Acórdão nº 10940/20.5T8LRS.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1. AA, propôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum, contra BBB, pedindo seja a Ré condenada a reconhecer a conversão do contrato de trabalho da Autora a termo em contrato de trabalho sem termo e declarada a ilicitude do despedimento da Autora e, em consequência, proceder à sua reintegração, com as legais consequências. Seja a Ré condenada a reconhecer a antiguidade da Autora desde 11/05/1992 e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 390.º do Código do Trabalho, bem como a pagar-lhe quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, que deverá ser actualizada à data da sentença, assim como os juros legais sobre as quantias supra desde as respectivas datas de vencimento até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que: (i) foi contratada pela Ré, desde Maio de 1992, por via da celebração de múltiplos contratos de trabalho a termo certo; (ii) o último dos quais datado de 4/09/2017, com a duração de 27 meses e 27 dias; (ii) este último contrato viria a cessar, por iniciativa da Ré, em 31/12/2019, por comunicação datada de 2/12/2019; (iii) a justificação da contratação a termo é vaga e imprecisa (iv) a Ré, através de sucessivos contratos de trabalho a termo certo, utilizou a sua força de trabalho ao longo de vários anos, assim se demonstrado que era permanente a necessidade dessa força de trabalho e não meramente temporária, daí que a sua antiguidade se deva reportar a 11/05/1992; (v) a comunicação da Ré, datada de 2/12/2019, com efeitos a 31/12/2019, consubstancia um despedimento ilícito.

Foi realizada a audiência de partes, sem conciliação.

A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese que a produção de gelados segue um regime sazonal que decorre dos hábitos de consumo inerentes a este tipo de produto; o consumo de gelados ocorre na maioria durante a Primavera e o Verão (Maio a Agosto), comportamento este do consumidor similar em toda a Europa, região à qual se destina também parte da produção; o consumo, produção e venda de gelados também dependem da variação e estado do tempo; a produção e operação de vendas de uma empresa de gelados tem que se organizar para fazer face às encomendas e assegurar que o produto está disponível para o consumidor; de Janeiro a Julho a fábrica da Ré dedica-se à produção dos gelados que são consumidos nos meses de Primavera e Verão; em anos em que o Verão atinge temperaturas muito elevadas e/ou se preveja que essas temperaturas se prolongam para o mês de Setembro, podem surgir necessidades acrescidas de produção durante o mês de Agosto e mesmo depois; os restantes meses do ano a produção decresce devido a menor necessidade e também por ser nessa altura que se aproveita para efetuar reparações e manutenção; as necessidades de recursos humanos não são constantes ao longo de todo o ano, sendo o planeamento da produção de gelados volátil e de curto prazo; quando a fábrica toma conhecimento das necessidades de produção anuais, procura estabelecer a contratação específica para fazer face ao plano e, nessa medida, tem necessidades temporárias de mão-de-obra que justificam a contratação a termo; na tentativa de assegurar um processo produtivo uniforme ao longo do ano, a Ré e as suas congéneres na Europa implementaram, a título experimental, a constituição de equipas piloto, pelo período de cerca de dois meses, para funcionamento ininterrupto de algumas linhas de produção, tempo estimado como necessário para avaliar da sua rentabilidade e eventual implementação definitiva; esta experiência não correu de forma satisfatória, uma vez que se veio a constatar que o projecto não era rentável; a Autora foi contratada para satisfazer necessidades temporárias de mão-de-obra, sequer tendo estado ininterruptamente ao serviço da Ré; não foi contratado outro trabalhador para o seu lugar, pelo que se não pode apelar à figura da sucessão de contratos. Conclui que a contratação a termo é válida e que não ocorreu qualquer despedimento ilícito.

A Ré deduziu reconvenção, alegando que em caso de procedência da acção e reconhecendo-se à Autora o direito a ser integrada nos quadros a Ré com antiguidade reportada a anos anteriores, deverá a mesma restituir as quantias pagas pela caducidade de todos os contratos (no valor de € .965,89), podendo existir outros acertos quanto a férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e subsídio de turno.

Conclui pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido ou, no caso de procedência da acção, pela procedência do pedido reconvencional, devendo a Autora ser condenada no pagamento das compensações que lhe foram satisfeitas aquando da caducidade dos contratos de trabalho.

A Autora respondeu ao pedido reconvencional, pugnando pela sua improcedência, e invocando que a Ré age em abuso de direito.

Foi proferido despacho saneador que dispensou a enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência final.

Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo: Nestes termos, tendo presente as considerações tecidas e as normas legais citadas, decide-se:

  1. Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: 1. Declarar que o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré em 4/09/2017, com início em 5/09/2017, constitui um contrato sem termo; 2. Declarar a ilicitude do despedimento promovido pela Ré em 31/12/2019 e, em consequência, condenar a Ré: 2.1. A reintegrar a Autora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, sendo esta reportada a 10/01/2017; 2.2. A pagar à Autora as retribuições (salários, a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal) que deixou de auferir entre 22/11/2020 e o trânsito em julgado da presente decisão, tendo por base a retribuição de €846,46, estando vencida (até 16/01/2022) a quantia de €14.634,29 (catorze mil seiscentos e trinta e quatro euros e cinte e nove cêntimos).

    2.3. Ao montante que vier a ser apurado referente ao ponto anterior, serão deduzidas as importâncias que a Autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato, designadamente, a quantia de €1.179,94, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do artigo 390.º, que a Ré deverá entregar na Segurança Social caso a Autora tenha auferido subsídio de desemprego, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio.

    2.4. Às quantias devidas acrescem juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento; 3. Absolver a Ré do mais peticionado.

  2. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, devendo abater-se à quantia que se vier a apurar sob pontos 2.2 e 2.3, para além da quantia referidas em 2.3, também a quantia de €310,83, absolvendo a Autora do demais pedido a título reconvencional.

    Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento, que se fixa em 20% para a primeira e em 80% para a segunda (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)”.

    1.2.

    Inconformado com esta decisão dela recorre a Ré, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) 1.3.

    A Autora contra-alegou com vista ao não provimento do recurso e confirmação da sentença recorrida.

    1.4.

    O recurso foi admitido no efeito e regime de subida adequados.

    1.5.

    Remetidos os autos a esta Relação deles teve vista o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo o mesmo emitido parecer com vista ao não provimento do recurso, parecer a que nenhuma das partes respondeu.

    Cumpre apreciar e decidir 2. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em aquilatar se existe contradição entre os factos provados; caso assim não suceda, se ocorre nulidade da sentença e, por último, em averiguar se o contrato de trabalho a termo de 04-09-2017 celebrado entre as partes é válido.

    1. Fundamentação de Facto 3.1.

      Encontram-se provados os seguintes factos 1. A Ré é uma empresa que se dedica à produção de gelados e outros produtos alimentares e faz parte de um grupo de empresas multinacional.

    2. Com efeitos a 01/01/2015, a Ré incorporou, por fusão, a sociedade BBB., pessoa colectiva n.º ………, anteriormente denominada (…).

    3. Em 9/01/2017, Autora e Ré subscreveram um escrito denominado «contrato de trabalho a termo certo», junto a fls. 14, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual a Autora foi admitida para, sob autoridade e direcção da Ré, exercer funções correspondentes à actividade profissional de semi-especializado, mediante a retribuição mensal de € 825,72.

    4. No referido convénio foi consignado que o contrato é celebrado pelo prazo de cinco meses e vinte e três dias, com início em 10/01/2017 e termo em 2/07/2017, podendo ser renovado automaticamente por igual período de tempo, salvo se outro, maior ou menor, fosse, entretanto, acordado por escrito, pelos contraentes.

    5. Na respectiva cláusula 7.ª, sob epígrafe justificação do termo, consignou-se o seguinte: «O presente contrato a termo é celebrado ao abrigo do disposto no nº 1 e nas alíneas e) e f) do nº 2 do art.º 140º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro, tendo como fundamento fazer face ao acréscimo excepcional de actividade de produção de bolachas e gelados, por necessidade de produção extra, destinada ao mercado interno e externo (Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, França, GRécia, Bélgica, Polónia, Alemanha, Dinamarca...

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