Acórdão nº 834/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 834/2022

Processo n.º 675/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., arguido e aqui recorrente, na sequência de dedução de acusação pelo Ministério Público, veio requerer a abertura de instrução, que correu os seus termos processuais no Juízo de Instrução Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto e no final da qual foi proferida decisão instrutória, pronunciando o arguido “pelos factos e enquadramento jurídico constantes da acusação pública”. Aí se escreveu, no que aqui interessa, o seguinte:

“- a inconstitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. b), 272.º, n.º 1, 141.º, n.º 4 al. d), 143.º, 144.º, 120.º, n.º 2, alínea d) e 283.º, todos do C. Pr. Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida.

Neste particular, e conforme referiu o M. Público em resposta à nulidade (suscitada ainda em inquérito pela defesa do arguido, depois da dedução da acusação e antes da apresentação do requerimento de abertura da instrução), o Tr. Constitucional decidiu «Não julga(r) inconstitucionais as normas constantes da al. d) do nº 2 do art. 120º, al. c) do nº 4 do art. 141º, art. 144º e nº 1 do art. 272º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida» (Diário da República, n.º 51/2012, Série II, de 2012-03-12).

Neste particular, pois, não pode acolher-se a pretensão do requerente da presente instrução”.

2. Ainda inconformado, o aqui recorrente “vem interpor recurso para o TC, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de setembro.

2. Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação efetuada da norma extraída da conjugação dos artigos 61º nº 1, alínea b), 272.º nº 1, 141º n.º 4, alínea d), 143º, 144º, 120º nº 2, alínea d) e 283º, todos do CPP, interpretação no sentido de que podem ser levados à acusação factos e imputações criminais com os quais o arguido não tenha sido confrontado em inquérito, podendo tê-lo sido.

3. Como aconteceu no caso concreto em que o Mº Pº, com o processo nas suas mãos, de modo exclusivo, desde 6 de Maio de 2019, ut folhas 1008 a 1009, apesar de pedidos de aceleração processual, se permitiu em dezembro do ano seguinte, contra a verdade processual, violando regras básicas de zelo funcional e lealdade processual, afirmar ao longo de quatro dezenas de folhas de arquivamentos que o arguido não tinha querido prestar declarações quanto a concretos factos (folhas 1327 e seguintes) factos com os quais, porém, nunca ousara, naturalmente por receio da sua fácil desmontagem, dado o local onde os pretendeu encontrar, confrontá-lo.

4. A interpretação efetuada viola o artigo 32º nº 1 da CRP.

5. A questão da inconstitucionalidade foi levantada logo que notificado da acusação e perante o próprio Mº Pº, em primeira mão, dada a surpresa, que tal realidade causara”.

3. Esse recurso foi admitido no Juízo de Instrução Criminal do Porto, com efeito suspensivo.

4. No Tribunal Constitucional (TC), a relatora proferiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 04.01 – LTC), a Decisão Sumária n.º 480/2022, em que se decidiu “não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos”, com os seguintes fundamentos:

“[…]

6. In casu, deve referir-se, desde logo, que o recorrente fixou o objeto deste recurso de constitucionalidade pela seguinte forma, constante do seu requerimento de interposição de recurso:

«interpretação efetuada da norma extraída da conjugação dos artigos 61º nº 1, alínea b), 272.º nº 1, 141º n.º 4, alínea d), 143º, 144º, 120º nº 2, alínea d) e 283º, todos do CPP, interpretação no sentido de que podem ser levados à acusação factos e imputações criminais com os quais o arguido não tenha sido confrontado em inquérito, podendo tê-lo sido».

Da leitura deste requerimento resulta claro que a norma ou interpretação normativa enunciada no seu recurso pelo recorrente (e sobre a qual o recorrente pretende que o TC se pronuncie) não é minimamente a que foi efetuada na decisão recorrida, antes se escrevendo aí o seguinte:

«a inconstitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. b), 272.º, n.º 1, 141.º, n.º 4 al. d), 143.º, 144.º, 120.º, n.º 2, alínea d) e 283.º, todos do C. Pr. Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida».

De facto, não há identidade entre o objeto do recurso (que se refere ao poderem «ser levados à acusação factos e imputações criminais com os quais o arguido não tenha sido confrontado em inquérito, podendo tê-lo sido») e a interpretação normativa apreciada pelo tribunal a quo (que diz antes respeito ao não constituir nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida»), dado que na primeira se questiona o serem carreados para a acusação factos com os quais o arguido não foi confrontado, quando o poderia ter sido, enquanto que na segunda se aprecia a constitucionalidade de interpretação que não constitui uma nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confrontar o arguido, em sede de interrogatório, com todos os factos concretos que depois venham a constar da subsequente acusação.

Por sua vez, se é verdade que na secção anterior da decisão instrutória se aprecia, previamente, uma questão mais similar à da questão de inconstitucionalidade que constitui o objeto deste recurso, a verdade é que a interpretação normativa aí adotada também não é minimamente sobreponível à enunciada pelo arguido (que nem sequer é abrangida ou contida na mesma), bastando, para o efeito, ler o seguinte trecho dessa decisão:

«- a nulidade da acusação pelos factos dela constantes que não sejam aqueles que lhe foram comunicados no interrogatório não judicial a que foi sujeito em 20.MAR.19.

Com efeito, do auto de interrogatório em questão (a fls. 986/988) se verifica que o arguido apenas foi interrogado expressamente acerca da detenção de arma proibida, achada na sequência da busca domiciliária por ele autorizada; mais consta desse mesmo auto que foi lido e mostrado ao arguido o teor das transcrições das escutas telefónicas compiladas no denominado Anexo I, e que sobre o seu conteúdo o mesmo declarou não prestar declarações.

Converge-se com a defesa do arguido quando sustenta que devem ser levados ao seu conhecimento os factos que lhe sejam concretamente imputados, pois tal decorre claramente do texto legal (artº.s 141.º, n.º 4, al. d), 143.º e 144,º, todos do C. Pr. Penal).

Ora, do teor daquele auto não consta que tenha sido o arguido confrontado com os demais factos que depois foram levados à acusação, designadamente aqueles relativos ao acusado crime de acesso ilegítimo.

Será que essa omissão pode ser havida como nulidade decorrente da insuficiência do inquérito, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios (art.º 120.º, n.º 2, al. d) do C€C. Pr. Penal), entre os quais figura o interrogatório do...

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