Acórdão nº 840/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 840/2022

Processo n.º 936/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., arguido e aqui reclamante, foi condenado, no Juízo Local Criminal de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, “pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.9, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 03 (três) anos de prisão efetiva”, tendo recorrido dessa sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), referindo que “O arguido, à data da entrada deste recurso, já efetuou o pagamento da quantia de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) através da emissão de cheque bancário a favor da assistente e a esta remetido (que se junta em documento n.º 1 e 2), e todos os meses irá transferir a quantia de 800,00 euros aos lesados/assistente, para reparar o dano e reparar o mal causado e disso fará prova junto do processo. Pese embora estejamos na fase de recurso, o arguido, ora recorrente, pede desde já desculpa, mais dizendo, e assim prometendo que fará todos os pagamentos a que se está a comprometer, até liquidar por completo os valores em causa, estando plenamente confiante que isto que se passou nunca mais voltará acontecer”. Concluiu esse recurso pela forma que segue:

“1. Vem o arguido A. interpor recurso à sentença datada de 20.10.2021 que o condenou por um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão efetiva.

2. Discorda o arguido da pena de prisão efetiva (não dos 3 anos), entendendo que deverá ser aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, suspensão essa que deverá ser superior à pena, e que seja obrigado a pagar os prejuízos causados ao lesado, considerando-se, desde já, que efetuou o pagamento de 7.500 euros, conforme documento n.º 1 e 2 que se juntam para todos os devidos efeitos legais.

3. O arguido compromete-se a transferir para a conta da lesada/assistente ou por outra forma, o valor de 800 euros mensais até perfazer os montantes indemnizatórios a que foi condenado, bem como se compromete a ter uma vida conforme ao direito, sem cometer novos crimes.

4. A sentença de que se recorre pecou na parte em que considerou que as penas suspensas não serviram de advertência. Sucede que, as penas suspensas que o arguido beneficiou (e que não foram revogadas) só existem desde maio de 2017 e de 2018, sendo os factos destes autos são anteriores à aplicação daquelas penas suspensas!

5. O Tribunal da Relação deverá revogar a pena de prisão efetiva, alterando-a para uma pena de prisão de 3 anos, mas suspensa na sua execução, pelo período de 4 anos, na condição de o arguido fazer prova de pagamento junto dos autos dos prejuízos causados aos lesados, uma vez que, não tendo o arguido praticado crimes no decurso das suspensões, há razões para acreditar que as suspensões serviram de suficiente aviso, porém sendo os presentes autos os últimos sobre estas factualidades, deverá o mesmo ser obrigado a pagar os valores dos prejuízos durante a suspensão.

6. O tribunal violou/mal interpretou o artigo 50º n.ºs 1, 2 e 3, 51º e 52º do Código Penal, o que se invoca, na medida em que a simples censura e a ameaça de prisão ainda realizam de forma adequada as finalidades da punição”.

2. No TRG, por acórdão datado de 09.05.2022, decidiu “Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A., confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida”, aí constando, no que aqui interessa, o seguinte:

“[…]

3. Posto isto, e antes de passarmos à análise da vexata quaestio, supra enunciada, como questão prévia há que aferir da admissibilidade, ou não, dos dois documentos que o recorrente juntou com as suas alegações de recurso, que aduz corresponderem à cópia de um cheque bancário emitido a favor da assistente, no valor de € 7.500,00, e à missiva a esta remetida (ou melhor, ao seu Ilustre Mandatário) para pagamento parcial dos prejuízos causados, e que constam de fis. 608 Vº e 609, respetivamente.

Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, ibidem, pág. 295, «O recurso é um meio de impugnação de decisão judicial, que tem por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão injusta ou inválida ainda não transitada em julgado, submetendo-a a uma nova apreciação por outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior, ou a correção de uma decisão já transitada em julgado».

Acrescentando, mais à frente, na pág. 300, que o objeto do recurso é a decisão proferida.

E que «O considerar a nossa lei que o objeto do recurso é a decisão tem importância prática muito grande. Nomeadamente não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida. Novos elementos de prova podem ser relevantes para efeito do recurso extraordinário de revisão, mas não para o recurso ordinário».

Aliás, é o que claramente se extrai do Artº 165º, segundo o qual «O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência», fases essas que, obviamente, ocorrem durante a tramitação do processo em 1º instância.

Pelo que, posteriormente a essas fases, apenas se pode aferir se a decisão de 1ª instância é ou não bem fundada, o que deverá ser feito com base nos mesmos elementos de prova que então estavam disponíveis.

Nestas circunstâncias, torna-se manifesto e evidente que, nos recursos ordinários, como o presente, não é possível a junção de documentos ou de outras provas, a não ser que se requeira a renovação da prova, nos termos do disposto no Artº 430º.

Já no recurso extraordinário de revisão, que obviamente pressupõe o trânsito em julgado da decisão, o conhecimento de novos meios de prova que determinam decisão diferente é um dos seus pressupostos [cfr. Artº 449º, al. d), só neste caso havendo lugar a produção de prova, como decorre do Artº 453º].

Em suma: salvo nos casos de pedido de renovação da prova, nos termos do Artº 430º, ou de recurso extraordinário de revisão, em consonância com o disposto nos Artºs. 449º, al. d), e 453º, está vedado ao recorrente juntar aos autos qualquer novo meio de prova, nomeadamente documentos.

É este o entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, como o atestam o acórdão de 05/12/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 704/10.0PVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário lapidarmente se afirma:

«(..)

II - Em matéria de prova documental a lei adjetiva penal estabelece no n.º 1 do art. 165.º do CPP que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência, preceituando o n.º 3 que o disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência. A apresentação da prova documental deve ser feita, pois, nas fases processuais preliminares de inquérito e de instrução, admitindo-se que possa ocorrer na fase de audiência, até ao encerramento desta, caso a junção ao processo não tenha sido possível antes ou tratando-se de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos.:

III - Trata-se de imposição necessária à correta tramitação do processo e à disciplina dos atos processuais, consabido que a apresentação e produção de qualquer prova tem a sua sede natural e própria nas fases preliminares e de audiência. Após o encerramento do contraditório e a subsequente prolação da sentença, com a fixação da matéria de facto, toma-se inútil e despropositada a apresentação de prova de qualquer natureza, incluindo a documental, tanto mais que nos raros casos em que a lei admite a renovação da prova — art. 430.º do CPP —, como a própria denominação do instituto sugere, o tribunal de recurso limita-se a reanalisar os meios de prova (já) apresentados e produzidos, ou seja, não podem ser requeridos, nem ordenados oficiosamente novos meios de prova, isto é, meios de prova distintos dos apresentados e produzidos na 1.º instância.

Consequentemente, não são admissíveis os documentos que o arguido juntou com o seu recurso, a que supra aludimos, os quais não consideraremos, não lhes atribuindo qualquer relevância, devendo os mesmos ser oportunamente (após trânsito em julgado) desentranhados dos autos, e devolvidos ao apresentante.

[…]”

3. O arguido/reclamante, veio apresentar o seguinte requerimento:

“[…]

vem junto de V. Exas arguir a nulidade do mesmo ao abrigo dos artigos 425º n.º 4 e 379º n.º 1 alínea c) do Código Processo Penal, apresentando, para o efeito, os seguintes fundamentos:

O presente pedido de nulidade é apresentado dado que o Tribunal, como adiante se demonstrará, deixou de se pronunciar sobre uma questão que tinha de conhecer: o documento de pagamento apresentado pelo arguido em sede de recurso e antes de ser proferido um qualquer acórdão do Tribunal da Relação e seu consequente trânsito em julgado.

Enuncia o referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que o arguido nada fez para reparar o mal causado à ofendida/assistente, ainda que parcialmente, não obstante o (longo) tempo decorrido desde a prática dos factos!

Verificamos com bastante atenção que o Tribunal da Relação qualificou factos de 2017 como «longo tempo».

Mas notamos também que, não foi tido em conta o documento de pagamento junto ao processo em sede de recurso, na medida em que, se o arguido só conseguiu pagar após decisão, fê-lo antes de existir qualquer trânsito em julgado de qualquer decisão nos presentes autos.

Invoca o Tribunal da Relação, socorrendo-se do artigo 165º do Código Processo Penal (embora não se diga que é do CPP –...

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