Acórdão nº 838/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 838/2022

Processo n.º 745/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., arguido e aqui reclamante, na sequência de prolação de decisão instrutória em processo que corria os seus termos no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), requereu a prorrogação do prazo para vir recorrer dessa decisão, o que foi indeferido por despacho datado de 23.04.2021, com o seguinte teor:

“Veio o arguido A., na sequência da notificação da decisão instrutória, requerer que seja verificada a situação de justo impedimento e que seja concedida a prorrogação ou a dilação dos prazos legais de recurso por prazo não inferior a 120 dias e de arguição de nulidades e de irregularidades por prazo não inferior a 90 dias.

Para tanto, invocou a complexidade deste processo e muito concretamente da acusação e da decisão instrutória, tanto pelos factos que estão em causa como pelas questões jurídico-processuais e jurídico-substanciais que colocam pelo que consubstanciam notoriamente «justo impedimento» para a apresentação pela defesa de qualquer reação processual à pronúncia nos prazos fixados por lei para eventual interposição de recurso, de arguição de nulidades ou de irregularidades.

Mais alegou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 105º nº 1, 107º nº 6, 120º nº 3 alíneas a) e c), 123º nº 1, 411º nº 1 alínea c) e 413º nº 1 do CPP por violação dos direitos fundamentais de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, equitativo e em prazo razoável, consagrados nos artigos 20º nº 1 e 4 da CRP e por violação das garantias de defesa, incluindo o direito de recurso e do princípio do contraditório previsto no artigo 32º nº 1 e 5 da CRP, quando interpretadas no sentido da improrrogabilidade dos prazos nelas previstos.

Notificado o MP para exercer o contraditório quanto ao requerido pelo arguido A. pronunciou-se, em síntese, nos seguintes termos:

Que o MP já lançou mão do disposto no artigo 309º do CPP para requerer a nulidade da pronúncia, na parte relativa aos arguidos A. e B., fazendo-o dentro do prazo de 8 dias previsto no artigo 309º do CPP.

Que não está em causa a totalidade da decisão instrutória, mas tão só o seu segmento de pronúncia e quanto a aspetos parcelares do mesmo, pelo que não se justifica a concessão de um prazo alargado com extensão idêntica ou sequer próxima ao solicitado para a interposição do recurso relativamente à parte da decisão instrutória de não pronúncia.

Conclui dizendo, no que se refere à arguição de irregularidades e nulidades da pronúncia, ser adequado que se venha a conceder ao requerente, a título excecional, um alargamento do prazo por igual período do prazo normal de arguição da nulidade, a contar da data da própria decisão sobre o alargamento do prazo.

[…]

Cumpre conhecer:

A possibilidade da prática de ato processual fora do prazo com fundamento em justo impedimento encontra-se regulada nos artigos 139.º, n.º 4, e 140º, nº 1 e 2, do CPC ex vi artigo 4º do CPP.

“Justo impedimento” é a situação jurídica que permite que um ato processual possa ser praticado fora do prazo legalmente exigível, inclusivamente depois de decorridos os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo dentro dos quais a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.

Considera-se “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato. A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova, bem como prova de que o ato foi praticado logo que terminado o evento que impedia a sua prática (artigos 139.º n.º 4 e 140.º do Código de Processo Civil aplicável ao caso concreto por força do artigo 4º do Código de Processo Penal).

Deste modo, o justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um ato pelo decurso de um prazo perentório.

São, assim, requisitos cumulativos do justo impedimento: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; (ii) que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato.

Como se escreve no Acórdão n.º 178/2014, de 25.02.2014, do Plenário do Tribunal Constitucional (Proc. 336/2013), «o justo impedimento para a prática do ato processual por mandatário judicial só se verifica quando ocorra impossibilidade absoluta ao desenvolvimento do mandato judicial, nas suas múltiplas vertentes, em virtude da produção de facto independente da sua vontade e que o cuidado e diligência normais não permitiam antecipar, não bastando a mera dificuldade na prática do ato».

A regra geral sobre o prazo de arguição de nulidade da decisão instrutória prevista no artigo 309º nº 1 e 2 do CPP é de 8 dias.

O prazo de arguição de irregularidades é de 3 dias, conforme resulta do artigo 123º nº 1 do CPP.

Por sua vez, o prazo para interposição de recurso, conforme resulta do artigo 411º nº 1 do CPP é de 30 dias.

Nos termos do artigo 107º nº 5 do CPP, independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.

O nº 6 do mesmo artigo 107º diz que, quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do nº 3 do artigo 215º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos78º, 287 e 315 e nos nºs 1 e 3 do artigo 411º, até ao limite máximo de 30 dias.

Os prazos em causa apresentam natureza perentória (artigo 139.º, nº 2 e 3, do CPC).

O termo inicial do prazo perentório tem de se contar a partir da notificação do ato ao titular do direito em causa (artigo 149.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 104º do CPP).

O prazo é contínuo apenas se suspendendo durante as férias judiciais (artigo 138.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 104º do CPP).

Os atos podem ainda ser praticados até ao terceiro dia útil seguinte ao do respetivo termo final ao abrigo do disposto pelo artigo 139.º, n.º 5, do CPC e 107º A do CPP embora a respetiva validade fique dependente do pagamento imediato de uma multa estabelecida nessa norma legal (variável em função do específico atraso).

A decisão instrutória foi notificada pessoalmente ao arguido A. e ao seu defensor no dia 9-4-2021.

Os presentes autos foram classificados como de excecional complexidade.

Nos termos do artigo 310º nº 1 do CPP, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para julgamento.

Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, é recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo 309º.

No caso em apreço, a decisão instrutória contém um segmento onde foram conhecidas questões prévias e incidentais, entre as quais nulidades suscitadas pelo arguido A. que foram julgadas improcedentes, um outro segmento onde foi apreciada questão de indícios suficientes com uma decisão de não pronúncia e uma outra parte com uma decisão de pronúncia, onde o arguido A. foi parcialmente pronunciado pelos factos que lhe foram imputados pela acusação.

Assim sendo, quanto às nulidades julgadas improcedentes e quanto aos factos pelos quais foi pronunciado, apesar da decisão ser desfavorável ao arguido A., esta é, nesta parte, irrecorrível por força do artigo 310º nº 1 do CPP.

A constitucionalidade desta norma já foi fiscalizada pelo Tribunal Constitucional que, apesar de ter presente os danos provocados pela sujeição a um julgamento penal, julgou verificada, em vários acórdãos, a não inconstitucionalidade da norma em causa (Vide os acórdãos n.º 265/94, 610/96, 468/97, 45/98, 101/98, 156/98, 238/98, 266/98, 299/98, 300/98, 463/2002, 481/2003 e 527/2003, todos acessíveis em www tribunalconstitucional.pt).

Foi entendido que a opção adotada no artigo 310º nº 1 do CPP se encontrava dentro da margem de liberdade do legislador optar pela irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, enquanto despacho intermédio que se limita a determinar a necessidade do arguido ser sujeito a Julgamento, face aos indícios que existem de que ele cometeu um crime, como forma de, em nome dos interesses da celeridade processual, evitar uma demora na realização do julgamento.

Mais foi entendido como sendo constitucionalmente admissível que o legislador possa determinar a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, quando opta por essa solução em nome da celeridade processual, revela-se perfeitamente coerente que essa opção se estenda às decisões sobre nulidades e questões prévias a esse despacho, as quais apenas nele se repercutem.

Quanto à decisão de não pronúncia relativa ao arguido A., esta apenas é recorrível, como é obvio, pelo Ministério Público (artigo 310º nº 1 a contrario e 401º nº 1 al. a) do CPP).

Em face do exposto, atenta a impossibilidade de recurso quanto à decisão instrutória por parte do arguido A., não se justifica, dada a ausência de interesse em agir, apreciar o pretendido pedido de prorrogação de prazo de recurso por ele deduzido.

O mesmo se verifica em relação ao arguido B..

Quanto ao pedido de prorrogação dos prazos de 3 e 8 dias previstos nos artigos 123º e 309º nº 2, ambos do CPP, para 90 dias, com fundamento em justo impedimento, uma vez que a situação invocada pelo arguido não configura uma impossibilidade absoluta ao desenvolvimento do mandato judicial, tanto mais que o arguido praticou o ato pretendido, ou seja...

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