a gravação da verificação das presenças, a identidade dos participantes, a regularidade de mandatos, a falta de visibilidade dos participantes e o corte de som do sócio que estava a falar.

Finalmente, as deliberações a que se reportam os pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos são nulas por não terem na sua base nenhuma proposta fundamentada ou justificação da necessidade de se proceder à venda dos vinhos.

A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção perentória da caducidade do direito que as Autoras vêm exercer na presente ação, sustentando que a assembleia geral a que se reportam as deliberações impugnadas foi encerrada em 16/05/2020 e que o prazo para a interposição de ação de anulação dessas deliberações é de 30 dias, pelo que, o prazo para instaurarem a presente ação terminou em 15/06/2020 e daí que, na sua perspetiva, quando a presente ação deu entrada em juízo, em 02/07/2020, o direito das Autoras a obterem a anulação das deliberações sociais tomadas na dita assembleia geral já se encontrava extinto, por caducidade.

Invocou a exceção da confirmação, alegando que a deliberação constante do ponto dois da ordem de trabalhos, obteve o voto favorável da Autora BB e já foi executada, tendo a Ré procedido à distribuição de lucros do exercício de 2019 aos sócios, incluindo a cada uma das Autoras; nessa assembleia visualizou-se e corrigiu-se o texto da respetiva ata, em que todos os presentes tiveram oportunidade de verificar, e verificaram, e concordaram com o teor dessa ata, e verificaram e concordaram que as votações se tinham verificado corretamente.

Concluiu que, caso se verificasse alguma invalidade das deliberações tomadas na identificada assembleia geral, os comportamentos acima descritos das Autoras teriam de ser considerados como confirmação tácita de tais deliberações.

Suscitou a exceção da ilegitimidade ativa das Autoras para instaurarem a presente ação, alegando que a Autora BB votou a deliberação do ponto dois da ordem de trabalhos, no sentido que fez vencimento, pelo que não dispõe de legitimidade ativa para arguir a invalidade dessa deliberação; as Autoras aprovaram tacitamente as deliberações constantes dos pontos um e dois da ordem de trabalhos, e a deliberação do ponto dois pressupõe necessária, implícita e tacitamente, a aprovação da deliberação constante do ponto um, pelo que, na sua perspetiva, as Autoras não dispõem de legitimidade ativa para arguirem a invalidade de tais deliberações, nem das demais constantes da ata da assembleia geral, no que respeita aos vícios que apontam como vícios que afetam a assembleia geral na sua totalidade.

Invocou a exceção da impossibilidade ou da inutilidade da lide, sustentando que as deliberações constantes dos pontos um, dois e sete da ordem de trabalhos já foram executadas, porquanto, o vinho em causa já foi vendido, o que determina, a seu ver, a impossibilidade/inutilidade da lide quanto à invalidação das referidas deliberações, pois não é possível, neste momento, extrair qualquer efeito útil da invalidação dessas deliberações.

Arguiu a exceção perentória do abuso de direito, alegando que as Autoras são irmãs gémeas, vivem em litígio com todos, incluindo com a Ré, sendo inadmissível que sendo titulares de apenas 1% do capital social da sociedade Ré possam perturbar o normal funcionamento desta.

Invocou a exceção da colisão de direitos, sustentando que, caso assistisse algum direito às Autoras, este teria de ceder face ao interesse da Ré, por ser manifestamente superior ao daquelas, dado que as Autoras são detentoras, cada uma, de 1% do capital social da sociedade Ré, quando as consequências negativas/prejuízos que resultariam para a última decorrentes da anulação das deliberações sociais, seja qual for o critério que se siga nessa avaliação, seriam manifestamente superiores ao da manutenção de tais deliberações.

Impugnou parte da facticidade alegada pelas Autoras, sustentando que a assembleia geral e as deliberações nela tomadas e impugnadas pelas Autoras não padecem de nenhum dos vícios que estas lhes imputam, uma vez que a assembleia geral foi convocada por meio de carta registada expedida em 27/04/2015 e, portanto, com a antecedência legal sobre a data designada para a realização dessa assembleia geral; por mail de 04/05/2020, a Autora BB solicitou a inclusão de assuntos na ordem do dia e, na sequência desse pedido, foi enviada nova comunicação aos sócios por carta expedida em 05/05/2020; na convocatória constava que a assembleia geral seria realizada por meios telemáticos; a gerência da Ré arrendou um espaço (que identifica), com disponibilização de uma pessoa com conhecimento na área dos meios telemáticos, e comunicou aos sócios, por mail de 12/05/2020, referindo expressamente que estes podiam participar na assembleia geral por meios telemáticos, a partir das suas casas, ou nesse local arrendado; a sociedade e os sócios comunicam frequentemente por mail; todos os presentes na assembleia geral, incluindo o representante da Autora BB, não demonstraram qualquer dificuldade na utilização de meios telemáticos; a assembleia geral terminou com a leitura e visualização da ata por todos os participantes, incluindo pelo representante da Autora BB, que aprovaram o respetivo texto, e assinaram essa ata, a qual apenas não foi enviada às Autoras, por motivo exclusivamente imputável à Autora BB, cujo representante ainda não assinou a ata; acresce que, à data da convocação da assembleia geral, estava em vigor o Decreto n.º 2-C/2020, de 17/04, e, à data da realização dessa assembleia encontrava-se em vigor a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30/04, que impedia reuniões com mais de 10 pessoas, o que era o caso da assembleia geral da Ré, atento o capital social desta; quanto às deliberações dos pontos quatro e sete, alegou tratar-se de assuntos da competência da gerência; existirem deliberações anteriores em que a assembleia geral permitiu à gerência proceder à venda do vinho; ao submeter o assunto da venda do vinho à assembleia geral a gerência apenas o fez por uma questão de transparência; o negócio da venda do vinho aprovado pela assembleia geral e executado foi vantajoso para a Ré, posto que vendeu o vinho pelo dobro do preço das anteriores vendas que realizou.

Concluiu pedindo que a ação fosse julgada improcedente e que se condenassem as Autoras como litigantes de má fé em multa e em indemnização, de valor não inferior a 50.000,00 euros.

Por despacho proferido em 28/04/2021, a 1ª Instância notificou as Autora para, em dez dias, exercerem o contraditório quanto às exceções invocadas pela Ré na contestação.

Aderindo a essa notificação, por requerimento entrado em juízo em 13/05/2021, as Autoras pronunciaram-se quanto a essas exceções e, bem assim, quanto ao pedido de condenação daquelas como litigantes de má fé, concluindo pela improcedência de tais exceções e pedido.

Quanto à exceção da caducidade, as Autoras advogaram que o prazo de caducidade a que alude o art. 59º, n.º 2 do CSC, esteve suspenso por via da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, entre 09/03/2020 até 03/06/2020, não se verificando, por isso, a exceção da caducidade invocada.

No que respeita à exceção da confirmação suscitada pela Ré, alegaram que essa figura não se aplica às deliberações nulas; acresce que, a possibilidade de sanar a nulidade pelos vícios procedimentais do art. 56º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, só pode ter lugar em momento posterior à realização da assembleia geral em que foram aprovadas as deliberações, com o assentimento de todos os sócios ausentes e não representados, e que essa confirmação tem de se verificar de forma expressa e por escrito, o que não é o caso dos autos; no caso de se entender que as deliberações relativas aos pontos 4 e 7 são meramente anuláveis, a confirmação de tais deliberações dependia de um comportamento concludente das Autoras, no sentido de consolidarem o negócio, o que também não é o caso dos autos.

No que tange à exceção da ilegitimidade ativa arguida pela Ré, sustentaram que o art. 57º do CSC, não afasta o regime geral previsto no art. 286º do CC; a primeira Autora não esteve presente na assembleia geral, e apesar da 2ª Autora ter nela estado presente através de representante, este votou em sentido contrário ao vencimento de dois pontos, pelo que nenhuma das Autoras votou no sentido em que fez vencimento, nem expressou qualquer aprovação relativamente a tais deliberações, mas antes, pelo contrário.

No que concerne à exceção da impossibilidade/inutilidade da lide, sustentaram que da execução de deliberações nulas ou anuláveis não resulta a sua sanação; o contrato invocado pela Ré respeitante à venda do vinho não é um contrato de compra e venda, mas um contrato promessa de compra e venda de vinho, e que, em todo o caso, instauraram procedimento cautelar de...

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