Acórdão nº 825/22 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 825/2022

Processo n.º 869/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., ora reclamante, foi condenado, em primeira instância (Instância Local de Bragança – Secção Cível e Criminal – J2), pela prática de um crime de falsidade informática e um crime de abuso de poder, respetivamente previstos e punidos pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 109/09, de 15 de setembro, e pelo artigo 382.º do Código Penal. Em cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de dois anos e onze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

1.1. Inconformado, dessa decisão interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão de 3 de julho de 2017, negou provimento ao recurso do arguido mas, julgando parcialmente provido o recurso interposto pela assistente, acrescentou àquele a condenação pela prática de um crime de violência doméstica, pelo qual tinha sido também pronunciado. Em cúmulo jurídico, o Tribunal da Relação de Guimarães, condenou o arguido na pena única de quatro anos de prisão.

1.2. Novamente inconformado, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 15 de novembro de 2017 foi rejeitado, com fundamento em irrecorribilidade da decisão.

1.3. Desta decisão, recorreu para o Tribunal Constitucional em 4 de dezembro de 2017, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC).

A questão acabou por ser apreciada em Plenário com a prolação do Acórdão do Plenário n.º 525/2021, de 13 de julho, nos termos do qual se decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, revertendo decisão absolutória parcial proferida pela 1.ª instância, agravem, sem ultrapassar o limite de cinco anos, a pena unitária de prisão, suspensa na sua execução em que o arguido havia sido condenado na 1.ª instância».

1.4. Notificado desta decisão do Tribunal Constitucional, apresentou o ora reclamante, em setembro de 2021, recurso de constitucionalidade, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 de julho de 2017, com a seguinte delimitação do objeto:

a) Da norma constante do artº.152º nº 1 al. B) do Código Penal, na interpretação de que a ausência de relações sexuais de cópula completa com a pessoa com quem o agente vive em condições análogas às dos cônjuges, por vontade dele, integra a previsão do crime de violência doméstica, por violação dos artºs 25º, nº. 1, 27º, nº. 1 e 18º, nº.2, todos da Constituição da República Portuguesa;

b) Da norma constante do artº. 152º, nº. 1, al. b) do Código Penal, na interpretação de que a opção pelo agente pela união de facto (em detrimento do casamento) com o intuito de obstar a que a companheira seja sua herdeira legitimária integra a previsão do crime de violência doméstica, por violação do artº. 36º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa;

c) Da norma constante do artº. 127º, do Código de Processo Penal, a interpretação de que a conclusão retirada pelo tribunal, em matéria de prova, materializa-se numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma de forma suficiente pela prova em que assenta a convicção, de modo a não deixar dúvida irremovíveis quanto ao seu sentido, por violação do princípio "in dúbio pro reo" contido no artº. 32º, nº .2 da Constituição da República Portuguesa;

d) Da norma constante do art.º 127º, do Código de Processo penal, na interpretação de que o tribunal dê como provados os factos que contrariam com toda a evidência - segundo o ponto de vista de um homem de formação média- a lógica mais elementar e as regras da experiência e da normalidade de vida comum, por violação do principio dúbio pro reo" contido no art. º 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 

e) Da norma constante do art.º 374.º, 2, do Código de Processo Penal, na interpretação de que, na decisão, o tribunal abstém-se de realizar um exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção e de explicitar os critérios, lógicos e racionais, utilizados no processo de formação da sua convicção, por violação do art.º 205º, nº . 1, da Constituição da República Portuguesa, e

f) Da norma constante do artº. 379º. 1, al. c) do Código de Processo Penal, ma interpretação de que na decisão, o tribunal não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, por violação do artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa;

(…)»

Este recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Notificado dessa decisão, o arguido deduziu reclamação ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC para o Tribunal Constitucional, dando origem ao Proc. n.º 1259/21, distribuído à ora relatora.

1.5. Neste Proc. n.º 1259/21, decidido em conferência, foi proferido o Acórdão n.º 559/2022, em 22 de setembro de 2022.

O Acórdão 599/22, após a constatação da sua tempestividade, assentou a sua fundamentação, no essencial, no seguinte:

«(…)

De todo o modo, cumpre ainda assinalar que o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem necessariamente natureza normativa, só podendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas na decisão recorrida, por não ter sido consagrado, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, a figura do «recurso de amparo», que permitiria a reapreciação de decisões judiciais proferidas, para, de forma autónoma, defender direitos fundamentais violados ou ameaçados.

Assim, a abertura da via de recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe que a questão sob apreciação, adquira relevância normativa, por transcender a casuística – o caso concreto submetido a julgamento nas instâncias –, e os seus contornos subsuntivos, de aplicação do direito aos factos apurados. Isto é, não lhe compete apreciar a validade das decisões judiciais no que se reporta à eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual incorreção da interpretação e aplicação desses mesmos preceitos. O Tribunal Constitucional limita-se a apreciar a validade de tais critérios normativos – devidamente destacados da decisão concreta – face ao bloco de constitucionalidade relevante, encontrando-se ainda os seus poderes de cognição limitados à norma ou normas que a decisão recorrida, consoante os casos, tenha aplicado ou tenha recusado aplicação (artigo 79.º-C da LTC).

Perscrutado o teor do requerimento de recurso deduzido, conclui-se, sem margem para dúvidas, que o propósito do reclamante consiste em contestar a própria decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, que estendeu os termos da respetiva condenação. A este respeito, e em articulação com o referido supra, deteta-se que a pretensão ora manifestada é totalmente desprovida de carácter normativo, consubstanciando uma tentativa de sindicância da concreta decisão do tribunal a quo. Por um lado, questiona-se os critérios de apreciação da prova aplicados em sede de recurso, enunciando conclusões enviesadamente retiradas da decisão recorrida, conforme anteriormente descrito. Por outro, discute-se a operação subsuntiva levada a cabo pelo mesmo tribunal, ao entender preenchido o tipo de crime constante do artigo 152.º do Código Penal. De facto, as questões de constitucionalidade identificadas mais não representam do que uma discordância do recorrente face ao juízo normativo empreendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a propósito dos elementos de prova juntos aos autos e dos comportamentos suscetíveis de integrar o desvalor da ação associado ao tipo incriminador em causa. Quer dizer, o reclamante insurge-se contra a aplicação do direito ordinário ao caso concreto, especificamente no que respeita à suscetibilidade de «a ausência de relações sexuais de cópula completa com a pessoa com quem o agente vive em condições análogas às dos cônjuges, por vontade dele, integra[r] a previsão do crime de violência doméstica» e à possibilidade de «a opção pelo agente pela união de facto (em detrimento do casamento) com o intuito de obstar a que a companheira seja sua herdeira legitimária integra[r] a previsão do crime de violência doméstica». Mesmo admitindo que a decisão recorrida promoveu tais entendimentos – o que se revela, no mínimo, discutível – a verdade é que o recorrente entende que o tribunal recorrido errou ao considerar preenchido o artigo 152.º do Código Penal. O pretenso vício de inconstitucionalidade reconduzir-se-ia, por isso, a uma incorreta aplicação do direto pelo acórdão recorrido.

Em suma, revela-se evidente o inconformismo do reclamante quanto à respetiva condenação pelo crime de violência doméstica e o seu propósito de a contestar, o que se conclui a partir da análise do comportamento processual do recorrente, refletido no teor das peças processuais apresentadas.

Ora, o Tribunal Constitucional não sindica (eventuais) erros de interpretação ou aplicação do direito pelas instâncias, que se reconduziriam a um vício de erro de julgamento, limita-se sim, repete-se, a sindicar critérios normativos, gerais e abstratos, extraídos da decisão, que possam assumir relevância jusconstitucional, por impactarem diretamente com normas ou princípios constitucionais.»

2. Sem aguardar a decisão relativa ao Proc. 1259/2021, suprarreferida, A., foi de novo junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em 9 de junho de 2022, interpor recurso de sobre a mesma decisão de 3 de julho de 2017, acionando, novamente, a tramitação acabada de descrever.

É do seguinte teor o recurso...

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